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Mortes no trânsito: Veja “chocou”, mas errou nos números


Por Luiz Flávio Gomes Publicado 30/08/2013 às 03h00 Atualizado 02/11/2022 às 20h43
 Tempo de leitura estimado: 00:00

Em muitos países europeus a tática propagandística para a redução do número de mortes no trânsito é o “choque” gerado por vídeos rápidos e frases de grande impacto. Veja adotou essa técnica, mas exagerou nos números. Ao contrário do que ela afirmou (Veja de 7/08/13), o número de mortes no trânsito, no ano de 2012, não chegou a 60.752. Isso é mentira. Mas chamar atenção para o problema (como ela fez) é muito importante. A reportagem “Assassinos ao volante: as mortes no trânsito no Brasil já superam os crimes de homicídios” utilizou uma metodologia equivocada, fazendo uma comparação entre os números do DPVAT e do Datasus, órgão do Ministério da Saúde responsável por sistematizar as estatísticas nacionais sobre mortes.

Os números da Seguradora Líder/DPVAT dizem respeito às indenizações pagas por sinistros de morte ocorridos no período ou em anos anteriores, respeitando o prazo prescricional de três anos. Das 60.752 mortes indicadas pela Veja, para o ano de 2012, muitas podem ter ocorrido nos anos anteriores, tirando a consistência da informação divulgada. Em nota de esclarecimento dos dados ao Instituto Avante Brasil, a assessoria da Seguradora Líder afirmou por email que:

“As estatísticas divulgadas pela seguradora Líder-DPVAT no boletim estatístico, trimestral, contemplam as indenizações pagas no período de referência, relativas aos sinistros ocorridos no período e em anos anteriores, logo essa informação não se altera, pois está associada aos pagamentos realizados no período. Já a informação relacionada à ocorrência de sinistros irá variar (crescer) ao longo dos períodos, pois seu registro depende da reclamação/aviso do beneficiário junto a uma seguradora consorciada, e que pode ocorrer em até 3 anos da data do acidente, logo está associada ao aviso do sinistro. Pelos nossos registros de avisos de sinistros de morte (acidentes com vítima fatal), verificamos que, na média brasil, 70% dessas ocorrências do ano de 2012 foram reclamadas/avisadas no ano do acidente, ou seja, em 2012.”

Em 2012 não ocorreram 60.752 mortes. Cerca de 70% delas (mais de 42 mil mortes), sim. Mas isso já é uma calamidade insuperável. Confira a tabela de sinistros indenizados no âmbito do seguro DPVAT, por ano de indenização:

De se notar que o ano de pagamento não corresponde necessariamente ao ano da ocorrência da morte. Por exemplo, o crescimento importante dos sinistros pagos em 2005, 2006 e 2007 corresponde, em parte, à liquidação de sinistros atrasados. Das 60.752 indenizações pagas em 2012, cerca de 42 mil mortes foram avisadas/reclamadas no período; o restante das indenizações seriam referentes a pagamentos de anos anteriores que foram reclamados apenas em 2012.

O correto seria fazer a análise apenas das indenizações pagas por morte nos anos relacionados, apontando crescimento ou queda, tipo de indenizações pagas, ranking de causa. Nesse sentido, fazer uma comparação com o Datasus, que registra o número de vítimas de mortes no trânsito, ocasionaria um erro metodológico grave para uma análise imparcial da situação.

Solicitamos ao Observatório Nacional de Segurança Viária, responsável pelos dados levantados na pesquisa encomendada pela revista Veja, um esclarecimento sobre qual a metodologia usada para tal comparação e os resultados da pesquisa, contudo o Observatório declarou que se encontra em uma rotina de reuniões de eventos importantes, e solicitou que entrássemos em contato em outro momento.

Os números oficiais do Datasus

Segundo um levantamento feito pelo Instituto Avante Brasil, com dados do Datasus, na última estatística divulgada pelo Ministério, o número de mortes no trânsito do Brasil em 2011 teve aumento de 1%. Em 2010, esse número que tinha chegado a 42.844 mil mortes no trânsito, em 2011 alcançou 43.256, Em cada grupo de 100.000 habitantes, 22,6 pessoas morreram em consequência do trânsito. O Brasil, portanto, está atrás do Catar (30,1/100 mil), El Salvador (23,7), Belize (23,6) e Venezuela (23,4). Na frente do Brasil, no entanto, somente países muito atrasados.

Ou seja: o Brasil está dentre esses países atrasados. De acordo com nosso delitômetro, criado pelo Instituto, o crescimento médio anual no número de mortes entre 2001 e 2011 foi de 3,78%. Em 11 anos acumulamos quase 1milhão de mortes no trânsito brasileiro. Entre 2001 e 2011 houve uma evolução no número de mortes que apontou crescimento de 42%.

De acordo com esse total, seria possível dizer que em 2011 ocorreram 3.605 mortes por mês, 119 por mortes dia e 5 mortes a cada hora! Desse total, 26% eram motociclistas, 21% pedestres, 22% ocupantes de automóveis, 4% ciclistas e 27% outros tipos de veículo.

Quanto à concentração do número de mortes, a maioria esteve localizada no sudeste, 36%. O nordeste concentrou 27,8% das mortes, o sul foi responsável por 17,4% do total e o centro-oeste registrou 10% de todas as mortes no trânsito.

O sudeste registrou o maior número de mortes de pedestres entre as regiões em todas as categorias. Do total de pedestres que perderam a vida, 44% estavam no sudeste. Entre os motociclistas essa taxa foi de 30%, já entre os ocupantes de automóveis a taxa registrada foi de 40%, e entre os ciclistas de 35%.

Nosso questionamento aos números divulgados na pesquisa encomendada pela revista Veja não procura minimizar, de forma alguma, o número de mortes no trânsito no Brasil, ao contrário. O trabalho do Instituto Avante Brasil tem sido sempre no sentido de informar o cidadão da alta taxa de violência no trânsito brasileiro e a necessidade de sua prevenção, buscando propostas que possam reduzir efetivamente esse alto índice de mortalidade. Questionamos, apenas, a confusão que tais comparações, como as feitas entre o Datasus e o DPVAT, com metodologias diferentes, podem causar ao leitor que procura informações confiáveis sobre o assunto.

*jurista, diretor-presidente do Instituto Avante Brasil e coeditor do Portal e TV Atualidades do Direito. **Colaborou Flávia Mestriner Botelho, socióloga e pesquisadora do Instituto Avante Brasil.

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