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Tréplica à resposta do Cicloiguaçu ‘Bicicletas devem circular pela direita da via – Quem disse?”


Por Marcelo Araújo Publicado 27/05/2013 às 03h00
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EM face da publicação do meu artigo ‘Bicicletas devem circular pela direita da pista. Quem disse???” o CICLOIGUAÇU elaborou uma resposta, o que demonstra tratar-se de um tema polêmico e debate saudável, ao qual ofertamos a tréplica em cada um dos parágrafos da resposta, em “arial rounded MT E” e itálico.

Nesta quinta-feira, 24 de maio, o advogado, especialista em Direito do Trânsito e ex-Secretário Municipal de Trânsito de Curitiba, dr. Marcelo Araújo, publicou o texto intitulado “Bicicletas devem circular pela direita da pista quem disse?”.

http://portaldotransito.com.br/blog/post/bicicletas-devem-circular-pela-direita-da-pista-quem-disse

Sou defensor da noção de que as bicicletas devem circular, se não obrigatoriamente, ao menos preferencialmente, do lado direito da via. Abordarei as razões para tanto mais à frente, porém em relação à publicação do ex-secretário preciso contrapor preliminarmente outras questões.

A primeira abordagem sobre a questão é feita pelo ex-secretário tratando da questão das ciclofaixas, mencionando um conhecido protesto na cidade de Curitiba. Diz o advogado que por força de lei as ciclofaixas podem ser implementadas em qualquer lado da pista, na mão ou na contramão, até mesmo ao centro se assim desejar a autoridade. Realmente tem razão, a autoridade de plantão pode, com amparo na lei, situar onde bem desejar a ciclofaixa, entretanto isto não significa que se tratará de um projeto bom, adequado ou útil.

Ao que parece houve concordância que em se tratando de faixa exclusiva, portanto tendo a finalidade de segregar dos demais veículos motorizados e dos pedestres, pode de fato estar em qualquer lado da pista, inclusive no centro. Quanto ao fato de tratar-se de um projeto bom, adequado ou útil nos parece necessário analisar especificamente o projeto de cada localidade e conforme as condições oferecidas pela via e seu entorno, não podendo a engenharia de tráfego ficar engessada.

Tratemos, pois, do absurdo de se implementar uma ciclofaixa ao centro de uma via. Muitas cidades têm adotado tal prática, aproveitando antigos canteiros centrais de vias rápidas ou avenidas transformando-os em vias para bicicletas. Em princípio parece uma boa opção, na prática, porém, demonstra-se problemática. Colocar o ciclista no centro de vias de veículos automotores implica em situá-lo em posição na qual o deslocamento de ar dá-se de ambos os lados, ampliando a possibilidade de que a massa de ar deslocada pelos veículos possa desequilibrá-lo. Se algo desta ordem ocorrer, não gostaria eu de ser o ciclista afetado, pois definitivamente ao cair ele será jogado no meio do caminho de um veículo automotor, que passarão tanto na esquerda, como na direita. Entenda-se assim que a opção mais econômica do ponto de vista financeiro e mais cômoda (ou até mesmo preguiçosa) do ponto de vista do planejamento é a que coloca o ciclista numa situação de risco dobrado, sendo portanto a pior. Além da questão da segurança, pensemos na comodidade e facilidade de uso, uma via no centro de outras duas vias (em mesmo sentido ou oposto) impossibilita o fácil acesso, assim como inviabiliza qualquer conversão sem que haja uma parada e espera para que cesse o tráfego de automotores.

É fato que para anular os efeitos das massas de ar e da própria gravidade só se a ciclofaixa fosse na Lua. Sendo na terra o ciclista sofre efeitos de deslocamento de ar especialmente em rodovias, onde há locais abertos e descampados, e há veículos de grande porte que de fato deslocam considerável massa de ar. Vamos desembarcar um pouco da bicicleta e por os pés no chão: Em centros urbanos cuja velocidade máxima dificilmente poderá ultrapassar os 60Km/h, com a imensa maioria dos veículos de pequeno porte, e cercado por altas edificações só se o veículo for movido a hélice ou turbina de avião para ser suficiente para esse deslocamento lateral e desequilíbrio do ciclista. Somado a isso só bicicletas de competição utilizam aro fechado, pois a quase totalidade é com raios metálicos que não resistem ao deslocamento de ar. É certo que usar bicicleta faz perder peso, mas nem tanto…

Quanto ao protesto contra o projeto denominado “Ciclofaixa de Lazer”, que foi implementado pelo ex-prefeito Luciano Ducci e seu secretário de Esporte e Lazer, sr. Marcello Richa, o primeiro problema foi a incoerência do então prefeito ao afirmar que pensaria o projeto em conjunto com a sociedade civil, implementando-o, porém, sem nenhuma consulta ou contribuição. O projeto de uma faixa esporádica (apenas um domingo por mês), situada do lado esquerdo de vias de sentido único com múltiplas faixas, em nosso entendimento era problemático. Primeiro pelo próprio nome (pois “ciclofaixa” é uma estrutura permanente de mobilidade e não um evento de lazer), segundo por sua eventualidade, que não contribuía para os deslocamentos diários, tampouco educava para um trânsito compartilhado. Em todos os outros 29 dias do mês os motoristas gritavam aos ciclistas para irem para a ciclofaixa (como previmos), porém aquela pintura na pista não se tratava de uma estrutura destinada a assegurar nosso deslocamento. Criou-se um conflito desnecessário e contraproducente.

Pelo Art. 89 do CTB a sinalização prevalece sobre a regra geral, portanto a partir do momento que a sinalização estabelece dia e horário ela é prevalente. Não fosse assim como explicar que nos sábados, domingos e feriados as pessoas já sabem que no Parque Barigui a rua Aloísio França fica sentido único e determinadas vias ficam fechadas à circulação. Imagine então as cidades que precisam adotar a faixa reversível nos horários de pico. Para conduzir veículos motorizados é necessário ser alfabetizado, até para ler a sinalização e é preciso inteligência para interpretar e entender.

Somemos a isto o fato de que nas vias escolhidas a faixa da direita ser majoritariamente utilizada por ônibus das diversas linhas que ali trabalham, permeados por inúmeras paradas, razão pela qual a faixa da direita é evitada pelos motoristas de carros e motos. Tal fato tornava por si só a escolha da faixa da direita uma prioridade, pois seria mais fácil usar a bicicleta no cotidiano num espaço compartilhado apenas com motoristas profissionais, ligados juridicamente ao município, pois desempenham trabalho ligado ao transporte público. Além disto, a faixa da direita, já é a faixa mais larga da via, facilitando seu uso compartilhado mesmo nas situações de embarque e desembarque de passageiros, ou mesmo em eventuais ultrapassagens (tanto de ciclistas, como de ônibus). Uma faixa de lazer situada no lado direito da via, embora não fosse uma ciclofaixa (ao contrário do que o nome sugeria), teria assumido este papel na prática.

Quanto ao tema em si, a necessidade do ciclista circular pelo lado direito não decorre da literalidade de nenhum artigo isolado do Código de Trânsito, mas de uma interpretação sistemática e teleológica da lei. Embora alguns ciclistas insistam na ideia de que a bicicleta é mais rápida que os automotores, considerados nos horários de pico (como o caso específico dos Desafios Intermodais), isto não representa uma qualidade da bicicleta em si, apenas da situação do trânsito excessivo, e a lei de trânsito não determina condutas relativizadas em certos horários, portanto é preciso considerar na totalidade as questões.

A bicicleta é veículo mais lento que os automotores, considerado para tanto a capacidade de ultrapassagem e desenvolvimento médio de velocidade, isto decorre da dimensão humana do próprio ciclista frente a tecnologia automotiva. De um modo geral, permanecer do lado direito, não é apenas uma decorrência da tecnologia automotiva por si só, vejamos pois o absurdo que seria, conduzir um carro em velocidade reduzida (por problemas mecânicos ou qualquer outra razão) na faixa da esquerda ou central. Descabido, não? Pois então porquê seria diferente com a bicicleta? Não se pode presumir que todo ciclista desenvolva velocidade igual ou mesmo superior aos carros, isto simplesmente não é verossímil. Permanecer à direita é possibilitar que os veículos automotores ultrapassem o ciclista sem que haja uma situação de conflito, pois as ultrapassagens segundo as normas do Código de Trânsito devem ser realizadas pela esquerda.

Aqui fica até constrangedor contra-argumentar porque o autor da resposta referiu-se apenas à condição de lentidão, esquecendo que o dispositivo legal usa a conjunção aditiva ‘E’, pois a regra fala em veículos ‘lentos e de maior porte’.

Nem vamos dispensar o tempo do leitor explicando o que é conjunção aditiva e/ou conjunção alternativa, mas há que se reconhecer que a bicicleta não seria a de maior porte. Outra questão que merece especial cautela é a diferença conceitual de ‘passagem’ e ‘ultrapassagem’. No trânsito urbano os veículos não ultrapassam e sim passam uns pelos outros, e para ilustrar imagine-se que um veículo que se encontra na pista direita de uma via, e à frente pretenderá convergir à direita, estando em velocidade maior que o veículo da pista central irá apenas passá-lo, e não literalmente contorná-lo pela esquerda, retornando à primeira pista. No trânsito rodoviário, onde de fato ocorrem ultrapassagens, geralmente há o acostamento.

Além disto, como devemos interpretar a norma que prevê obrigatoriedade de retrovisor para as bicicletas, porém somente do lado esquerdo? Tal prescrição parece deixar claro que ao ciclista somente é necessário estar atento a aproximações que venham deste lado, portanto presume-se que esteja circulando no lado direito da via, único no qual o equipamento de segurança terá alguma utilidade.

Apenas para lembrar, a Resolução 14 do CONTRAN fala que para os automóveis são obrigatórios espelhos retrovisores, ‘interno e externo’, no singular. Para reforçar que não é apenas questão gramatical, a Res. 254 que trata de aposição de películas e painéis publicitários nos vidros, em seu Art. 9º faz referência a veículos que possuam espelhos em ambos os lados, pressupondo que há veículos que possuam apenas de um lado. Ou seja, se de um lado é obrigatório do outro é facultativo, portanto o ciclista pode instalar em ambos os lados sem problema, e se não fosse assim os ciclistas não poderiam transitar nas vias que adotam a mão inglesa!!!

Resumindo, interpreta-se que o ciclista deve permanecer no lado direito sempre que não for fazer uma conversão à esquerda, e quando convergir a esquerda deve o ciclista evitar permanecer nesta faixa mais do que o necessário para a manobra. Adotar tal prática não é apenas questão de respeito às normas de trânsito, mas também de proteção à vida, pois expor-se de forma desnecessária a colisões com veículos em velocidade maior é um risco que simplesmente se deve evitar. O que falta na administração pública é uma abertura efetiva para o diálogo, no qual debates como este sejam levados em conta no processo decisório.

André Feiges – Estudante de Direito e membro da CicloIguaçu

TRÉPLICA POR MARCELO JOSÉ ARAÚJO – PRESIDENTE DA COMISSÃO DE TRÂNSITO, TRANSPORTE E MOBILIDADE DA OAB/PR, EX-SECRETÁRIO DE TRÂNSITO DE CURITIBA.

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