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Artigo – Iniciativas equívocas na gestão do trânsito


Por Artigo Publicado 29/04/2021 às 21h00 Atualizado 08/11/2022 às 21h30
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A implantação de faixas de travessia de pedestres em desacordo com os padrões estabelecidos pelo CTB dá origem a uma situação de insegurança viária. Leia o artigo de Luís Carlos Paulino e Kelber Fernandes.

* Luís Carlos Paulino

* João Kelber Gomes Fernandes

A busca pela convivência pacífica entre pedestres e condutores de veículos é o objetivo fim de toda a gestão do trânsito. Os meios utilizados para essa persecução perpassam pela educação, engenharia e esforço legal (fiscalização), conhecidos como os 3 E’s.

A unidade de órgãos e entidades que compõe a administração do trânsito nas vias brasileiras revela-se na instituição do Sistema Nacional de Trânsito. Ao qual vincula-se a fixação, por meio de normas e procedimentos, da padronização de critérios técnicos, financeiros e administrativos para a execução das atividades de trânsito.

Quando se fala em SINALIZAÇÃO no contexto do trânsito, o termo deve ser entendido, à luz do chamado glossário técnico, anexo I do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), como o “conjunto de sinais de trânsito e dispositivos de segurança colocados na via pública com o objetivo de garantir sua utilização adequada, possibilitando melhor fluidez no trânsito e maior segurança dos veículos e pedestres que nela circulam”.

Compulsando-se o Manual Brasileiro de Sinalização de Trânsito, vol. IV, aprovado pela Resolução nº 236/2007 do CONTRAN, e que trata especificamente sobre a SINALIZAÇÃO HORIZONTAL, constata-se que esta é classificada como um subsistema da sinalização viária.

Composto de marcas, símbolos e legendas apostos sobre o pavimento da pista de rolamento, o referido subsistema de sinalização apresenta um diferencial muito importante para a segurança dos usuários, que é a propriedade de transmitir mensagens aos condutores e pedestres sem lhes desviar o foco. Possibilitando sua percepção e entendimento, sem afastar a atenção do leito da via – o que é deveras importante, especialmente para os condutores de veículos! Tal não ocorre no tocante ao subsistema de sinalização vertical que, em regra, transmite suas mensagens por meio de placas fixadas ao lado da pista ou suspensas sobre ela.

A finalidade da sinalização horizontal é fornecer informações que permitam aos usuários das vias a adoção de comportamentos adequados. De modo a aumentar a segurança e a fluidez do trânsito, ordenando o fluxo de tráfego, canalizando e orientando os usuários da via.

Em face do seu forte potencial de comunicação, o sistema de sinalização há de ser facilmente reconhecido e compreendido por todos os usuários. Independentemente de suas origens ou da frequência com que utilizam a via. Equivale a dizer que os usuários ocasionais de uma determinada via (visitantes, não moradores da área etc.), precisam distinguir e decodificar a mensagem ou o comando contido na sinalização sem maiores dificuldades, assim como se espera que ocorra em relação aos usuários frequentes.

Desse modo, na concepção e na implantação da sinalização de trânsito é importantíssimo que se tenham como premissas fundamentais as condições de percepção dos usuários da via, garantindo-se a sua real eficácia. Para isso, é preciso assegurar à sinalização – e, em particular, à sinalização horizontal – a observância de princípios, dentre os quais merecem destaque os seguintes:

Clareza: transmitir mensagens objetivas de fácil compreensão.

Legalidade: obedecer ao Código de Trânsito Brasileiro e à legislação complementar (resoluções, portarias etc.). Não se pode olvidar que o próprio CTB é taxativo quando estabelece: “sempre que necessário, será colocada ao longo da via, sinalização prevista neste Código e em legislação complementar, destinada a condutores e pedestres, vedada a utilização de qualquer outra.” (art. 80 do CTB).

Padronização: seguir um padrão legalmente estabelecido.

Suficiência: permitir fácil percepção, com quantidade de sinalização compatível com a necessidade.

Uniformidade: situações iguais devem ser sinalizadas com os mesmos critérios.

Especificamente sobre a faixa de travessia de pedestres (FTP), vez por outra surgem inovações que suscitam debates e/ou causam estranheza nos estudiosos do binômio trânsito-mobilidade. E, também, nos cidadãos usuários que, em sua maioria, não são técnicos dessa área (o que é perfeitamente compreensível).

Daí ser bastante comum, também, questionamentos do tipo: pode isso!? Esse tipo de faixa é permitido?

Pois bem, numa perspectiva técnica, a faixa de travessia de pedestre é voltada a delimitar a área destinada à travessia de pessoas que se deslocam a pé, regulamentando a prioridade de passagem dessas em relação aos veículos, nos casos previstos pelo CTB. De acordo com o supracitado manual, temos duas opções de sinalização regulamentadas: a faixa de travessia de pedestres do tipo zebrada (FTP-1) e a faixa de travessia de pedestres do tipo paralela (FTP-2), conforme se ilustra na sequência:

 Faixa de travessia de pedestres do tipo zebrada (FTP-1)

Faixa de travessia de pedestres do tipo paralela (FTP-2)

Obs.: somente pode ser utilizada em interseções semaforizadas.

Para além dessas duas hipóteses, de se ressaltar a possibilidade de implantação da chamada faixa elevada para travessia de pedestres. Trata-se de um dispositivo implantado no trecho da pista onde, conforme a denominação deixa subentendido, o pavimento é elevado. Assim como ocorre em relação aos dois tipos de faixas de travessia de pedestres já expostos, a faixa elevada para travessia de pedestres deve ser implantada mediante a observância de critérios e sinalização definidos em norma regulamentar. Neste caso específico, na Resolução 738/2018 do CONTRAN. Ademais, haverá de respeitar os princípios de utilização estabelecidos no já mencionado Manual Brasileiro de Sinalização de Trânsito, vol. IV.

Para melhor compreensão, segue a ilustração da faixa elevada para travessia de pedestres. Numa visão vertical e acompanhada da devida sinalização, nos termos do anexo III da supracitada Res. 738:

Dada às características desse tipo de faixa, ela não poderá ser implantada em via ou trecho de via em que seja observada qualquer uma das seguintes condições (art. 5º da Res. 738/2018):

I – isoladamente, sem outras medidas conjuntas que garantam que os veículos se aproximem com uma velocidade segura da travessia.

II – com declividade longitudinal superior a 6%.

III – em via rural, exceto quando apresentar características de via urbana.

IV – em via arterial, exceto quando justificado por estudos de engenharia.

V – em via com faixa ou pista exclusiva para ônibus.

VI – em trecho de pista com mais de duas faixas de circulação, exceto em locais justificados por estudos de engenharia.

VII – em pista não pavimentada ou inexistência de calçadas.

VIII – em curva ou situação com interferências visuais que impossibilitem visibilidade do dispositivo à distância.

IX – em locais desprovidos de iluminação pública ou específica.

X – em obra de arte e nos 25 metros anteriores e posteriores a estas.

XI – defronte a guia rebaixada para entrada e saída de veículos.

XII – em esquinas a menos de 12m do alinhamento do bordo da via transversal, exceto quando justificado por estudo de engenharia.

A ausência de sinalização ou a insuficiência desta, bem como a implantação de sinalização incorreta (aqui inclusa a hipótese da sinalização fora do padrão) implica na impossibilidade de aplicação das sanções previstas no CTB as quais tenham por base inobservância à sinalização (inteligência do art. 90).

Assim, exemplificativamente, estacionar o veículo sobre faixa destinada a pedestre é infração administrativa capitulada no art. 181, inc. VIII. Trata-se de conduta classificada como grave e que sujeita o infrator à multa no valor de R$ 195,23. Caso a faixa se apresente fora dos padrões, seja no que diz respeito às dimensões, seja em relação às cores (uma faixa multicolorida, por exemplo), a eventual aplicação da referida penalidade não será correta.

Aos órgãos e entidades integrantes do SNT é direcionada a ordem de cumprir e fazer cumprir a legislação e as normas de trânsito. À Administração Pública cabe dar o exemplo, restando circunscrita aos exatos termos da lei, pois, na dicção do princípio da legalidade, para além do texto legal, nada se pode fazer.

No âmbito citadino, restam delineadas no art. 24 do CTB as atribuições do órgão executivo de trânsito da municipalidade. Entre as quais, elenca-se o planejamento, a projeção e a regulamentação do trânsito de pedestres. De forma conjunta e a viabilizar o exercício do trânsito seguro por esses sujeitos, é devida a implantação, manutenção e operação do sistema de sinalização.

É nesse sentido que o órgão ou entidade com circunscrição sobre a via recebe a incumbência legal, nos termos do art. 73, de manter, obrigatoriamente, as faixas e passagens de pedestres em boas condições de visibilidade, higiene, segurança e sinalização. O que não se conforma com a supressão de padrões estabelecidos na cessão de espaço para manifestações sociais.

Além disso, na ocorrência de prejuízos a terceiros, gera, dentre outras obrigações, o dever de indenizar. Uma vez que “os órgãos e entidades componentes do Sistema Nacional de Trânsito respondem, no âmbito das respectivas competências, objetivamente, por danos causados aos cidadãos em virtude de ação, omissão ou erro na execução e manutenção de programas, projetos e serviços que garantam o exercício do direito do trânsito seguro.” (art. 1º, § 3º, CTB). Não bastasse, o mesmo CTB desce às minúcias quando trata sobre sinalização, instituindo (em seu art. 90, § 1º) que o órgão ou entidade de trânsito com circunscrição sobre a via é responsável pela implantação da sinalização e, desse modo, responderá pela sua falta, insuficiência ou incorreta colocação.

Nessa linha, o seguinte julgado:

 

PROCESSO CIVIL E CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. ACIDENTE DE TRÂNSITO. RODOVIA. FALTA DE SINALIZAÇÃO. LOMBADA FORA DO PADRÃO ESTABELECIDO PELO CONTRAN. INSATISFAÇÃO QUANTO AO DANO MORAL. ELEVAÇÃO. APELO PARCIALMENTE PROVIDO. UNANIMIDADE.

1. Restou caracterizada a conduta comissiva da apelada, vez que além de não haver sinalização (placas de advertência) indicando a presença de lombadas na pista, a construção fora feita fora dos padrões estabelecidos pelo CONTRAN. Conforme atestado pelos peritos criminalistas que procederam ao exame do local onde ocorreu o acidente envolvendo o apelante. 2. Levando-se em consideração que o acidente não resultou em perigo de vida, debilidade permanente, incapacidade, tampouco perda ou inutilização de membro, e que a fixação do dano moral não deve constituir fonte de enriquecimento, mas tão-somente, uma forma de suavizar a dor e o sofrimento suportado, entendo, por essas razões, que deva ser majorado para R$ 10.000,00 (dez mil reais) o valor indenizatório. 3. Reformada a sentença somente em relação ao valor fixado a título de dano moral. 4. Apelo parcialmente provido à unanimidade.

(TJ-MA – AC: 251032007 MA, Relator: CLEONICE SILVA FREIRE, Data de Julgamento: 18/06/2008, JOAO LISBOA)

Considerando intervenções praticadas pela própria Administração, no sentido de alterar dispositivos tecnicamente regulamentados e que se revelam em afronta legal a atos normativos, vislumbra-se a possibilidade de enfrentamento pela via da ação popular. Elevada à categoria de remédio constitucional, tem sua regulação constante na Lei nº 4.717/65, disposta a combater atos lesivos ao patrimônio público.

A substituição de elementos da sinalização a partir do órgão com circunscrição sobre a via constitui um ato administrativo, o qual, na visão de Hely Lopes Meirelles, é toda manifestação unilateral da Administração Pública que, agindo nessa qualidade, tenha por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar, extinguir e declarar direitos, ou impor obrigações aos administrados ou a si própria.

 

Nesse diapasão, a constituição dos atos administrativos percorre os requisitos da competência, forma, finalidade, objeto e motivo, os quais restam passíveis de avaliação sob o crivo da Lei da Ação Popular. Por esta, são declarados nulos atos lesivos ao patrimônio que importem em ilegalidade do objeto, aqui considerado o resultado do ato que importa em violação de lei, regulamento ou outro ato normativo. Igual tratamento recai sobre o desvio de finalidade, verificado quando o agente pratica o ato visando a fim diverso daquele previsto, explícita ou implicitamente, na regra de competência. Qualquer cidadão é parte legítima para a impugnação dos atos lesivos.

Não se ignora que o CONTRAN poderá autorizar, em caráter experimental e por período prefixado, a utilização de sinalização não prevista no CTB ou na legislação complementar (inteligência do art. 80, § 2º, CTB). Inclusive, a Resolução nº 348/2010, do mesmo CONTRAN, estabelece o procedimento e os requisitos para apreciação dos equipamentos de trânsito e de sinalização não previstos no Código de Trânsito Brasileiro. A solicitação de nova sinalização deve seguir os critérios nela elencados.

Ocorre que, na maioria dos casos, as noticiadas “inovações” são feitas em flagrante desrespeito às normas legais atinentes ao assunto.

Interessante pontuar que, até mesmo a afixação de publicidade ou de quaisquer legendas ou símbolos ao longo das vias condiciona-se à prévia aprovação do órgão ou entidade com circunscrição sobre a via (art. 83 do CTB). Uma vez que, na perspectiva da segurança, há de se avaliar a viabilidade da peça publicitária ou da legenda, tendo por base sua potencialidade de influir na atenção dos usuários, provocando distrações ou prejudicando a visibilidade dos condutores e pedestres.

O chamamento da sociedade para causas nobres e/ou que careçam de debates pode se utilizar dos mais diversos meios de mídia, impressa, televisiva, virtuais etc. Diante de tantas possibilidades, não se mostra razoável intervir em um sistema padronizado de comunicação. Em que se utilizam critérios definidos em norma legal e ao qual vinculam-se sanções aplicáveis àqueles que o desrespeitarem. Os desdobramentos recaem no devido processo legal e, com maior ímpeto, no bem jurídico de mais valia tutelado pelo Estado – a vida.

A implantação de faixas de travessia de pedestres em desacordo com os padrões estabelecidos pelo CTB e pela legislação complementar dá origem a uma situação de insegurança viária. Seja pelo não reconhecimento das áreas específicas, seja pelo óbice à fiscalização para inibir e corrigir práticas que ampliam os riscos de sinistros de trânsito (tais como parar ou estacionar sobre as referidas faixas).

O próprio Ministério da Infraestrutura, órgão da Presidência responsável pela coordenação máxima do Sistema Nacional de Trânsito, em resposta a questionamento sobre a matéria, já ressaltava a importância de um padrão no uso dos sinais de trânsito, a fim de permitir que qualquer usuário da via, ainda que não resida no município, possa compreender rapidamente as condições ou situações de uso que motivam determinada sinalização. Cumpre destacar que, no mesmo tópico, há menção expressa à impossibilidade de implantação de faixa de pedestre com fundo colorido!

A liberdade de expressão possui âncora na norma constitucional, e como direito e garantia fundamental deve guardar consonância com o ordenamento jurídico. O exercício é livre, mas não absoluto, devendo ser ponderado, dada a possibilidade de colisão com outros direitos fundamentais.

Independentemente da causa, por mais nobre que ela seja (e aqui não se trata de aprovar ou reprovar qualquer causa!), a sinalização de trânsito, de suma importância para a segurança viária, não deve ser utilizada para manifestações artísticas, culturais ou ideológicas. De outro modo, reafirmando o Estado Democrático que nos circunscreve, haveria de se permitir que as mais variadas matizes pudessem fazê-lo. A se ter por razoável essa lógica, um dia as faixas de travessia de pedestres seriam multicoloridas; no outro, teriam as cores da pátria ou seriam pintadas no padrão das cores da bandeira do município onde se inserem. Quem sabe, surgiriam até mesmo nas cores do partido político a que se filia o prefeito…

De se considerar, ainda, a temeridade representada pelo fato de que as alterações promovidas nas faixas de pedestres envolvem aquele que, pela própria forma como se desloca, já se encontra numa condição de maior exposição e fragilidade. Suprimir as características distintivas da faixa de travessia de pedestres, aplicando-lhe cores ou formatos diversos daqueles regulamentados, equivale a fulminar uma das poucas áreas de trânsito onde o cidadão que se desloca a pé resta, de fato, contemplado como prioridade. Em termos práticos, implica em desprotegê-lo, ignorando a responsabilidade de todos para com a segurança desse usuário do trânsito.

Ponderemos, mais uma vez, sobre a não obrigatoriedade de subsunção a qualquer mandamento, por parte dos cidadãos, que não tenha lastro em norma legalmente positivada. A boa compreensão dos sinais advém, sem dúvida alguma, de um padrão estabelecido. Sendo, inclusive, elevado à categoria de norma internacional, a saber, a Convenção de Viena sobre trânsito viário. A obediência aos padrões internacionais tem, ainda, previsão no art. 326 do CTB.

Imperiosa a conclusão de que, operando-se uma inusitada alteração das cores ou do formato da faixa de pedestres, ao revés daquilo previsto no CTB e na legislação complementar. O local deixa de contemplar uma travessia oficial, assumindo a condição de mera pintura, que, embora situada na via pública, alberga objetivo diverso do pretendido pela norma de trânsito.

* Luís Carlos Paulino – Capitão da PMCE, Bacharel em Direito, Especialista em Gestão e Direito de Trânsito. transitoseguro@hotmail.com

* João Kelber Gomes Fernandes – Agente de trânsito da AMC/Fortaleza, Instrutor da Escola de Governo da Prefeitura de Fortaleza. Bacharel em Direito, Esp. em Direito de Trânsito. jkelbertransito@gmail.com

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