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A mobilidade urbana e o lockdown


Por José Nachreiner Junior Publicado 27/05/2020 às 03h00 Atualizado 08/11/2022 às 21h49
 Tempo de leitura estimado: 00:00
LockdownAvenida Paulista. Foto: Arquivo Pessoal.

O vento empurra uma folha de papel, folhagens do outono se abrigam nas sarjetas, vez por outra, a coleta do lixo e garis limpam ruas e avenidas conferindo o tom bucólico do isolamento social provocado pela pandemia. Por todo o globo se viu cidades completamente vazias de carros, de transportes coletivos, de gente.

Animais silvestres se arriscam a atravessar ruas e avenidas em algumas cidades do mundo que adotaram medidas extremas de isolamento social. Não se veem pedestres, carros, o ruído das grandes cidades parece se calar, a paisagem urbana não se move, silêncio. Cidadãos ao redor do mundo estão recolhidos em suas casas em quarentenas prolongadas para se proteger de um inimigo altamente contagioso, invisível, cujo melhor remédio encontrado até então é o isolamento social.

Muitas cidades brasileiras precisaram adotar o completo isolamento social: o “lockdown”, que é o bloqueio total de uma região. Um instrumento imposto pelo Estado ou pela Justiça para cumprir uma rígida medida contra a pandemia causada pelo COVID-19.

A população de 7 bilhões de habitantes do planeta de repente se viu acuada diante de um patógeno criado pela natureza, sem remédios eficazes, sem vacina.

A Organização Mundial da Saúde – OMS, ainda em janeiro, alertou o mundo para a situação extrema do poder de transmissão em nível mundial do COVID-19, que, rapidamente, se espalhou pelo planeta por conta do intenso deslocamento de seres humanos pelos países e continentes. Nenhum país escapou da contaminação. Todos foram obrigados a impor e alertar a população medidas de distanciamento social onde as pessoas precisam permanecer longe o bastante uma das outras, de forma consciente e frequente: a quarentena. Pois, interromper a disseminação do vírus letal pela distância é a regra, uma vez que é transmitido por gotículas da saliva, o que, obrigatoriamente, faz com que todas as pessoas que realmente precisam sair de casa, dirijam carros, usem veículos por aplicativos, entrem em estabelecimentos comerciais, como supermercados e farmácias, usem máscaras.

Cientificamente, já está comprovado que um simples espirro pode espalhar o vírus a uma distância de até 8 metros.  A mobilidade urbana em muitas cidades desapareceu, com avenidas e ruas das cidades vazias, com todas as escolas fechadas, shopping centers, comércio em geral, fábricas, escritórios e, principalmente nas cidades em que o nível de contaminação evoluiu rapidamente, foram obrigadas a adotar medidas extremas de isolamento social para conter a disseminação do vírus.

O Lockdown

Atribuição do Estado, imposta por lei, a medida de restrição total, o lockdown, é a forma extrema do isolamento social imposta por lei pelo governo. O isolamento social é uma recomendação do governo que pode ser adotada ou não de forma voluntária pelos cidadãos.  Na China, a cidade de Wuhan, local do paciente zero, foi a primeira a adotar o completo fechamento de todos os estabelecimentos comerciais e só os serviços básicos puderam funcionar como a coleta de lixo, saúde e segurança pública.

Algumas cidades brasileiras já partem para o recurso extremo do lockdown, medida que leva em conta dados estatísticos do número de leitos de UTI disponíveis, número de infectados e o iminente colapso do setor hospitalar diante do poder de contágio do COVID-19. Durante o lockdown, basicamente, ficam abertos farmácias, hospitais, supermercados e locais que prestam serviços essenciais. O trânsito na cidade é parcialmente ou totalmente suspenso.  Rodoviárias, estações de trem, metrô, aeroportos são fechados e só profissionais da saúde ficam autorizados a se deslocar.

Os estados do Maranhão, Pará e Bahia adotaram essa medida extrema, que também ocorreu em várias cidades como parte da zona oeste do Rio de Janeiro, Niterói e Fortaleza. São Paulo, Rio de Janeiro, Manaus, Recife e Vitória apresentam altos índices de contaminação e, neste momento, se apresentam como candidatas ao lockdown.

Jovens aproveitam ruas vazias para promover “rachas”
RachaFoto: Divulgação.

Com as estradas vazias, os jovens se sentem estimulados para promover, por meio das redes sociais, os “rachas” (disputas automobilísticas clandestinas), uma situação de alto risco. Essa prática já existia antes da pandemia e agora ganha contornos mais perigosos com ruas e avenidas vazias por conta do isolamento social adotado por, praticamente, todas as cidades brasileiras.

A Federação Nacional dos Policiais Rodoviários Federais lançou uma campanha para denunciar vídeos postados no YouTube e solicita a imediata retirada de materiais que estimulam outros jovens a participar desta ilicitude prevista no Art. 308 do CTB (participar, na direção de veículo automotor, em via pública, de corrida, disputa ou competição automobilística ou ainda exibição ou demonstração de perícia em manobra de veículo automotor, não autorizada pela autoridade competente, gerando situação de risco à incolumidade pública ou privada. Penas – detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou habilitação para dirigir veículo automotor).

Durante a pandemia esta prática se intensificou, segundo Rodolfo Rizzoto, do SOS Estradas, além de colocar em risco a vida deles e de terceiros, eles também estão colocando em risco o atendimento às vítimas, porque tem muitos médicos e enfermeiros trafegando, caminhoneiros que estão levando remédios e alimentação ao país inteiro e que precisam conviver com esses potenciais assassinos do trânsito.

Os impactos que a pandemia está provocando na mobilidade urbana
Dr. DavidProf. David Duarte Lima, membro do
Comitê de Ética da Faculdade de Medicina
da Universidade de Brasília. Foto: Arquivo Pessoal.

Nos últimos meses todos os grandes centros urbanos do planeta estão passando por uma grande transformação.  Ao repararmos na paisagem proporcionada pela mobilidade urbana, identificamos, prontamente, a diminuição de passageiros no transporte coletivo, como ônibus e metrô. Essas transformações poderão mudar nosso comportamento daqui para frente, como ressalta o professor David Duarte Lima, membro do Comitê de Ética da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília, que presidiu o Instituto Brasileiro de Segurança no Trânsito (1995-2017), em live realizada pelo Portal do Trânsito em 22/05.

“Como estou morando em Portugal, este foi um dos primeiros países da Europa a promover um severo isolamento social, o trânsito é um conjunto de viagens em um determinado espaço, deslocamentos que podem ser feitos de forma motorizada, de bicicleta ou a pé. Quando retornarmos, haverá uma mudança na forma de se locomover das pessoas. Elas vão andar mais a pé, os deslocamentos por meio de bicicletas e motos vão aumentar e o transporte por meio de carros e transporte coletivos diminuirão e sofrerão mudanças, como uma segmentação, de forma remota, alternância de horários, aumento do ensino por meio de educação a distância, além de uma severa redução na cadeia de produção de veículos, autopeças, pneus, entre outros”.

O fato é que a pandemia tem demonstrado o quanto o ser humano é frágil diante desta realidade. A prioridade hoje é salvar vidas.

Debates sobre a mobilidade urbana a partir da experiência da pandemia serão inevitáveis e tratados paralelamente à mudança de comportamento das sociedades e, como consequência, os hábitos dos gestores e usuários dos transportes públicos.

As escolhas da mobilidade recairão sobre o planejamento urbano, como medidas restritivas nos ônibus sem a lotação habitual a qual nos acostumamos a ver passageiros viajando em pé, a cobrança pelo uso do automóvel nas regiões centrais das cidades, a integração dos serviços de aplicativos com o transporte coletivo, modificando totalmente a gestão única de mobilidade urbana dos transportes coletivos. As sociedades estão experimentando o ar mais limpo por conta dos isolamentos sociais restritivos como o lockdown, a redução significativa das taxas de mortalidade por acidentes de trânsito, grande parte das empresas aderiu ao trabalho remoto mantendo seus colaboradores trabalhando de casa, entre outras mudanças de comportamento adotadas pela maioria das cidades no planeta.

Sem precedentes na história recente das epidemias, o COVID-19 vem reproduzindo repercussões biomédicas e epidemiológicas em escala global, mas também impactos sociais econômicos, políticos, culturais e históricos.

Temos muito que aprender com a pandemia

A pandemia provocou a necessidade das sociedades de planejarem ações para a contenção da mobilidade social como o isolamento social e o lockdown, quarentenas responsáveis por frear a velocidade de contaminação do vírus com a urgência de testagem de medicamentos, da intensa procura de remédios e vacinas que possam combater o COVID-19 com 100% de eficácia. Porém, os impactos nos sistemas financeiros por todos os países do globo se estenderam às populações com o desemprego em massa, a falência generalizada de empresas de toda ordem, a saúde mental das pessoas durante prolongados períodos de confinamento, e o acesso aos bens essenciais como alimentação, medicamentos, transporte.

Estudioso dos aspectos comportamentais da mobilidade urbana, o professor David Duarte Lima, lembra que 452 mil pessoas perderam a vida no trânsito na década de 2000 e que na última década este número saltou para 480 mil pessoas. A má formação de condutores, a imprudência, a ausência da educação de trânsito nas escolas do ensino fundamental e médio, a má qualidade das estradas brasileiras, o uso de álcool e drogas, dentre outros, são responsáveis pelo fracasso na preservação de vidas.

Fora de períodos prolongados de isolamento, como este, é normal haver uma grande quantidade de acidentes, que por sua vez sustenta grande parte das UTIs de hospitais, uma verdadeira epidemia, responsável por matar muito mais que o COVID-19, afirma o professor David Duarte Lima.

O Brasil, bem como todas as nações do planeta, tem a oportunidade de modificar comportamentos na mobilidade urbana, aprender com o que deu errado e se planejar, a partir do inevitável exemplo do isolamento social provocado por uma pandemia.

 

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