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A falta de produções científicas para a direção veicular


Por Márcia Pontes Publicado 06/12/2013 às 02h00 Atualizado 02/11/2022 às 20h40
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Falta de produções científicas

Se considerarmos há quanto tempo ensinamos pessoas a dirigir no Brasil, a quantidade de instrutores de trânsito (chega a quase 90 mil em todo o país) e a formação capenga de novos motoristas que começou a ser alvo de estudos sérios muito recentemente, chega a ser vergonhosa a falta de produções científicas na área.

Falo de produções científicas de verdade, daquelas que fartam em qualquer outra área de conhecimento. Daquelas produções científicas fundamentadas em pesquisas, em diferentes autores, daquelas que encontramos com facilidade em base de dados de pesquisas como Scielo, Lilacs e outras para qualquer outra área.

Definitivamente, não temos, e essa foi uma das maiores dificuldades que enfrentei quando iniciei intercâmbio com autoescolas italianas e suíças para conhecer melhor o método de ensino e de aprendizagem significativa nesses países.

Além da plataforma cultural diferenciada e do rigor na aplicação da legislação, o que mais me chamou à atenção é que em países em que se preza a segurança viária acima de tudo, todo o processo de formação é focado em bases epistemológicas do ensino e da aprendizagem da direção veicular.

Nesses países tudo concorre para isso. Mais importante do que a experiência dos instrutores é a formação permanente e os cursos são oferecidos e cobrados. Há um protocolo a ser seguido e por lá se um motorista recém-habilitado pergunta para que lado vai a traseira do carro quando ele vira o volante a autoescola pode ser até fechada sem chances de reabrir.

À época, revirei as bases de dados pelo avesso em busca de literatura científica e de credibilidade sobre a evolução dos métodos de ensino da direção veicular no Brasil para fundamentar o livro de minha autoria Aprendendo a Dirigir. E nada!

Também busquei por descritores que me levassem a algum resultado de pesquisas feitas no Brasil com instrutores, candidatos em processo de formação e recém-habilitados, mas, novamente sem sucesso.

Fico pensando porque até hoje nenhum profissional se dignou a fazer estudos sérios e a escrever com propriedade científica sobre o assunto já que temos muita gente boa na área.

Em Várzea Grande tive a oportunidade de conhecer um dos instrutores mais antigos de Mato Grosso que comecei a chamar de Mestre André. Premiado nacional e internacionalmente, convidado pelo governo suíço a conhecer o processo de formação estrangeiro, também foi um dos vencedores do Prêmio Volvo de Segurança no Trânsito ao lançar seu olhar de pesquisador e apontar uma solução simples, mas científica e inovadora para um cruzamento onde diariamente dezenas de pessoas se machucavam no trânsito.

Foi essa falta de literatura que me fez iniciar os estudos científicos na área, mas ainda tendo como principal barreira a falta de estudos e de produção científica na área do ensino e da aprendizagem da direção veicular. Falta de revisão de literatura, falta de fundamentação teórica, falta de pesquisas e de sustentação científica.

Parece que tudo que diz respeito ao ensino e à direção veicular no Brasil não interessa. Ainda caminhamos por tentativas e erros ou fazendo questão de mencionar os tantos anos de experiência e de prática como justificativa para dispensar a base epistemológica que credencia e dá respeito e credibilidade à qualquer outra área de conhecimento.

Chegamos ao absurdo das defesas simplórias de que “teoria não enche barriga e é como tentar matar a fome lendo o cardápio”.

Um cirurgião faz cirurgias, abre pessoas e animais para curá-los, mas foram, necessários muitos anos de teoria, de estudos, de pesquisas, de manuais, de guias e vade mecuns ilustrados para orientar essa prática. Sem um bom e respeitável manual de anatomia um cirurgião não consegue salvar vidas.

Invista sério em sua formação, inicie uma pesquisa em qualquer área e apresente um trabalho sem revisão de literatura que você vai empacar e não vai sair do lugar. Então, porquê o ensino e a aprendizagem da direção veicular tem que continuar se sustentando em tentativas e erros ou na prática rotineira e sem inovação científica?

Ter um de meus livros adotado por duas universidades brasileiras como ponto de partida para se repensar a necessidade de produção científica e estudo sério na área, mais do que uma honra, pode significar um passo importante para se acabar com o amadorismo e a falta de interesse de se formar pesquisadores para a direção veicular. Pelo menos, é o primeiro passo para incentivar um olhar científico para o modo como ensinamos e aprendemos a dirigir. Para formar novos pesquisadores.

Ensinar a dirigir requer compreender os conceitos fundamentais e basilares de uma série de outras áreas de conhecimento. Requer conhecer o mais profundamente possível como se processa a aprendizagem, as principais teorias e os diferentes fatores que implicam. Requer conhecer a influência da escolha dos métodos de didática, os componentes socioculturais, ambientais, emocionais e afetivos envolvidos. Requer muito mais do que os conhecimentos superficiais das 180 horas de curso de formação de instrutor.

Devemos a todo o momento buscar a unidade entre a teoria e a prática para que uma dê suporte à outra. Precisamos pesquisar mais, querer saber mais. Precisamos gerar conhecimentos que nos motivem a sermos pesquisadores.

Nos últimos anos vem crescendo no Brasil a oferta de cursos de graduação na área de segurança no trânsito, sobretudo em nível de tecnologia. Estamos evoluindo e precisamos evoluir ainda mais, sobretudo para a formação de quem ensina a dirigir num país em que o trânsito mata mais do que as guerras.

Isso não é sentenciar quem ensina a dirigir. É um alerta para a desvalorização de uma área e de profissionais tão importantes que padecem de desvalorização, de credibilidade científica e de pesquisas quanto ao modo como ensinamos e aprendemos a dirigir.

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