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Idosos são descartáveis no trânsito?


Por Márcia Pontes Publicado 17/11/2015 às 02h00 Atualizado 02/11/2022 às 20h30
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Idosos no trânsitoEles são atropelados, xingados, feridos e abandonados no asfalto. Tratados como descartáveis pela sociedade, incômodo para muitas famílias que os lançam em depositários de idosos, alguns com nome bonito e em bairro privilegiado em que a solidão é a mesma. Considerados estorvos por muitos que utilizam o transporte público lotado. E no trânsito sofrem ainda mais com o despreparo e a falta de atenção de uma sociedade que não respeita e não está preparada para a mobilidade reduzida dos idosos.

O atropelamento de um senhor de 74 anos por um motorista de ônibus que não esperou ele embarcar, colocou o veículo em movimento, atropelou e fugiu faz um triste alerta: os idosos são tratados como descartáveis também no trânsito por uma parcela da sociedade. Quem sabe por um momento esse motorista praticasse a empatia e se colocasse no lugar da sua vítima. Ou, quem sabe, visse nela a figura do seu pai, do ou mesmo da esposa ou do próprio filho.  Qual seria a sua reação?

Confesso que lembrei de meu velho pai ao ver o resultado da violência provocada nesse idoso: clavícula e algumas costelas fraturadas e uma lesão na face que poderia ter agravado ainda mais a sua saúde.

O fato é que diariamente milhares de idosos pelo país são desrespeitados, agredidos e desrespeitados em sua dignidade e limites físicos por motoristas de todos os tipos. Desde o motorista de ônibus que não pára no ponto, passa direto, arranca antes de o passageiro subir ou descer, freia bruscamente ou se irrita com o peso da idade de seus passageiros que deveriam ser preferenciais.

Não é de hoje que o idoso é desrespeitado no trânsito, o que nos faz pensar que em 2050 eles chegarão a 2 bilhões de pessoas no mundo, o que corresponde a 20% da população total do globo e muitos deles ainda estarão dirigindo ou se locomovendo de alguma forma nas vias públicas.

Quem diz que o idoso no trânsito atrapalha ignora duas coisas bem importantes: que os idosos tem características específicas em função da idade e da mobilidade reduzida, e que um dia (se tiver a sorte de continuar vivendo) também será idoso e clamará pelo mesmo respeito e dignidade dos idosos de hoje.

O fato é que o idoso no trânsito como pedestre tende a ser mais lento: os passos não são tão rápidos, a audição é prejudicada, o campo visual, a percepção de profundidade, distância e velocidade também diminui. Quem sabe seja esse o motivo pelo qual muitos idosos sejam atropelados em cima da faixa de pedestres ou na travessia de corredores de ônibus.

Há outras complicações naturais que vem junto com a idade e que implicam na segurança do idoso no trânsito como pedestre ou motorista. A catarata causa diminuição global da visão e leva gradualmente à cegueira; o glaucoma afeta a visão lateral. Hipertensão e diabetes também causam perda no campo visual do idoso e podem fazer com que ele não enxergue um carro que se aproxime e tenha mais dificuldades para evitar o acidente.

A retinose pigmentaria dificulta a acomodação entre o claro e o escuro e causa uma sensação de cegueira temporária, sobretudo, no lusco fusco, aquele período de final de tarde, quando começa a escurecer. Como a percepção visual é fundamental ao motorista, quando comprometida aumenta em até 3 vezes o risco de acidentes.

Muitos idosos tem perda das funções cognitivas que evoluem para a demência, lapsos frequentes de memória e dores causadas por artroses e artrites que podem deixar os movimentos e reflexos mais lentos, causando insegurança e dificuldades ainda maiores de locomoção.

É certo que o idoso não é o único que toma remédios controlados, não é o único que sofre com o diabetes, mas, devido às complicações trazidas pela idade eles estão mais propensos a sofrerem acidentes.

Em relação aos remédios prescritos com frequência na velhice, muitos deles causam sonolência, confusão mental, tonturas, lapsos de memória, torpor e outras sensações e efeitos colaterais que comprometem a mobilidade segura.

Meu maior medo é que as pessoas dessa sociedade apressada e cada dia mais distante da segurança e da humanidade não saibam respeitar e proteger a vida dos seus idosos.

O idoso não é inválido, não é cidadão de segunda categoria. Faz parte de uma população que vem crescendo nos últimos anos e está cada vez mais desprotegida e incompreendida no trânsito.

Aquele que tiver a benção de continuar vivo e de escapar de ser vítima fatal em acidente de trânsito também será um idoso daqui há alguns anos. E embora isso pareça óbvio, por uma questão de respeito aos mais velhos e de exercício da cidadania, as pessoas precisam compreender os motivos da mobilidade reduzida do idoso no trânsito, mas, acima de tudo, precisam se sensibilizar e respeitá-los na dignidade que eles têm e merecem.

Ao se deparar com um idoso no trânsito pense em tudo o que leu neste artigo. Não buzine, não xingue, não apresse, não deboche. Se tiver a sorte de estar vivo, será o motorista e o pedestre idoso de amanhã. E isso vale para o motorista que foi capaz de fugir alegando medo de ser linchado. Disso ele não escapa: não pelas mãos de pessoas indignadas com o que ele fez, mas daqui há alguns anos, se ele tiver a sorte de ser idoso. Afinal, também correrá o sério risco de ser tratado como descartável, ser agredido, ferido e abandonado por alguém no trânsito e ser deixado para trás. Isso também é uma forma de linchamento social.

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