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Laboratório subjetivo


Por Rodrigo Vargas de Souza Publicado 10/08/2017 às 03h00 Atualizado 02/11/2022 às 20h18
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Foto: Arquivo TecnodataFoto: Arquivo Tecnodata

Seria interessante, antes de mais nada, pensar sobre a etimologia da palavra “laboratório”. Do latim laboratorium ou “lugar de trabalho”, derivada de laborare ou “trabalhar”. No entanto, laboratório tem ainda uma conotação que vai além da origem da palavra. Ela expressa uma ideia de experiência.

Foi assim que eu decidi definir meu antigo local de trabalho. Um laboratório onde pude experienciar as mais diversas sensações, sem sequer precisar sair pra rua. Que me possibilitou conhecer diferentes formas de se relacionar com um veículo. Um mundo a parte, que, de certa forma, parece girar em torno do automóvel. Seja no estacionamento, seja em conversas de vestiário ou de corredor algumas falas e comportamentos serviram como poderosos analisadores para essas observações.

Para tanto, creio ser possível citar algumas situações que me afetaram de alguma forma. Não pretendo me ater a nenhuma especificamente, mas exemplificar brevemente. Como as disputas por vagas cobertas, acompanhadas por comentários rechaçosos de que os carros mais velhos não precisam de vaga coberta por já estarem à mercê do estrago que o tempo lhes causou. Ou a memorável vez em que dois colegas quase se agrediram fisicamente pelo simples fato de um deles ter escrito com o dedo na poeira sobre a lataria do carro do outro: “lave-me”. Com a justificativa de que isso teria arranhado a pintura do carro, o dono desse foi tirar satisfações com o colega. O resultado foi que, se não fosse pela intervenção dos demais colegas, muito provavelmente os dois estariam desempregados hoje, sem condições para pagar os respectivos carros nem muito menos lavá-los.

Como é de praxe em uma sociedade que vive de aparências, há aqueles que trocam de automóveis quase todos os anos e que, no entanto, moram de aluguel, pois nem mesmo casas próprias possuem. Bem como aqueles que trocam de carro a cada dois ou três meses, mas nunca pagam por esses, se valendo de meios jurídicos para contestar os juros “abusivos” aos quais foram submetidos no financiamento. E ainda aquele que gasta o que tem e o que não tem para adquirir seu carro novo, posteriormente tendo que se submeter a economias extremas, tais como, exatamente, ir trabalhar de ônibus.

Há aqueles que dividem o carro com a esposa ou algum outro membro qualquer da família. Quando solicitavam carona, como era de costume dos colegas que trabalhavam no turno da noite (no qual trabalhei durante alguns anos), são obrigados a conviverem com piadinhas machistas.  Essas relacionam o uso do carro ao “poder” do homem da casa, como se o seu uso por outro membro da família que não o seu proprietário representasse a perda desse poder.

Por fim, havia aqueles que, como eu, que na época era dono de um veículo com mais de 10 anos de uso, sentiam-se menosprezados frente a um meio que prima pelo novo em detrimento do antigo. Que constantemente ouvem questionamentos pejorativos do tipo “por que não dá isso aí de entrada e compra um novo?” (referindo-se ao carro usado). Por terem que andar de ônibus, não por economia, mas porque o carro está no mecânico. Que procuram esconder eventuais “amassões” ou riscos na pintura, não por medo de falácias do tipo “barbeiro”, mas por sentir tais danos como que se fossem na própria pele, como cicatrizes ou feridas. Que mesmo adorando o “ronco” do motor de seus carros, ambiguamente adoraria rodar silenciosamente pelas ruas da cidade, de posse de um 0 km.

O jaleco dos cientistas que trabalham nesse laboratório nem sempre é branco, mas, certamente, é sempre revestido de metal.

 

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