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Os altos índices de reprovação nas autoescolas


Por Márcia Pontes Publicado 22/03/2013 às 03h00 Atualizado 02/11/2022 às 20h47
 Tempo de leitura estimado: 00:00

Os altos índices de reprovação nas autoescolas: um olhar sobre a relação entre instrutor e aprendiz

Se tem uma coisa que tem assustado muito são as notícias dos altos índices de reprovação nos exames de direção em todo o Brasil. Em algumas autoescolas de Belo Horizonte esse percentual chega a 84%. É muito. É demais da conta, como dizem meus amigos mineiros. E não é só por lá não: é em todo o Brasil. Embora o foco deste artigo esteja na relação entre instrutores e alunos, há que se repensar seriamente toda a estrutura de ensino, de aprendizagem e de avaliação do processo de habilitação.

Primeira pergunta que deve nos inquietar: por que os alunos não estão conseguindo aprender? Será que os CFCs estão conseguindo cumprir com a sua missão de formar condutores? Como é o plano pedagógico das autoescolas? É revisto? Atualizado? Como os Detrans estão fiscalizando as autoescolas? O câncer das fraudes e das negociatas escusas ainda existe para a venda de carteiras de habilitação ou obtenção de facilidades para passar no exame? Qual o papel do instrutor diante das dificuldades de aprendizagem?

O fato é que do ponto de vista da ciência pedagógica quando o aluno não aprende a “culpa” não é só dele e pode indicar que o modo como o aluno aprende ou não aprende está relacionado ao modo como o professor/instrutor ensina. Este, por sua vez, está relacionado ao modo como a autoescola organiza as suas diretrizes pedagógicas, como investe no treinamento dos instrutores e os avalia.

Há 4 anos fazendo um trabalho de Educação para o Trânsito online (EPTon) com o Grupo Aprendendo a Dirigir e com o Blog Aprendendo a Dirigir, não são poucas as postagens, os emails, as mensagens de motoristas aprendizes que reclamam da relação com seus instrutores: desabafos de que alguns são carrancudos, falam pouco e explicam menos ainda. Está lá na página do Grupo Aprendendo a Dirigir no facebook para quem quiser ver: reclamações de alunos quanto ao mau humor dos instrutores nas aulas, o deboche, a piada com as dificuldades dos alunos, o ensino mecânico focado na memorização de técnicas, alunos que discutem, brigam, batem boca com os instrutores; instrutor que passa a aula toda falando ao celular e que inclusive cochila nas aulas. Diante disso tudo não é de estranhar que os índices de reprovação disparem.

Mas o mais grave de tudo é que um pilar fundamental de todo processo de ensino e de aprendizagem está sendo minado, atacado, enfraquecido: a relação professor x aluno. Não são poucos os casos de alunos que mudam de instrutor justamente por causa de problemas de relacionamento. No orkut ainda existem algumas comunidades que reúnem instrutores de trânsito fazendo piada, debochando de aprendizes de direção, contando em tom de menosprezo as perguntas mais “bobinhas” dos alunos, ou reclamando que explicam mais de 500 vezes e os alunos não entendem. Nada ético esse tipo de corporativismo entre instrutores, ainda mais em rede social. Imaginem um aluno acessando as redes sociais e dando de cara com o instrutor debochando, fazendo piada, sendo pejorativo e ridicularizando a pessoa que ele mesmo ensina. Inaceitável!

Penso que a autoavaliação já deveria começar pelos instrutores com o seguinte questionamento: “como estou ensinando meus alunos?”. Quem sabe voltar nas apostilas, nas pesquisas sobre os conteúdos que aprendeu no curso de formação de instrutor para relembrar os princípios do ensino e da aprendizagem, da ética, da formação permanente, do respeito, da afetividade na relação professor e aluno. Infelizmente, muitos instrutores continuam ensinando a dirigir de forma mecânica, tradicional, baseado em memorizações, ensinando a contar voltinhas em volante em vez de ensinar os pontos de referência da baliza, de outros estacionamentos e sem tornar a aprendizagem significativa para o aluno.

Não se trata de exigir formação de pedagogo ou graduação em Pedagogia para ensinar a dirigir, mas já que se trata de atividade similar à de educador, que envolve ensino e aprendizagem, o mínimo que se pode esperar é que o instrutor de direção conheça como se dá a aprendizagem, a importância dos estímulos adequados, do incentivo que vai despertar a motivação no aluno. É fundamental que no exercício da profissão de instrutor reconheça a importância da afetividade na relação professor x aluno, do planejamento das aulas, da pesquisa, da atualização constante, da auto-avaliação como marca de todo professor.

Uma coisa é certa, caro instrutor: se seu aluno não consegue aprender alguma coisa está errada com o seu modo de ensinar. Esse discurso de que não tem segredo, que é tudo questão de treino, de prática é bem característico do extinto ensino tecnocrata e remete à época dos dinossauros da educação. O aluno necessita de uma aprendizagem significativa, de explicações claras, de exemplos que facilitem a aprendizagem e possibilite a construção de conceitos. O instrutor de trânsito não lida só com as dificuldades técnicas, ele lida com emoções como o medo de dirigir, lida com a ansiedade, com a insegurança, lida com pessoas e pessoas são únicas, são diferentes. Cada um aprende de um jeito diferente, num tempo e num ritmo diferente, uns mais rápido, outros menos, mas todos aprendem.

Não basta frequentar os cursos de reciclagem: a especialização é permanente, a busca pela melhoria do modo como você ensina tem que ter intencionalidade, tem que ser subjetiva, (in)constante. Há que se ouvir mais o aluno, há que se autoavaliar, pesquisar, procurar melhorar, trocar ideias com outros profissionais, conhecer as novidades em ensino e aprendizagem. É fato que não se pode culpar só o instrutor de direção pelos altos índices de reprovação nos exames de direção, mas ao mesmo tempo não se pode eximi-lo dessa responsabilidade.

Você conhece o plano pedagógico da sua autoescola? Conhece os objetivos? As metas? As estratégias? Você sabe como se dá a aprendizagem e a importância do modo como o professor ensina para os resultados de seus alunos? Ensinar a dirigir é muito mais do que fazer o carro andar. Ainda mais no contexto de formação de condutores para um trânsito cada dia mais problemático que desafia a sustentabilidade.

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1 comentário

  • Beatriz Pereira
    24/03/2023 às 16:58

    Achei muito importante essa pesquisa pois eu como uma aluna neste processo de aprendizagem fiquei um pouco frustrada em relação ao aprendizado.

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