“A escola não é o problema, é parte da solução”, alerta especialista sobre proposta que torna autoescola opcional


Por Mariana Czerwonka
autoescola opcional
Em um país que já convive com números alarmantes de mortes e sequelas no trânsito, qualquer mudança no processo de habilitação deve priorizar a formação de qualidade. Foto: Divulgação Detran/RJ

A proposta do governo federal de extinguir a obrigatoriedade do curso em autoescolas para obtenção da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) continua gerando forte reação entre especialistas e profissionais da área de trânsito. Em vídeo publicado nas redes sociais, a educadora Anna Maria Prediger, referência em educação para o trânsito no Brasil, criticou duramente a ideia. Ela a classificou como um retrocesso perigoso com alto custo social e humano.

Segundo ela, num país onde mais de 30 mil pessoas morrem por ano no trânsito, pensar em facilitar a obtenção da CNH sem garantir formação adequada é ignorar a gravidade da crise de segurança viária que o Brasil enfrenta.

“O número mais assustador não é o de mortos, é o de quem sobrevive com sequelas. Para cada vida perdida, pelo menos cinco pessoas ficam inválidas. São mais de 50 mil brasileiros por ano”, alertou Anna Maria.

Ela lembra que boa parte dessas vítimas são jovens, que mal iniciaram a vida adulta e já precisam se aposentar por invalidez após um sinistro de trânsito. “E agora o governo quer facilitar a habilitação, tornando a escola opcional?”, questiona.

A falsa economia que pode sair muito mais cara

A proposta em discussão sugere que os candidatos à primeira habilitação possam escolher não frequentar o curso teórico e prático em Centros de Formação de Condutores (CFCs). Assim, substituindo o aprendizado formal por meios alternativos, como aulas com parentes ou vídeos da internet. A justificativa principal seria reduzir os custos do processo para a população. Atualmente esse valor está em torno de R$ 3 mil por CNH, segundo estimativas do próprio governo.

Para a especialista, essa conta não fecha.

“O Brasil gasta mais de R$ 50 bilhões por ano com sinistros de trânsito. A proposta é economizar R$ 3 mil por CNH, mas a conta do caos no trânsito vai ser muito mais cara”, argumentou.

Formação responsável x improviso

Anna Maria também rebate a ideia de que a autoescola seria um entrave ou um obstáculo burocrático ao acesso à habilitação. Ao contrário: ela defende que as escolas de formação de condutores são parte essencial da solução. Isso porque oferecem conteúdo técnico, pedagógico e comportamental estruturado — algo que dificilmente pode ser reproduzido em ambientes informais.

“Acha que aprender com o tio ou no YouTube vai formar condutores melhores e mais conscientes?”, questionou, em tom crítico.

Ela reconhece que o processo de habilitação brasileiro precisa de melhorias, como revisão de taxas e maior transparência nos custos. No entanto, enfatiza que é preciso fazer isso com responsabilidade e foco na preservação da vida.

“Quer economizar? Reduzir taxas, isentar impostos, apoiar quem forma com responsabilidade. O processo precisa sim ser melhorado, mas não eliminado”, defende.

Quem pagará a conta do aumento da violência no trânsito?

A fala da especialista vai ao encontro de posicionamentos já manifestados por entidades como a Associação Nacional dos Detrans (AND), a Associação Brasileira das Autoescolas (ABRAUTO) e especialistas como Celso Mariano e Ygor Valença. Todos vêm alertando para os riscos de uma formação sem critérios, sem controle e sem base pedagógica.

“Quando o trânsito virar ainda mais um campo de guerra, quem é que vai pagar essa conta?”, conclui Anna Maria.

O recado é claro: em um país que já convive com números alarmantes de mortes e sequelas no trânsito, qualquer mudança no processo de habilitação deve priorizar a formação de qualidade. Além disso, o preparo técnico e a consciência cidadã dos futuros condutores. Tornar a autoescola opcional pode parecer uma solução de curto prazo. No entanto, tende a agravar um problema que já custa caro — em vidas, saúde pública e recursos.

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