
A proposta do Governo Federal de permitir que o cidadão obtenha a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) sem passar por autoescola provocou forte reação em todo o país. Profissionais da área, especialistas em segurança viária e entidades ligadas ao trânsito alertam: abrir mão da formação estruturada é colocar vidas em risco.
Confira a seguir 10 pontos que explicam por que os Centros de Formação de Condutores (CFCs) são essenciais — não apenas para quem vai dirigir, mas para toda a sociedade.
1. Do improviso à estrutura: os CFCs hoje são verdadeiras escolas
Com a regulamentação trazida pelo Código de Trânsito Brasileiro, os CFCs passaram a ser instituições estruturadas, com salas de aula equipadas, frota de veículos adaptada para diferentes perfis de candidatos (inclusive PcDs), e espaços adequados para as aulas práticas. Hoje, mais de 14 mil autoescolas espalhadas pelo Brasil garantem capilaridade e acesso à formação legal. Essa evolução tirou a aprendizagem da informalidade, profissionalizando um processo que antes dependia apenas de familiares ou conhecidos ensinando “no braço”.
2. Profissionais qualificados garantem aprendizado seguro
A formação de um condutor envolve diversos profissionais, todos com qualificação obrigatória e certificada pelos órgãos de trânsito. Não se trata de amadorismo: há legislação, fiscalização e padronização. Os instrutores, por exemplo, não ensinam apenas a “dirigir”, mas também a prevenir situações de risco, interpretar o comportamento dos demais usuários da via e tomar decisões seguras em cenários reais.
3. Educação para o trânsito só acontece — de fato — nos CFCs
O Código de Trânsito determina que a educação para o trânsito deve começar na escola, mas essa política pública falhou em ser implementada. Como resultado, para a maioria dos brasileiros, o curso teórico no CFC é a primeira — e muitas vezes única — oportunidade de aprender sobre convivência no trânsito, direitos e deveres, ética e responsabilidade. Ignorar esse papel é negligenciar o que deveria ser um compromisso permanente do Estado com a educação.
4. O trânsito brasileiro é violento, caro e cruel
O Brasil amarga o 3º lugar no ranking de países com mais mortes no trânsito nas Américas, segundo a Organização Mundial da Saúde. São quase 100 mortes por dia, além de centenas de internações, amputações e traumas psicológicos. Em 2024, o SUS gastou R$ 449 milhões apenas com internações por sinistros de trânsito. A proposta de liberar a CNH sem formação estruturada vai na contramão de qualquer política séria de redução de mortes e lesões no trânsito.
5. Comparações com outros países são enganosas
Alguns defensores da desobrigação citam os Estados Unidos, onde é possível aprender a dirigir com instrutores particulares. No entanto, ignoram o contexto: lá existe uma cultura de respeito à lei, punições ágeis, fiscalização eficiente e infraestrutura adequada. Já no Brasil, há morosidade judicial, fragilidade nos controles e infraestrutura viária muitas vezes precária. Além disso, os países com os melhores índices de segurança no trânsito — como Suécia, Japão e Alemanha — exigem formação rigorosa e obrigatória para novos condutores.
6. O custo da CNH não está (apenas) nas autoescolas
Segundo a ABRAUTO, cerca de 45% do custo da habilitação corresponde a taxas cobradas pelos Detrans, exames médicos e psicológicos e outros encargos públicos. A hora-aula prática no CFC custa em média R$ 70 — menos do que uma corrida de aplicativo em muitas cidades. O argumento de que a autoescola encarece a CNH não se sustenta diante da estrutura que ela oferece. Além disso, sem escala, instruções particulares tendem a ser mais caras e com menor controle de qualidade.
7. Ensino a distância precisa ser discutido com responsabilidade
A possível substituição da formação presencial por ensino remoto em plataformas digitais levanta preocupações quanto à qualidade, universalidade e fiscalização. A centralização em uma única empresa — como vem sendo especulado — abre margem para monopólio, concentração de receita e precarização do ensino.
Para Carolina Marino, do Instituto Nacional Mulheres pelo Trânsito, “trânsito não é comércio. A vida não tem preço.”
8. Dirigir exige mais do que habilidade técnica
A condução de veículos exige maturidade emocional, empatia, raciocínio sob pressão e respeito às diferenças no trânsito. Nos CFCs, o aluno é exposto a conteúdos que vão além da direção em si: legislação, ética, primeiros socorros, meio ambiente, convivência urbana. A prática não se resume a “fazer baliza” — ela simula situações reais, prepara para emergências e estimula reflexões que impactam diretamente a segurança viária.
9. Transferir a formação ao cidadão é eximir o Estado de sua responsabilidade
Permitir que as pessoas aprendam a dirigir por conta própria, em condomínios ou com “instrutores livres”, além de perigoso, é uma forma de o Estado lavar as mãos quanto à formação dos condutores. Isso fragiliza a fiscalização, abre brechas para fraudes, coloca terceiros em risco e amplia a desigualdade de acesso à educação de trânsito de qualidade.
Como bem pontuou Celso Mariano, diretor do Portal do Trânsito, “a formação de condutores precisa de estrutura, método e responsabilidade técnica, pedagógica e legal.”
10. Modernizar não é desregulamentar
As entidades reconhecem a necessidade de modernização e inclusão. Defendem a CNH Social, o uso responsável de tecnologias e a simplificação de processos. Mas alertam: acessibilidade não pode significar precarização. A formação de condutores é uma política pública e deve continuar sendo tratada como tal.
“A solução mais sensata é aprimorar o sistema atual, não abandoná-lo. A formação de condutores não é entrave, é ferramenta. E ferramenta que salva vidas.”