“Risco real à formação de condutores”: análise técnica aponta falhas na minuta da 1020/25

Especialista Sergio Ejzenberg critica a minuta da Resolução 1020/25 e alerta para riscos à segurança viária com a flexibilização da formação de condutores.


Por Mariana Czerwonka
análise formação de condutores
O especialista reconhece a intenção de facilitar o acesso de pessoas vulneráveis à habilitação. No entanto, critica o caminho escolhido. Foto: DetranRS

A minuta da Resolução 1020/2025 do Contran, que revisa todo o processo de aprendizagem, formação, exames e emissão da CNH vem gerando forte reação entre especialistas do setor mesmo antes de sua publicação. Um deles é o engenheiro e consultor Sergio Ejzenberg, referência nacional em trânsito e mobilidade, que avalia o texto como “desastroso para a segurança viária”.

Embora reconheça alguns avanços, como a previsão de criação do Manual Brasileiro de Exames de Direção Veicular e a integração do SENAT à formação de condutores, Ejzenberg afirma que o conjunto das propostas coloca em risco décadas de avanços obtidos na redução da acidentalidade no país.

“Ter a carteira não garante segurança. A segurança depende de boa formação”, resume o especialista.

O que o especialista aponta como retrocessos da minuta

Para Ejzenberg, os principais problemas da proposta estão ligados à flexibilização excessiva da formação, à redução do controle do Estado e à criação de um processo que reforça a percepção de que “tirar habilitação é simples”.

1. Eliminação da carga horária mínima teórica

A retirada da exigência das atuais 45 horas/aula do curso teórico é vista como um dos pontos mais graves. Conforme o especialista, a carga horária consolidada ao longo das últimas décadas permite a maturação do conhecimento, a construção de valores de cidadania e a assimilação dos riscos do trânsito.

Com a mudança, afirma, o processo de habilitação pode se arrastar por anos, desvinculando o aprendizado teórico da prática, o que produz condutores despreparados.

2. Expansão do ensino a distância sem suporte adequado

Apesar de reconhecer que o EaD facilita o acesso, Ejzenberg destaca que, sem mentoria e sem suporte pedagógico, candidatos de populações vulneráveis terão aprendizado raso, limitado a conteúdos básicos – e não ao entendimento profundo do impacto de suas ações no trânsito.

3. Exame teórico facilitado

A prova proposta na minuta contém 30 questões, com possibilidade de erro em até 10, todas retiradas de um Banco Nacional de Questões público.

Para o especialista, isso reforça um processo superficial:

“Talvez transmita algum conhecimento, mas pouca consciência sobre o ato de conduzir e seu impacto sobre a vida das pessoas.”

Riscos graves nas aulas práticas com instrutores independentes

Um dos pontos mais contundentes da análise de Ejzenberg diz respeito à possibilidade de aulas práticas com instrutores independentes, usando veículos sem duplo comando.

De acordo com ele, a medida aumenta drasticamente o risco de acidentes durante o processo de aprendizagem.

O especialista ilustra com exemplos:

“Desastre!”, enfatiza.

Além da questão da segurança imediata, o especialista questiona quem será responsabilizado civil e criminalmente por eventuais sinistros nesse contexto.

Ele lembra ainda que, hoje, as aulas realizadas em CFCs são registradas por filmagens e validadas por biometria, o que garante transparência, padronização e contribui para evitar assédio.

Dados que preocupam: acidentes em exames já são altos hoje

Para reforçar os riscos da desregulamentação, Ejzenberg cita dados do DETRAN-RS: entre janeiro e setembro de 2025, foram registrados 712 acidentes durante exames práticos, além de 10.956 episódios de perda de controle do veículo.

Se isso ocorre mesmo com veículos adaptados, duplo comando e fiscalização, o especialista questiona:

“O que acontecerá quando milhares de aprendizes estiverem treinando sozinhos nas ruas?”

“Economia” que incentiva treinar nas ruas

A proposta também reduz o mínimo obrigatório de aulas práticas para veículos e motos a apenas duas horas.

Para Ejzenberg, isso estimulará aprendizes a treinar sozinhos, aprendendo “na marra”, elevando drasticamente a sinistralidade.

Ele usa como comparação o curso de operador de empilhadeira do SEST SENAT, que exige para uma atividade com risco muito menor ao público:

Reprovações ilimitadas sem custo: desestímulo ao aprendizado

A minuta propõe que o candidato pague a taxa de exame prático apenas uma vez, podendo refazer a prova indefinidamente, sem custos adicionais.

Ejzenberg alerta que isso incentiva candidatos a “tentar até passar”, sem investir em formação adequada, e ainda congestiona bancas examinadoras, prejudicando o sistema público.

Há alternativas melhores? Ejzenberg diz que sim

O especialista reconhece a intenção de facilitar o acesso de pessoas vulneráveis à habilitação.
No entanto, critica o caminho escolhido.

Ele lembra que a Lei 15.153/2025 permite que se use recursos de multas para custear a CNH de baixa renda, o que consideraria uma alternativa eficaz, barata e rápida para ampliar acesso sem sacrificar qualidade.

E conclui citando o artigo 1º do CTB: “O trânsito em condições seguras é um direito do cidadão e um dever do Estado.”

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