Artigo: Fortaleza na ponta


Por Artigo

J. Pedro explica como uma cidade pode melhorar seu trânsito com ações de baixo custo, de alto impacto e ainda com apoio político para enfrentar o desafio. 

J. Pedro Correa*

Foto: Freeimages.com

Recebi esta semana do ITF – International Transport Forum, da OCDE, o relatório “Monitoramento do progresso em segurança viária urbana”, com uma análise dos avanços obtidos por 48 cidades de diversos países. Lançado em 2016, o programa Safer City Streets tem servido para comparações entre cidades que mostram similaridades e diferenças nos diversos continentes.

Há 30 anos acompanho – frustrado – publicações deste tipo para tentar medir onde está o nosso Brasil e nossas cidades no contexto mundial porque não somos membros destas entidades internacionais e, assim, não podemos nos comparar aos demais participantes.

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Desta vez, mudou. Graças à Fortaleza, no Ceará, estamos entrando no jogo e, pelo jeito, para ficar.

Há dois fatos auspiciosos a comemorar com esta publicação: o primeiro é ter (e ser) referência internacional para saber onde estamos; o segundo é constatar o progresso na área de segurança no trânsito de Fortaleza desde 2014 a ponto de ter colocado o país no mapa mundial do trânsito. Há anos ouvia falar de esforços planejados na capital do Ceará não apenas para melhorar a segurança no trânsito mas para se tornar um exemplo nacional. Em 7 anos, conseguiu.

O que aconteceu em Fortaleza?

Em 2014 a cidade elege um médico, Roberto Claudio Bezerra, como prefeito da cidade e ele elege o trânsito, um problema de saúde pública, como uma de suas prioridades; o mundo buscava formas de desenvolver a 1ª Década de Ações de Trânsito e Fortaleza procurava um lugar ao sol e acaba encontrando através de algumas ações que descrevo a seguir.

Fortaleza transformou sua mobilidade nos últimos anos com ações de baixo custo e de alto impacto, com apoio político para enfrentar o desafio.

A ajuda de boas parcerias foi decisiva, principalmente da Bloomberg Philanthropies que desde 2015 oferece suporte à gestão municipal, especialmente relacionadas à segurança no trânsito.

A Bloomberg já patrocinava o programa Segurança no Trânsito em 10 países que, no Brasil adotou o nome de Vida no Trânsito e foi desenvolvido em Belo Horizonte, Campo Grande, Curitiba, Palmas e Teresina. Mais tarde, o Ministério da Saúde ampliou o programa para todas as demais capitais brasileiras e outras cidades. Necessário observar que, durante esta década, outras instituições como a WRI, a GRSP, deram (e continuam dando) contribuições Importantes a inúmeras cidades brasileiras.

O que se sabia é que o modelo de mobilidade em prática até o século passado estava se tornando insustentável e os países desenvolvidos, atentos, deixaram, então, de priorizar o transporte individual motorizado e elegeram o conceito de cidades compactas e conectadas, priorizando a mobilidade sustentável e a multimodalidade. Este foi o caminho adotado por Fortaleza e que se mostrou bem sucedido.

A capital cearense inicia um processo de priorização do transporte coletivo em relação ao transporte individual assim como dos modos de transportes não motorizados promovendo maior igualdade no espaço viário.

Uma decisão muito inteligente foi não “brigar” com o carro, mas incentivar o incremento dos outros modais. Aí surge a mobilidade elétrica com a criação do primeiro sistema público de carros elétricos compartilhados do Brasil.

Em janeiro próximo, o prefeito Roberto Claudio entrega Fortaleza ao sucessor um trânsito bastante melhorado em relação ao que pegou em 2014 e deixa o caminho pavimentado para um futuro promissor.

A meta da ONU/OMS de reduzir 50% de fatalidades foi atingida.

O transporte de massa teve um impulso considerável; o sistema cicloviário teve um crescimento exponencial; o transporte por bikes quintuplicou e os pedestres sofrem menos com o trânsito.

O ponto de inflexão de todas estas mudanças em Fortaleza está no interesse e na prioridade dada pelo prefeito da cidade ao assumir o cargo. Quando o principal mandatário mostra real interesse pelo tema e incentiva sua equipe a desenvolvê-lo com a intensidade necessária, não há dúvida de que as coisas acontecem.

Quanto custou este programa para Fortaleza?

Meus contatos por lá não foram capazes de me dar um número, mas deixam claro que é muito menor do que se pode imaginar. Grande parte dos benefícios acaba não custando nada porque são cobertos pelas parcerias. Investimentos em obras públicas que “aparecem” aos olhos do público, em grande parte, já constavam do orçamento das secretarias. Os custos com seminários e eventos com especialistas internacionais acabam se tornando pequenos, comparados aos benefícios trazidos. A capacitação de gestores é um dos pilares mais importante para a criação de um novo modelo.

Para mim, o que chama a atenção é que Fortaleza conseguiu esta proeza em razão das boas parcerias realizadas, mas principalmente graças… aos fortalezenses!

Foram os joões, josés e marias do Ceará que puseram de pé este sistema e que isto sirva de exemplo às demais cidades brasileiras. Não há necessidade de investimentos milionários para se melhorar o sistema de segurança no trânsito das nossas cidades. A ajuda internacional, claro, contou muito no caso de Fortaleza, mas não significa que vá custar muito a todo mundo. Uma boa comunicação teve papel fundamental para que a sociedade percebesse, aceitasse e apoiasse fortemente o programa.

A Bloomberg está encerrando seu ciclo de envolvimento com a experiência com Fortaleza e deve, agora, contribuir com outras cidades brasileiras. O bom disto é que o país paulatinamente vai melhorando a gestão da segurança no trânsito e isto é vital para mudar o panorama nacional. Melhorar a capacitação gerencial dos programas de segurança no trânsito é absolutamente indispensável para contarmos, no futuro, com um trânsito humano e decente.

A oportunidade dada pela 2ª Década Mundial que começa em janeiro e vai até 2030 é rara e deve ser aproveitada. Cabe a cada gestor saber aproveitá-la ainda melhor!

Comentários, críticas: jpedro@jpccommunication.com.br

*J. Pedro Correa é Consultor em Programas de Trânsito

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