
Foi publicada hoje a Medida Provisória nº 1.327/2025 que acrescentou mais um capítulo à sucessão de mudanças repentinas que vêm sendo impostas ao Código de Trânsito Brasileiro (CTB) neste ano. A nova MP altera normas relacionadas à habilitação, aos exames exigidos e à emissão da CNH, compondo o pacote “CNH do Brasil” anunciado pelo governo federal.
O discurso oficial destaca simplificação e redução de custos. Mas, entre especialistas, cresce a preocupação com a coerência técnica, a previsibilidade das regras e os impactos na segurança viária. Para o Portal do Trânsito, a discussão vai muito além de tornar processos mais rápidos: trata-se da solidez de um sistema que forma, habilita e controla a aptidão de milhões de condutores.
O especialista Celso Mariano, diretor do Portal do Trânsito e da Tecnodata Educacional, reforça esse alerta.
“O trânsito não é um campo para experimentações improvisadas. Cada mudança precisa ter lastro técnico, debate e estabilidade, porque vidas reais dependem disso”, argumenta.
Renovação automática: avanço tecnológico ou atalho que pode gerar riscos?
A medida mais divulgada pelo governo é a renovação automática da CNH para motoristas inscritos no Registro Nacional Positivo de Condutores (RNPC). Quem não tiver infrações poderá renovar o documento sem realizar exames e sem comparecer ao Detran.
À primeira vista, parece uma facilidade positiva. Mas, vista sob o prisma da segurança, a exclusão da avaliação médica periódica acende um sinal amarelo.
Como lembra Celso Mariano:
“Ser um bom condutor é ótimo, claro. Mas isso não substitui um exame clínico. A ausência de infrações não garante que a pessoa mantém condições plenas de dirigir. São dimensões diferentes que não podem ser confundidas.”
A própria MP reconhece as limitações da proposta ao impor exceções. Não poderão usar o benefício:
- idosos acima de 70 anos;
- motoristas com 50 anos ou mais após a primeira renovação automática;
- condutores cuja validade tenha sido reduzida por condição médica.
Mesmo assim, trata-se de uma mudança estrutural. A ideia de dispensar exames, que historicamente funcionam como barreira mínima de segurança, exige discussão séria — que não ocorreu.
Preço público nacional para exames
A MP também determina que os exames médico e psicológico terão preço público nacional, a ser definido pela Senatran. A proposta parece simplificar, mas pode gerar descompasso entre regiões de realidades econômicas totalmente distintas.
Profissionais que atuam em áreas remotas podem não conseguir manter estruturas com valores unificados. Isso tende a reduzir a oferta, aumentar deslocamentos e, paradoxalmente, dificultar o acesso ao próprio exame que o governo afirma querer tornar mais simples.
Celso Mariano aponta para outro problema, ainda mais profundo.
“Uniformizar preço não uniformiza qualidade. Sem critérios de controle claros, sem fiscalização estruturada e sem participação das instâncias técnicas, criamos uma aparência de padronização, quando na prática estamos fragilizando o processo.”
A MP revoga dispositivos do CTB que estabeleciam critérios objetivos e mecanismos de fiscalização dos profissionais de saúde. Ou seja: ao mesmo tempo em que centraliza valores, reduz parâmetros técnicos — combinação que preocupa.
CNH física ou digital: finalmente uma decisão coerente
Entre tantas mudanças polêmicas, uma é amplamente vista como positiva: a possibilidade de o motorista escolher entre CNH física ou digital, sem precisar manter ambas.
A CNH digital é gratuita, e a obrigatoriedade dupla nunca fez sentido para especialistas e para o próprio cidadão. Aqui, a MP corrige um problema sem gerar outro em seu lugar.
Avaliação psicológica mantida
A MP preserva a exigência de avaliação psicológica para:
- candidatos à primeira habilitação;
- condutores que exercem atividade remunerada ao veículo (EAR).
Diante das várias propostas que circulavam, algumas sugerindo enfraquecimento dessa etapa, a manutenção é importante. Contudo, o texto mexe em tantos outros pontos correlatos — como periodicidade, regras de renovação e credenciamento — que ainda será preciso acompanhar a regulamentação e seus efeitos.
Insegurança normativa: o maior problema do momento
O ponto mais crítico não está isolado no conteúdo da MP, mas na forma como o governo tem conduzido a política de trânsito. Celso Mariano tem reiterado essa preocupação.
“Não é possível formar, fiscalizar e educar com um ambiente instável. O trânsito exige continuidade, planejamento e previsibilidade. Mudanças constantes geram desinformação, confusão e prejuízo para todos os segmentos.”
É preciso, portanto, analisar a MP 1.327/25 com cuidado. Alguns pontos modernizam o sistema; outros fragilizam processos essenciais. Mas o maior risco é a instabilidade permanente, que impede profissionais, Detrans e condutores de compreenderem plenamente como o sistema deve funcionar.