CNH do Brasil: o que muda para quem vai tirar a primeira habilitação em 2026?

O programa CNH do Brasil transforma profundamente o processo de habilitação no país. Entenda, com base técnica e análise crítica, como muda a formação teórica e prática


Por Mariana Czerwonka
CNH do Brasil
Especialistas já apontam que a amplitude da flexibilização pode gerar efeitos ainda desconhecidos — e possivelmente indesejados — na segurança viária. Foto: Divulgação Serpro

O programa CNH do Brasil, através da Resolução CONTRAN nº 1.020/25 inaugura uma reestruturação sem precedentes na formação de condutores no Brasil. O novo modelo, que revoga integralmente a Resolução 789/20, é apresentado como mais acessível, moderno e “desburocratizado”. Na prática, porém, especialistas já apontam que a amplitude da flexibilização pode gerar efeitos ainda desconhecidos — e possivelmente indesejados — na segurança viária.

O especialista Celso Mariano, diretor do Portal do Trânsito e da Tecnodata Educacional, resume o cenário com preocupação.

“O trânsito brasileiro precisava ser modernizado, mas não podemos confundir simplificação com fragilização. A formação do condutor é um investimento em segurança pública, não um detalhe burocrático.”

A seguir, um comparativo detalhado e crítico do que muda entre as resoluções.

1. Filosofia geral: do modelo rígido à flexibilização máxima

A transição do modelo formativo é profunda. Antes, o processo seguia uma trajetória clara, com etapas mais padronizadas e cargas horárias fixas. Agora, prioriza-se a demonstração final de competência nos exames, enquanto o percurso formativo perde rigidez.

Antes (Res. 789/20):

Agora:

2. Curso teórico: fim da carga horária mínima e alta fragmentação dos provedores

O curso teórico passa por sua maior revolução desde a criação do Sistema Nacional de Trânsito.

Carga horária

O candidato poderá concluir o curso em poucas horas, a depender do provedor. Embora a medida reduza custos e barreiras, especialistas veem risco de superficialidade.

“O conteúdo teórico é a base da percepção de risco. Quando reduzimos essa etapa ao mínimo, jogamos sobre o exame teórico toda a responsabilidade de garantir o aprendizado — e isso é insuficiente.”

Provedores

A Res. 1.020/25 abre o mercado, permitindo:

A multiplicidade de provedores democratiza o acesso, mas pode gerar uma assimetria formativa difícil de regular.

3. Aulas práticas: redução drástica e uso de veículos sem duplo comando

A prática de direção é o ponto mais sensível da nova norma.

Carga horária

A mudança pode reduzir significativamente os custos, mas não há evidências de que esse nível mínimo seja suficiente para preparar condutores iniciantes. “Dois ou três quilômetros dirigindo não formam um condutor. A experiência prática é insubstituível, e reduzir sua obrigatoriedade não elimina sua necessidade.”

Instrutores

O novo modelo formaliza o instrutor autônomo. A aula prática pode ser oferecida por:

A diversidade pode ampliar o acesso, mas sem mecanismos uniformes de supervisão, a qualidade tende a variar.

Veículos

A norma permite o uso do carro do instrutor ou do próprio candidato, sem qualquer exigência de duplo comando.

A crítica de especialistas recai especialmente sobre esse ponto.

“O duplo comando é um dispositivo de segurança, não um luxo da autoescola. Retirá-lo não reduz só custos — reduz margem de segurança para o próprio aluno”, aponta Celso Mariano.

4. Exames: modernização e critérios objetivos

Exame teórico

Exame prático

Sai o modelo de faltas subjetivas e entra a pontuação por infrações do CTB. O candidato só reprova se ultrapassar 10 pontos.

A mudança é considerada, em parte, positiva por trazer objetividade. Mas ainda assim preocupa. “O CTB não foi escrito para ser uma régua pedagógica. Transformar a direção de prova em uma interpretação do Código exige maturidade operacional que os órgãos talvez não tenham imediatamente”, avalia Celso Mariano.

5. Impactos esperados e incertezas do novo modelo

As mudanças podem tornar o processo mais simples, ágil e barato. Mas o nível de flexibilização adotado — especialmente nas aulas práticas — levanta dúvidas relevantes.

“Desburocratizar é ótimo. O problema é quando a desburocratização vira desproteção. A formação de condutores não é um serviço qualquer: é uma política de segurança pública.”

Enquanto o país se adapta ao novo modelo, o desafio será equilibrar modernização e responsabilidade, garantindo que o cidadão não tenha apenas uma CNH mais fácil — mas sim uma formação que realmente o prepare para o trânsito brasileiro, um dos mais violentos do mundo.

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