Exame prático da CNH pode mudar: entenda o novo sistema de pontuação proposto pelo Governo Federal

Nova minuta do Governo Federal propõe mudanças no exame prático da CNH, incluindo novo sistema de pontuação e possibilidade de teste remoto.


Por Mariana Czerwonka
exame prático CNH
O exame prático também muda de formato. Hoje, ele funciona por acúmulo de faltas, que variam entre leves, médias, graves e eliminatórias. Foto: Divulgação Detran/BA

O processo para tirar a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) no Brasil pode passar por uma das maiores reformulações das últimas décadas. A minuta de resolução apresentada pelo Ministério dos Transportes e pela Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran) propôs mudanças profundas na etapa prática — tanto no modo de avaliar os candidatos quanto na exigência (ou não) das aulas de direção.

Entre as novidades, está a criação de um novo sistema de pontuação no exame prático, que promete substituir o atual modelo de faltas eliminatórias e penalizações fixas. Mas a proposta também inclui um ponto polêmico: as aulas práticas deixam de ser obrigatórias, e o candidato poderá agendar o exame diretamente, sem comprovar carga horária mínima.

A reformulação, conforme o governo, busca reduzir custos, simplificar o processo e oferecer maior autonomia ao cidadão. Para especialistas em segurança viária, no entanto, a medida exige cautela — especialmente em um país onde a maioria dos motoristas só tem contato com o volante nas aulas de autoescola.

Entenda a situação

Hoje, a formação prática de condutores é regida pela Resolução nº 789/2020 do Contran, que define uma carga horária mínima de 20 horas/aula para quem busca a primeira habilitação nas categorias A (moto) e B (carro), todas obrigatoriamente realizadas em Centro de Formação de Condutores (CFC), com veículo de aprendizagem e instrutor credenciado.

A minuta em discussão, no entanto, propõe uma mudança significativa: as aulas passam a ser opcionais. O candidato poderá treinar por conta própria, com um instrutor credenciado particular, utilizando o próprio veículo — e, se desejar, poderá agendar o exame prático diretamente, sem passar pelo CFC.

A Licença de Aprendizagem de Direção Veicular (LADV) continuará existindo, mas só será necessária para quem optar por praticar em via pública antes do exame.

De acordo com a Senatran, a proposta tem como objetivo “aumentar a liberdade do cidadão, reduzindo custos e desburocratizando o processo de habilitação”.

O novo sistema de pontuação

O exame prático também muda de formato. Hoje, ele funciona por acúmulo de faltas, que variam entre leves, médias, graves e eliminatórias. O candidato é reprovado se somar três pontos negativos ou cometer uma falta eliminatória, como desrespeitar a sinalização ou subir na calçada.

Com a minuta, o sistema passa a operar por pontuação positiva. O candidato começa com 100 pontos, e cada erro desconta parte dessa pontuação de acordo com sua gravidade:

A reprovação ocorre se a pontuação final for inferior a 70 pontos, ou se o candidato cometer falhas críticas, como colisão, avanço de sinal vermelho ou condução perigosa.

Outra inovação é a possibilidade de nova tentativa no mesmo dia: se houver disponibilidade de examinadores e veículos, o candidato reprovado poderá refazer o teste imediatamente, sem precisar remarcar.

Como é hoje e como pode ficar

AspectoComo é hoje (Res. 789/20)Como pode ficar (Minuta)
Aulas práticasObrigatórias: mínimo de 20 horas para categorias A e B; 15 horas para adição de categoria.Opcionais: candidato pode ir direto ao exame, com ou sem aulas em CFC.
Treinamento com instrutorSomente em CFC, com veículo de aprendizagem.Pode ser feito com instrutor credenciado particular, usando veículo próprio.
Exame práticoBaseado em faltas negativas; 3 pontos ou falta eliminatória resultam em reprovação.Candidato inicia com 100 pontos; faltas reduzem pontuação proporcionalmente.
Repetição de provaPrecisa remarcar e pagar nova taxa.Pode haver nova tentativa no mesmo dia, se houver disponibilidade.
Validade do processo12 meses.Sem prazo determinado.
Papel do CFCCentral na formação e acompanhamento do aluno.Passa a ser opcional em parte do processo, com a possibilidade de outros entes ofertarem o conteúdo teórico.

Especialistas alertam para os riscos e desafios

De acordo com Celso Mariano, especialista em trânsito e diretor do Portal do Trânsito, a modernização das provas é bem-vinda, mas a retirada da obrigatoriedade das aulas práticas levanta sérias preocupações.

“O sistema de pontuação pode tornar o processo mais transparente e objetivo, mas o problema está antes disso: como garantir que o candidato tenha realmente aprendido a dirigir, se ele pode simplesmente ir ao exame sem nunca ter treinado formalmente?”, questiona.

Segundo Mariano, a mudança pode até gerar um aumento inicial nas tentativas de exame — com mais reprovações —, mas o impacto mais grave seria pedagógico e social:

“Hoje, muitos candidatos só têm contato real com o trânsito nas aulas de CFC. Tirar essa exigência é descolar a formação da prática da segurança. Dirigir é uma habilidade técnica e comportamental, não se aprende sozinho.”

O especialista também destaca que, embora a intenção do governo seja reduzir custos, a ausência de controle sobre o treinamento pode gerar o efeito inverso. “Se o candidato reprovar várias vezes por falta de preparo, ele vai gastar mais com taxas e deslocamentos. A simplificação precisa vir com responsabilidade, não com improviso.”

Status da proposta e próximos passos

O processo de consulta pública da minuta se encerrou no dia 02 de novembro. Entidades representativas de autoescolas, instrutores e especialistas em segurança viária se manifestaram contra a retirada da obrigatoriedade das aulas práticas. Argumentam que a proposta enfraquece a formação técnica e pode comprometer o desempenho dos candidatos nas provas e, principalmente, a segurança nas vias.

Celso Mariano reforça que o debate precisa ser feito com base em evidências:

“É preciso discutir dados, reprovações, causas de acidentes e eficiência pedagógica. Modernizar é necessário, mas nunca à custa da segurança. O sistema de pontuação é uma boa ideia, mas sem uma base sólida de formação, será apenas uma mudança de cálculo — não de cultura.”

Sair da versão mobile