O que muda na formação de condutores agora: veja como era e como ficou

Com mudanças estruturais e sem período de transição, a Resolução 1.020/25 transforma todo o processo de formação de condutores no Brasil.


Por Mariana Czerwonka
formação de condutores CNH
Cargas horárias caem, surge o instrutor autônomo e o curso teórico ganha novos formatos. Foto: Foto: Félix Carneiro/Detran-TO

A publicação da Resolução Contran nº 1.020/2025, nesta quarta-feira (10), desencadeou uma verdadeira reviravolta no sistema de formação de condutores. Pela primeira vez, o Brasil abandona um modelo fortemente estruturado em cargas horárias rígidas, oferta exclusiva por CFCs e controle estatal direto sobre cada passo do candidato, e migra para um sistema híbrido, com múltiplos provedores, grande flexibilização e redução significativa de exigências mínimas.

A 1.020 revoga integralmente a Resolução 789/20 — aquela que, desde 2020, servia como espinha dorsal da formação. E não se trata de simples atualização, mas de uma mudança doutrinária sobre como o Estado entende seu papel no preparo de novos condutores.

Para o especialista Celso Mariano, do Portal do Trânsito e da Tecnodata, a ruptura é inegável.

“Está claro que o governo optou por um modelo de liberalização. Muitas exigências foram atenuadas e outras deixaram de existir. Mas, no trânsito, menos não é necessariamente mais. A formação precisa ser acessível, sim, mas não pode abrir mão do sentido público de educar para a segurança.”

O que realmente muda: uma radiografia minuciosa da nova estrutura

A seguir, detalhamos ponto a ponto as transformações.

1. Curso teórico deixa de ter carga horária mínima

Antes

45 horas-aula obrigatórias, com presença biométrica, aplicadas exclusivamente por CFCs.

Agora

A carga horária passa a ser livre, desde que todos os conteúdos obrigatórios sejam contemplados. O curso pode ser:

2. Redução drástica das aulas práticas: de 20 horas para 2 horas

Talvez o ponto mais sensível.

Antes

Agora

Na prática, o candidato pode fazer apenas duas horas de aula e ir ao exame — sem ter experimentado situações complexas como rótulas, aclives, baliza urbana real, tráfego denso, chuva ou condução defensiva contextualizada.

“Aqui está o ponto de maior preocupação técnica”, alerta Celso Mariano.

“A prática não é sobre aprender comandos básicos. É sobre desenvolver percepção de risco, antecipação de conflitos, leitura do ambiente. Isso não se constrói em duas horas.”

3. Mudança de filosofia: da rigidez para a autorregulação do candidato

O relatório comparativo mostra claramente a virada conceitual:

Essa mudança tem benefícios — maior acesso, menor custo, ampliação da concorrência — mas também riscos.

Mariano sintetiza. “Flexibilizar não é errado. O problema é flexibilizar sem garantir que o candidato saiba avaliar o próprio preparo. A ilusão de economia pode transformar-se em risco.”

4. Instrutor autônomo

Pela primeira vez na história, instrutores podem atuar fora dos CFCs, de forma independente.

Isso altera:

A resolução não exige que o instrutor autônomo tenha estrutura pedagógica, plano de ensino, supervisão técnica ou veículos adaptados.

5. Veículos sem duplo comando nos exames

Outro ponto disruptivo: o candidato pode usar seu próprio carro ou moto no exame prático, mesmo sem duplo comando.

Eesse item aparece como uma ruptura com décadas de padronização de segurança na aprendizagem da formação de condutores. Mariano destaca a gravidade.

“O duplo comando não existe por capricho. É um mecanismo de proteção. Retirá-lo significa transferir ao instrutor — e ao candidato — riscos que antes eram mitigados pela tecnologia.”

6. Segunda tentativa gratuita e exame no mesmo dia

A resolução prevê duas inovações:

Como os Detrans vão aplicar: as primeiras reações

Detran/RS: cautela e alerta sobre falta de transição

O órgão ressalta a importância da inclusão social e democratização do acesso, mas reforça: é preciso tempo técnico.

Detran/PR: aplicação imediata, mas com regras provisórias próprias

O PR foi mais específico:

E o papel das autoescolas? O que a resolução muda e o que não deveria mudar

O relatório comparativo evidencia um ponto silencioso, mas crucial: a resolução retira centralidade dos CFCs no processo, mas não elimina sua relevância.

Pelo contrário — em um cenário de autonomia ampla do candidato, o papel educativo das autoescolas na formação de novos condutores torna-se ainda mais determinante para quem busca não apenas aprovação, mas segurança real.

As autoescolas continuam sendo o único ambiente preparado pedagogicamente para ensinar trânsito de forma profissional. Elas não apenas instruem: educam. E educação no trânsito não é opcional — é um bem público”, reforça Mariano.

Para o especialista, a sociedade corre o risco de interpretar a flexibilização da formação de condutores como sinal de que aprender a dirigir ficou “simples”. “Dirigir jamais será simples. Se reduzirmos a formação ao mínimo legal, veremos no médio prazo o reflexo disso nas estatísticas.”

O que esperar agora da formação de condutores

Mariano resume a tensão do momento. “É possível conciliar acesso, modernização e segurança. Mas isso exige diálogo, planejamento e responsabilidade. O trânsito não perdoa improvisos.”

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