Promessa de CNH 80% mais barata é enganosa, apontam entidades


Por Mariana Czerwonka
CNH mais barata
A formação de condutores no Brasil, embora passível de melhorias, é estruturada com base em princípios pedagógicos e técnicos reconhecidos. Foto: Rachid Waqued/Detran-MS

A proposta ventilada pelo ministro dos Transportes, Renan Filho, de desobrigar a formação em autoescolas e, com isso, reduzir em até 80% o custo para se obter a Carteira Nacional de Habilitação (CNH), continua gerando forte reação no setor responsável pela formação de condutores no país. Em nota pública, a Associação Brasileira das Autoescolas (ABRAUTO) classificou a promessa como “falsa” e “inviável”, apontando riscos à segurança viária e destacando inconsistências nos argumentos apresentados pelo ministro.

A entidade participou na semana passada de uma reunião com a ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, e o deputado federal Lindbergh Farias (PT-RJ), em Brasília, onde apresentou dados técnicos e projeções preocupantes sobre os impactos da flexibilização proposta. O encontro também contou com representantes da Federação Nacional das Autoescolas (FENEAUTO) e do Instituto das Mulheres pelo Trânsito.

Promessa de economia não se sustenta

De acordo com a ABRAUTO, a ideia de que a CNH poderia se tornar até 80% mais barata com o fim da obrigatoriedade dos CFCs não resiste à análise dos custos reais do processo. A entidade afirma que as taxas cobradas pelos Detrans e os exames médicos já representam cerca de 50% do valor total da habilitação. Ou seja, ele já ocorre independentemente da participação de uma autoescola.

“Apresentamos à Ministra documentos comprobatórios de que as taxas governamentais, de fato, alcançam até 50% do valor da CNH”, afirma a nota.

A associação também lembra que, na ausência das autoescolas, seria necessário contratar instrutores particulares e utilizar veículos próprios. Ou seja, isso elevaria os custos em vez de reduzi-los. “O valor do carro, a manutenção, o combustível e a falta de escala encarecem a hora/aula. Não há mágica”, pontuou.

Riscos à segurança e impacto na formação

A entidade também destaca os riscos de permitir o ensino prático em veículos particulares, sem duplo comando e identificação visual. A prática, segundo a nota, poderia aumentar os índices de acidentes de forma significativa.

“Em situações críticas, como a comum reação de um aprendiz em acelerar em vez de frear – e sem a intervenção imediata do duplo comando – as consequências seriam catastróficas”, alerta a ABRAUTO.

No caso das motocicletas, a preocupação é ainda maior. “Nenhum instrutor profissional se disporia a atuar como carona em tal circunstância. O aluno aceleraria excessivamente e colidiria contra muros, calçadas ou residências.”

A entidade também questiona a segurança do ensino informal por familiares ou amigos em locais privados como condomínios e pátios de igrejas. Assim, chamando atenção para a falta de qualificação dos instrutores, ausência de controle e a elevada probabilidade de sinistros de trânsito.

Estudo técnico não comprova ineficácia das aulas práticas

Um estudo técnico elaborado pelo Ministério dos Transportes vem sendo citado como base para a proposta de extinguir a obrigatoriedade das aulas em autoescolas para obtenção da CNH. A leitura simplificada do documento, no entanto, pode induzir a interpretações precipitadas sobre a real influência da formação prática na redução de mortes no trânsito brasileiro.

Apesar de o estudo apontar que a exigência de aulas práticas não apresentou impacto estatisticamente significativo na redução da letalidade no trânsito, a própria conclusão do relatório reconhece a “ausência de significância estatística” — expressão técnica que indica que os dados analisados não são suficientes para se afirmar, com segurança, que não há relação entre a formação dos condutores e os índices de mortalidade.

Ou seja, o estudo não pode ser usado como prova de que as autoescolas não fazem diferença.

O documento, produzido pela Subsecretaria de Fomento e Planejamento do Ministério dos Transportes em abril de 2025, baseou-se em dados do Renaest, Renach e Renavam. A análise focou nos estados do Ceará, Distrito Federal e São Paulo, onde havia registros mais detalhados sobre a aplicação da obrigatoriedade das aulas práticas. A proposta foi correlacionar a adoção dessas exigências à ocorrência de infrações, acidentes e mortes.

Ainda assim, conforme especialistas, a falta de resultados estatisticamente significativos não significa que a formação seja irrelevante, apenas que os dados disponíveis até o momento não permitem uma conclusão definitiva. No meio científico, considera-se isso insuficiente para respaldar uma mudança drástica em políticas públicas com potenciais reflexos diretos na segurança da população.

Ministra esclarece: não há decisão tomada

Durante a reunião, segundo a nota da ABRAUTO, a ministra Gleisi Hoffmann esclareceu que a proposta não partiu da Presidência da República. Ela veio de estudo em andamento no Ministério dos Transportes. Gleisi também teria reafirmado o compromisso do governo federal com um debate amplo, técnico e responsável.

“A proposta não será levada adiante sem um diálogo prévio com o setor e com os demais ministérios”, teria garantido a ministra.

A entidade classificou o encontro como produtivo e estratégico. Com apoio da base parlamentar, a ABRAUTO agora mobiliza esforços para a Comissão Geral “+ Educação = – Sinistros”, marcada para o dia 3 de setembro na Câmara dos Deputados. Assim como, para o lançamento da Frente Parlamentar em Defesa da Educação para o Trânsito e da Formação de Condutores. A Frente já conta com mais de 220 deputados apoiadores.

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