* Alysson Coimbra
Em um país onde morrem mais de 30 mil pessoas por ano no trânsito, não há espaço para naturalizar hábitos inseguros. Desde 1998, o uso do cinto de segurança é obrigatório no Brasil, conforme o Código de Trânsito Brasileiro. No entanto, ainda hoje, essa norma é frequentemente desconsiderada — e isso se torna ainda mais grave quando acontece dentro das próprias forças de segurança pública.
O cinto de segurança é comprovadamente eficaz na prevenção de mortes por ejeção do veículo, além de ser essencial para a eficiência dos airbags. A Associação Brasileira de Medicina do Tráfego (ABRAMET) emitiu diretrizes claras sobre o tema, alertando para o risco letal da sua não utilização, especialmente em colisões de alto impacto, como as que ocorrem em rodovias ou durante perseguições policiais.
Contudo, um comportamento institucionalizado se enraizou nas corporações policiais: o não uso do cinto, sob o argumento de que, em áreas urbanas, a reação rápida a tiroteios, emboscadas ou evacuação do veículo justifica sua dispensa. Ainda que essa exceção tática faça sentido em operações específicas, ela não pode ser tratada como regra geral, sobretudo em contextos de alta velocidade e risco de impacto.
Recentemente, o Brasil foi abalado pela morte de três policiais rodoviários federais em uma perseguição de trânsito.
Embora não haja confirmação oficial sobre o uso do cinto pelos agentes, o fato reacendeu uma pergunta incômoda, mas necessária: por que seguimos tolerando dentro das corporações aquilo que jamais aceitaríamos na população comum?
Não se trata de apontar culpados, nem de explorar uma tragédia em meio à dor. Trata-se de refletir se não está na hora de transformar o luto em legado. Se não for agora, quando? Quando mais precisaremos perder profissionais dedicados para rever práticas que, apesar de frequentes, são perigosas?
Essa cultura da exceção virou rotina. E rotinas repetidas sem crítica geram aquilo que chamamos de consciência coletiva equivocada. Nas corporações policiais, criou-se uma matriz comportamental que vê o cinto como obstáculo, quando na verdade ele é proteção. Isso precisa mudar.
A Páscoa nos relembra o sacrifício de um homem que morreu por todos. Por que, então, não honrar a memória desses três homens que tombaram servindo ao país com uma mudança real e simbólica? Que a partir dessa tragédia, possamos promover uma virada de cultura — em que o uso do cinto de segurança não seja um ato opcional, mas um compromisso com a vida, com a farda e com a missão.
* Alysson Coimbra é médico especialista em Medicina do Tráfego, referência nacional em saúde do condutor, segurança viária e políticas públicas de mobilidade. Coordenador do projeto Novos Horizontes no Trânsito e Consultor técnico no Congresso Nacional em temas de trânsito e comportamento.