
O deputado Coronel Meira (PL/PE) apresentou, ontem (7/10), o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 800/2025, que pretende sustar os efeitos da consulta pública aberta pela Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran) que traz mudanças na CNH. A proposta da Secretaria trata da minuta de resolução que altera o processo de aprendizagem, habilitação e expedição de documentos de condutores, abrangendo desde as aulas teóricas e práticas até a emissão da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) e da Autorização para Conduzir Ciclomotor (ACC).
A iniciativa legislativa reacende um debate que vinha mobilizando todo o setor de trânsito desde o início de outubro: as consequências das mudanças propostas para a segurança viária e para a qualidade da formação dos futuros condutores brasileiros.
Ausência de análise técnica motiva o PDL
Na justificativa do projeto, o deputado afirma que o ato da Senatran é nulo por vício de legalidade, já que a consulta pública foi instaurada sem a prévia Análise de Impacto Regulatório (AIR) — instrumento previsto no Decreto nº 10.411/2020, que determina a realização de estudos técnicos antes da proposição de normas com efeitos sociais e econômicos relevantes.
“A AIR não é uma mera formalidade burocrática, mas uma condição de validade para atos dessa natureza”, diz o texto. “Ao iniciar uma consulta pública sem o devido estudo de impacto, a Senatran pratica um ato sem motivação adequada, submetendo à sociedade um debate cujos efeitos sobre a segurança no trânsito, sobre a economia do setor e sobre a vida dos cidadãos são completamente desconhecidos.”
De acordo com o parlamentar, o processo que a Senatran conduz, ainda que sob a justificativa de transparência e participação social, acabou invertendo etapas fundamentais de um processo regulatório responsável. Ao invés de apresentar uma proposta com base em dados e evidências, a abertura da minuta ao público ocorreu sem diagnóstico prévio dos impactos que poderia gerar.
Formação de condutores: o elo entre regulamentação e segurança viária
A discussão sobre o processo de habilitação no Brasil vai muito além de questões administrativas. Ela toca diretamente na segurança viária, uma das maiores preocupações nacionais diante do alto número de mortes e feridos no trânsito.
Alterar o modelo de formação de condutores — reduzindo etapas, flexibilizando exigências ou alterando parâmetros pedagógicos — impacta diretamente a qualidade dos motoristas que chegam às ruas.
O especialista em trânsito Celso Mariano lembra que qualquer mudança no sistema de habilitação precisa partir de uma visão sistêmica da segurança no trânsito.
“O processo de formação de condutores é o alicerce da segurança viária. Se ele for enfraquecido por decisões apressadas ou sem base técnica, o resultado é previsível: mais acidentes, mais vítimas e menos confiança nas políticas públicas”, explica Mariano.
O papel do Congresso e a crítica à Senatran
O PDL 800/2025 argumenta que a Senatran exorbitou seu poder regulamentar, iniciando um processo de consulta sem os estudos técnicos que deveriam precedê-lo. A justificativa cita precedentes do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1). Eles reforçam a necessidade de fundamentação técnica para a validade de atos administrativos complexos.
Conforme Coronel Meira, a omissão configura violação aos princípios da legalidade, eficiência e motivação previstos no artigo 37 da Constituição Federal.
“Cabe ao Congresso Nacional, em seu papel de guardião da legalidade, corrigir o rumo e restaurar o devido processo regulatório”, afirma o parlamentar.
Caso haja a aprovação do PDL, a consulta pública será suspensa. Além disso, a Senatran só poderá retomá-la após realizar a Análise de Impacto Regulatório e apresentar os estudos técnicos que subsidiem eventuais mudanças.
Debate em aberto: modernização ou risco à segurança?
Embora a Senatran argumente que a intenção é modernizar e simplificar o processo de formação de condutores, as entidades que representam autoescolas, instrutores e profissionais do trânsito alertam que a pressa pode trazer efeitos indesejados sobre a segurança nas vias.
Especialistas apontam que um processo de habilitação mais enxuto pode reduzir custos. No entanto, pode também diminuir o tempo e a qualidade da preparação prática e teórica, comprometendo a formação ética e comportamental dos novos condutores.
O tema, portanto, coloca em lados opostos dois valores igualmente importantes: a modernização administrativa e a proteção da vida no trânsito.
Próximos passos
O PDL 800/2025 seguirá agora para análise nas comissões temáticas da Câmara dos Deputados. Caso aprovado, por exemplo, o projeto suspenderá os efeitos da consulta pública da Senatran até que as exigências legais de fundamentação técnica sejam cumpridas.
Enquanto isso, o debate deve continuar mobilizando especialistas, entidades e a sociedade civil, em torno de uma questão central: como modernizar a formação de condutores sem comprometer a segurança nas ruas.