Sem DPVAT, SUS arca sozinho com alta dos sinistros de trânsito: gasto chegou a R$ 449 milhões
Estudo do Ipea revela impacto crescente dos sinistros viários sobre a saúde pública. Especialistas alertam para necessidade de financiamento e políticas de prevenção.

O Sistema Único de Saúde (SUS) desembolsou R$ 449,8 milhões em 2024 apenas com internações hospitalares de vítimas de sinistros de trânsito no Brasil. O dado alarmante faz parte de um levantamento inédito do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), com base em informações do Datasus, e revela não apenas a dimensão do problema, mas também um cenário de agravamento nas contas públicas da saúde.
O valor, além de expressivo, ajuda a dimensionar o custo humano e econômico da insegurança viária: com esses recursos, seria possível adquirir cerca de 1.320 ambulâncias do SAMU, o suficiente para ampliar a cobertura do serviço de urgência a mais de 22 milhões de brasileiros — quase quatro vezes mais do que o previsto com as 350 unidades prometidas pelo Novo PAC Saúde.
Desde 1998, os gastos com internações decorrentes de sinistros no trânsito mantêm uma curva ascendente. Naquele ano, o SUS havia investido R$ 301,7 milhões (valores atualizados) com esses atendimentos. Em 2024, o gasto já é quase 50% maior, refletindo não apenas o aumento da frota e da exposição ao risco, mas também a ausência de avanços significativos na prevenção de acidentes graves.
Fim do DPVAT agravou rombo no financiamento da saúde
Além da escalada nos custos, o SUS passou a enfrentar, desde 2021, um rombo anual de aproximadamente R$ 580 milhões, com a extinção dos repasses do seguro DPVAT, que era cobrado junto ao licenciamento dos veículos e destinava 45% de sua arrecadação ao custeio de atendimentos médico-hospitalares de vítimas do trânsito.
A suspensão do DPVAT ocorreu em 2021 com autorização do Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP), sob a justificativa de coibir fraudes e reduzir os custos de supervisão e regulação. Na prática, porém, a ausência de um mecanismo substituto fez com que o SUS arcasse sozinho com a crescente demanda por atendimentos, internações e reabilitação das vítimas.
Em 2024, o governo federal chegou a aprovar a criação do SPVAT (Seguro Obrigatório para Proteção de Vítimas de Acidentes de Trânsito), com estrutura semelhante à do DPVAT. No entanto, a proposta foi revogada antes mesmo de entrar em vigor, após forte pressão de governadores e parlamentares, contrários à imposição de um novo encargo obrigatório para os motoristas.
Sinistros de trânsito consomem até 3% do PIB na América Latina
A falta de financiamento exclusivo para o atendimento às vítimas de trânsito contrasta com a dimensão dos prejuízos econômicos gerados pelos sinistros. Segundo a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), os acidentes viários consomem entre 1% e 3% do Produto Interno Bruto (PIB) dos países da América Latina. No caso do Brasil, isso representa uma cifra entre R$ 117 bilhões e R$ 351 bilhões por ano, considerando o PIB estimado em R$ 11,7 trilhões em 2024.
O impacto se reflete não apenas no sistema de saúde, mas também na previdência social, nos seguros privados e na perda de produtividade, especialmente entre jovens adultos — as principais vítimas fatais no trânsito brasileiro.
Especialistas defendem retomada de fontes de custeio e políticas de prevenção
Para especialistas em segurança viária e saúde pública, os dados reforçam a necessidade urgente de retomar o financiamento específico para o atendimento das vítimas do trânsito, ao mesmo tempo em que se investe em ações de prevenção, fiscalização e educação.
“A conta está ficando mais alta e, infelizmente, mais invisível. Quando o DPVAT foi suspenso, houve alívio para o bolso de alguns, mas um prejuízo enorme para o SUS e, sobretudo, para as vítimas, que ficaram desassistidas em muitos casos”, avalia o especialista em trânsito Celso Mariano, diretor do Portal do Trânsito.
“O custo de um sinistro não é só financeiro. É humano, social, psicológico. O que está faltando é visão sistêmica e responsabilidade política com esse tema.”
Mariano também ressalta que não se resolverá o problema apenas com ambulâncias ou leitos hospitalares. “É preciso reduzir os sinistros, e isso só se faz com engenharia, fiscalização e educação de trânsito efetivas, bem como com revisão de políticas públicas de mobilidade”.
Com o Brasil mantendo taxas elevadas de mortalidade no trânsito e sem um seguro obrigatório em vigor que dê suporte direto às vítimas, o desafio de equilibrar o atendimento na saúde pública se soma à urgência de repensar a segurança viária como prioridade nacional.

Politicas publicas equivocadas. Culpa desse congresso que pouco se importa com o Brasil.