Quem vai parar o ministro Renan Filho?
Análise crítica de Mariana Czerwonka questiona ações do ministro Renan Filho e aponta riscos da Resolução 1020/25 para a formação de condutores e a segurança no trânsito.

O setor de trânsito brasileiro está diante de um dos momentos mais turbulentos das últimas décadas. Em ritmo acelerado, o ministro dos Transportes, Renan Filho, tem anunciado, defendido e prometido mudanças que desmontam, em sequência, pilares essenciais da formação, avaliação e acompanhamento dos condutores no país. A pergunta que toma conta do setor, de instrutores a psicólogos, de especialistas a entidades representativas, é uma só: quem vai parar o ministro Renan Filho?
A aprovação da Resolução 1020, que retalha o processo de formação de condutores e enfraquece etapas historicamente reconhecidas como essenciais, foi apenas o primeiro sinal. Em poucos dias, o ministro aprofundou ainda mais o desmonte, agora, articulando internamente o fim do exame psicológico, uma das poucas etapas capazes de avaliar minimamente a condição emocional, cognitiva e comportamental de quem irá conduzir um veículo — e, muitas vezes, transportar vidas.
Enquanto o discurso oficial insiste em “desburocratização” e “redução de custos”, a sensação entre profissionais da área é de que o Brasil está entrando em uma curva perigosa, guiado por decisões rápidas, pouco debatidas e extremamente sensíveis para a segurança viária.
Primeiro ato: flexibilizar a formação
A Resolução 1020 já havia acendido o alerta vermelho. Ao retirar etapas, encurtar processos e tentar igualar formação teórica, técnica e comportamental à mera liberação administrativa, o governo criou um ambiente de insegurança jurídica, operacional e institucional.
Autoescolas, instrutores e especialistas denunciaram a pressa, a fragilidade técnica e a falta de diálogo. Muitas das medidas foram classificadas como improvisadas e potencialmente danosas.
Ainda assim, a resolução foi aprovada pelo Conselho Nacional de Trânsito (Contran), leia-se o Ministro dos Transportes.
Segundo ato: acabar com o exame psicológico
Agora, surge o que muitos consideram o golpe mais duro na estrutura do processo de habilitação: o governo estuda extinguir o exame psicológico, obrigatório na primeira habilitação, inclusive para motoristas profissionais.
A justificativa é simplista: a taxa de inaptidão é de apenas 0,01%. Mas quem entende a função desse exame sabe que esse dado não prova irrelevância. Eliminar essa etapa é deixar o país exposto a uma bomba-relógio comportamental.
O país em direção contrária ao mundo
As nações que são referência em segurança viária reforçam a avaliação de condutores, ampliam critérios psicológicos, monitoram saúde mental, fazem acompanhamento periódico e tratam a direção como atividade de risco real.
No Brasil, o governo caminha na direção oposta.
Estamos discutindo flexibilizar tudo ao mesmo tempo:
- a formação;
- a avaliação;
- o exame prático;
- a fiscalização indireta;
- e agora a própria saúde emocional dos motoristas.
“Modernização”, segundo o discurso oficial.
“Desregulamentação temerária”, segundo praticamente todo o setor técnico.
No centro de tudo: Renan Filho
O ministro não apenas defende as mudanças. Ele lidera a narrativa, personifica o projeto e empilha decisões que ignoram alertas históricos e técnicos.
Entidades do setor apontam que não há debate público consistente, não há audiências amplas, não há escuta ativa. Há, sim, velocidade — muita velocidade — em temas que exigem cuidado, critérios e responsabilidade.
E há um desalinhamento gritante entre o que o Brasil precisa e o que o governo está propondo.
Quem vai parar o ministro Renan Filho?
A essa altura, não é mais apenas uma pergunta retórica. É uma provocação, um chamado, um diagnóstico do momento que vivemos.
Se o Congresso, o Judiciário, as entidades técnicas e a sociedade, ou até mesmo o próprio presidente da República, não se manifestarem, o país corre o risco de ver desfeita, em poucos meses, uma construção de décadas de política pública voltada à redução de riscos e preservação da vida no trânsito.
Modernizar não é rasgar etapas. Desburocratizar não é desproteger. Reduzir custos não pode significar aumentar mortes.
O trânsito brasileiro já é violento demais. E as mudanças anunciadas não apontam para segurança — apontam para vulnerabilidade. Por isso, a pergunta precisa continuar ecoando, com força crescente, dentro e fora de Brasília: Quem vai parar o ministro Renan Filho?
*Texto opinativo da jornalista Mariana Czerwonka que atua há mais de 20 anos na área de educação para o trânsito.
