07 de dezembro de 2025

Opinião – O carrasco contemporâneo

A maior parte da sociedade desconhece as obrigações de um agente de trânsito, o que acaba lhe rendendo quase sempre a imagem de carrasco. Leia o texto de Rodrigo Vargas.


Por Rodrigo Vargas de Souza Publicado 21/07/2023 às 15h00
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Madrugada da véspera de Natal, em torno de 1:30 da manhã. Estava, na época ainda na fiscalização, em uma operação de blitz num bairro da zona central de Porto Alegre. Abordo um carro popular, não lembro ao certo o modelo, mas lembro que era de um vermelho vívido, como a memória dessa abordagem que, mesmo já tendo passado alguns anos, ainda me provoca um certo nó no estômago.

No veículo, uma mãe com seus dois filhos. Ao solicitar à condutora os documentos do veículo e a habilitação (naquela época ainda de porte obrigatório) ela me entrega sua CNH e informa já ter pago o licenciamento. No entanto, ainda não havia recebido o documento do veículo, mostrando inclusive os comprovantes do pagamento. Tive de informá-la sobre as sanções cabíveis àquela época: multa e apreensão do veículo. Assim como que a assistir a uma cena de um filme do qual já conhecemos o final, os próximos minutos se seguiram repletos de justificativas. Além disso, choro e agressões verbais, as quais o caro amigo leitor já pode imaginar…

Pode ser bastante frustrante, em alguns momentos como esse, exercer uma função que não lhe dê o benefício da discricionariedade.

Ou seja, na qual você não tenha autonomia para escolher o que e em que momentos fazer algo, incorrendo, inclusive, no crime de prevaricação caso não cumpra com alguma obrigação. Principalmente quando a maior parte da sociedade desconhece essas obrigações, o que acaba lhe rendendo quase sempre a imagem de carrasco.

É exatamente essa analogia do carrasco que o professor Rômulo Tadeu traz. Explicando de forma genial porque os agentes de trânsito são uma das profissões mais odiadas pela sociedade no vídeo a seguir. Ele foi postado no seu canal do YouTube, o Trânsito Livre. Confira:

Em terras onde reina a TERCEIRIZAÇÃO DA CULPA E O RELATIVISMO MORAL NO TRÂNSITO, onde a velocidade do condutor autuado não é questionada, mas sim a visibilidade do agente autuador, onde os eleitores brigam com uma paixão futebolística por políticos e não por projetos, fica o questionamento. Até quando seguiremos beijando os anéis das mãos erradas? Mãos que deveriam nos dar proteção e vidas dignas, que nos possibilitassem manter nossos bens e não tirá-los cada vez mais.

Rodrigo Vargas de Souza

Sou formado em Psicologia pela Unisinos, atuo desde 2009 como Agente de Fiscalização de Trânsito e Transporte na EPTC, órgão Gestor do trânsito na cidade de Porto Alegre. Desde 2015, lotado na Coordenação de Educação para Mobilidade do mesmo órgão. Procuro nos meus textos colocar em discussão alguns dos processos envolvidos na relação do sujeito com o automóvel, percebendo a importância que o trânsito, espaço-tempo desse encontro, vem se tornando um problema de saúde pública. Tendo como objetivos, além de uma crítica às atuais contribuições (ou falta delas) da Psicologia para com a área do trânsito, a problematização da relação entre homem e máquina, os processos de subjetivação derivados dessa relação e suas consequências para o trânsito. Sendo assim, me parece urgente a pesquisa na área, de forma a se chegar a uma anuência metodológica e ética. Bem como a necessidade de a Psicologia do Trânsito posicionar-se de forma a abrir passagem para novas formas heterogêneas de atuação, que considerem as singularidades ao invés de servirem como mais um mecanismo de serialização das experiências humanas.

1 comentário

  • Paulo Roberto
    22/07/2023 às 22:09

    Agente de trânsito abordando? Se esse agente não for Policial, não é de sua função abordar motoristas.

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