13 de dezembro de 2025

Proposta “CNH mais barata” é classificada como manobra política e ameaça à segurança viária, apontam especialistas

Proposta de “CNH mais barata” é criticada por especialistas como manobra política com graves falhas técnicas, risco à segurança viária e impacto econômico que pode fechar até 30% dos CFCs.


Por Mariana Czerwonka Publicado 24/11/2025 às 08h15
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Em entrevista ao Portal do Trânsito, o advogado Gustavo Coelho Martins fez uma análise contundente da proposta. Assista na íntegra.

A promessa de uma “CNH mais barata”, amplamente divulgada pelo Governo Federal, reacendeu um debate urgente sobre a formação de condutores no Brasil. Embora vendida como uma medida para democratizar o acesso à habilitação, a minuta que pretende substituir a Resolução 789 do Contran tem provocado forte reação entre especialistas, entidades técnicas e Centros de Formação de Condutores (CFCs).

Em entrevista ao Portal do Trânsito, o advogado Gustavo Coelho Martins — integrante da Câmara de Direito de Trânsito da OAB/PR e da Câmara Técnica de Educação do Contran — fez uma análise contundente da proposta. De acordo com ele, trata-se de um retrocesso histórico, com impactos graves para a segurança viária, a economia do setor e a própria credibilidade das instituições responsáveis por regulamentar o trânsito no país.

Politização do trânsito e promessa “populista”

Para Martins, o primeiro problema é a politização de um tema que deveria ser tratado exclusivamente com base em evidências e critérios técnicos. Conforme ele, a condução do debate foi deslocada da esfera técnica para atender interesses eleitorais, transformando uma pauta delicada em ferramenta de marketing político.

As últimas três décadas registraram avanços importantes na legislação de trânsito, refletindo diretamente na redução de mortes quando os dados são analisados proporcionalmente.

“Esse acúmulo de conhecimento está sendo descartado em nome de uma promessa imediatista”, afirma.

Um dos pontos mais criticados é o uso recorrente de números absolutos de mortes no trânsito para justificar mudanças radicais, sem considerar fatores essenciais como o crescimento da frota e da população. Além disso, a visibilidade gerada pela pauta teria fortalecendo projetos políticos de figuras do governo, como o Ministro dos Transportes e o Secretário Nacional de Trânsito.

Minuta é considerada inoperante, incompleta e juridicamente frágil

A análise jurídica e técnica realizada por Martins classifica a minuta como inoperante, pois ela depende de sistemas governamentais inexistentes, como aplicativos e ferramentas que não foram especificados nem têm previsão de funcionamento.

Os Detrans, responsáveis pela operacionalização da habilitação, não teriam condições de aplicar de imediato nenhum dos pontos do novo modelo. Esse fato criaria um vácuo jurídico e daria origem a uma crise administrativa sem precedentes.

Outro problema grave é a ausência de uma Análise de Impacto Regulatório (AIR), obrigatória pelo regimento interno do Contran para mudanças dessa magnitude. De acordo com Martins, publicar uma resolução dessa natureza sem estudos sólidos viola princípios constitucionais da administração pública, como razoabilidade e proporcionalidade.

Há ainda lacunas significativas:

  • A proposta não define parâmetros para exames de motocicleta;
  • Não esclarece como será o credenciamento de instrutores autônomos;
  • Prevê regulamentações complementares, mas não estabelece prazos, gerando insegurança e imprevisibilidade;
  • Impõe um curso teórico EAD nacional, ignorando diferenças regionais que influenciam diretamente o comportamento no trânsito.

Crise econômica e risco de fechamento de CFCs

Mesmo antes de entrar em vigor, a proposta já produz efeitos negativos no setor. A campanha do governo, divulgada como redução de até 80% no custo da CNH, foi classificada por Martins como propaganda enganosa e “fake news”.

O resultado é um congelamento da demanda: milhares de pessoas deixaram de procurar os CFCs esperando o novo modelo, o que levou o segmento a uma retração abrupta. As estimativas apontam que 20% a 30% dos CFCs podem fechar as portas até o fim do ano, caso o cenário não mude.

A situação é agravada pela confusão com programas de CNH Social, fazendo com que parte da população acredite erroneamente que a habilitação se tornará gratuita.

“O impacto econômico é incomensurável”, diz Martins.

Ameaça à segurança viária e retrocesso na educação para o trânsito

Do ponto de vista da segurança, as preocupações são ainda maiores. A possibilidade de realizar aulas em veículos particulares, sem a presença de comandos duplos, representa um risco direto para o aluno, para o instrutor assim como para todos os usuários das vias.

O enfraquecimento da formação teórica também é apontado como um desastre anunciado. Conforme Martins, 53% dos acidentes no Brasil são causados por falhas comportamentais — temas que são trabalhados justamente nas aulas teóricas. Transferir essa responsabilidade novamente para o aluno, sem supervisão profissional, seria ignorar décadas de evolução na educação de trânsito.

Além disso, criar um curso teórico único e nacional desconsidera as diferenças comportamentais, culturais e regionais do país. “É impossível ensinar o trânsito brasileiro sem considerar os contextos locais”, destaca.

A consequência esperada, caso a medida avance, é o aumento expressivo de mortes no trânsito pelos próximos dois ou três anos.

Cenário futuro: crise, insegurança e possível reversão no Congresso

A expectativa é que o governo publique a resolução mesmo com suas fragilidades, tentando cumprir a promessa política. No entanto, a previsão é de caos operacional. Candidatos irão aos Detrans e CFCs buscando iniciar processos que não poderão ser realizados, pois os sistemas não estarão preparados.

A médio prazo, Martins acredita que o Congresso Nacional deve atuar para barrar a proposta, alterando o Código de Trânsito Brasileiro. Contudo, até que isso aconteça, os danos ao setor podem ser irreversíveis.

Sobre o futuro dos CFCs, ele pondera: é possível repensar o modelo, mas não sem antes garantir educação de trânsito desde a infância. Ou seja, algo que o Estado nunca implementou de forma eficaz.

“Sem educação de base, os CFCs são o único momento em que o cidadão discute trânsito, cidadania e responsabilidade.”

Mariana Czerwonka

Meu nome é Mariana, sou formada em jornalismo pela Universidade Tuiuti do Paraná e especialista em Comunicação Empresarial, pela PUC/PR. Desde que comecei a trabalhar, me envolvi com o trânsito, mais especificamente com Educação de Trânsito. Não tem prazer maior no mundo do que trabalhar por um propósito. Posso dizer com orgulho que tenho um grande objetivo: ajudar a salvar vidas! Esse é o meu trabalho. Hoje me sinto um pouco especialista em trânsito, pois já são 11 anos acompanhando diariamente as notícias, as leis, resoluções, e as polêmicas sobre o tema. Sou responsável pelo Portal do Trânsito, um ambiente verdadeiramente integrador de informações, atividades, produtos e serviços na área de trânsito.

1 comentário

  • Tiago Dantas
    27/11/2025 às 13:58

    Kkkkk
    Vcs, de auto escola, praticaram preços abusivos e formaram verdadeiros cartéis (combinando preço) durante todo esse tempo.
    Agora que vão ter uma concorrência mais verdadeira e honesta tão de mimi.
    Essa que de que a nova norma vai prejudicar o trânsito é balela, nc conheci ninguém que realmente tivesse aprendido à dirigir só com auto escola, todo mundo depois tem que treinar com o pais, ou com os irmãos, ou algum conhecido.
    Kkkkkk
    Tem que tirar vcs mesmo dessa posição de conforto.

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