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Em 2021 o Brasil engatará marcha à ré na segurança viária?


Por Artigo Publicado 15/02/2021 às 20h59 Atualizado 08/11/2022 às 21h34
 Tempo de leitura estimado: 00:00

*Adriana Modesto

Estudo da ONUFoto: Arquivo Tecnodata.

Os sinistros de trânsito decorrem de fatores associados ao ser humano, à via, ao ambiente da via, ao veículo e/ou meio ambiente. Além dos fatores mencionados, podem contribuir para a ocorrência dos referidos eventos elementos como as características da exposição ao trânsito, a legislação de trânsito vigente e a existência e respectiva efetividade das modalidades de fiscalização do cumprimento das regras de trânsito1,2.

Considerando-se que os sinistros de trânsitos não são fruto do acaso e aludindo-se à falibilidade e responsabilidade inerentes ao ser humano, é recomendada a adoção de medidas preventivas relacionadas à segurança veicular, à via, ao ambiente da via, aos usuários da via, de natureza tecnológica, inclusive com abordagens múltiplas.

Essas medidas funcionam como barreiras que se enfileiram evitando esses desfechos, ou, nas circunstâncias de sua ocorrência, minorando os potenciais danos3,4.

Contudo, havendo buracos (falhas) na composição das referidas barreiras como, por exemplo, o excesso de velocidade, falar ao celular concomitantemente à condução veicular, intempéries da natureza, pneus gastos, excesso de carga, agravos à saúde comprometedores do desempenho na direção veicular, má formação para o trânsito, pavimento das vias em má condições de uso e uma vez alinhados, serão estabelecidas condições favoráveis à ocorrência do sinistro de trânsito3,4.

Para a melhor compreensão das causas de um sinistro de trânsito é necessário que sejam consideradas sua anatomia, buscando-se identificar os componentes básicos determinantes para o evento, e sua morfologia, buscando-se investigar as conexões existentes entre esses componentes. Adicionalmente perscrutar também as dimensões de natureza multisetorial subjacentes ao evento, aspectos culturais, comportamentais e em se tratando de contexto rodoviário, com tráfego acentuado do transporte de cargas, as dimensões laborais coletivas1,2,4.

O conjunto das análises anteriormente mencionadas propiciará a identificação dos fatores determinantes mais prevalentes na ocorrência dos sinistros de trânsito, assim como em quais contextos há a maior predisposição, como, por exemplo, pontos críticos. Subsidiará ainda as tomadas de decisão quanto à adoção dos melhores recursos e práticas em favor da segurança viária, a exemplo dos radares de velocidade.

Recentemente a Confederação Nacional dos Transportes – CNT publicou estudo referente ao número de sinistros de trânsito ocorridos em rodovias brasileiras5.

Segundo os dados concernentes à série histórica analisada, compreendendo 2007 a 2020, observou-se a tendência de redução no número desses eventos. Pode-se inferir que a tendência de redução seja justificada pela adoção por parte do Brasil de estratégias e ações em favor da segurança viária exitosas como a melhoria da infraestrutura viária, a gestão da velocidade, a fiscalização do cumprimento das leis de trânsito, o esforço legal e ainda a efetividade das campanhas de conscientização quanto aos riscos do trânsito.

Ainda tendo em vista a série histórica mencionada, sublinha-se a condição atípica do ano de 2020, exercício em que, em razão da intempérie sanitária, observou-se a redução da circulação de veículos e, por consequência, a redução na ocorrência de sinistros de trânsito.

Em se tratando do contexto rodoviário esclarece-se que, por envolver maior energia, ou seja, limites de velocidade majorados, os sinistros de trânsito ocorridos nas rodovias apresentam superior letalidade. Outro ponto a se considerar é o fato de que, embora ocorram em menor quantidade comparativamente aqueles sinistros ocorridos em contexto urbano, os primeiros registram custos mais vultosos podendo ser justificado pela massa dos veículos, severidade e desdobramento dos eventos6,7,8,4.

Como explanado, o limite de velocidade nas rodovias já é majorado e dentre as principais causas na ocorrência dos sinistros de trânsito associadas ao fator humano está o emprego de velocidade inapropriada, reiterando-se ainda a relação entre a velocidade do impacto e o grau de severidade do sinistro de trânsito9.

Naturalmente que para se abordar a transgressão quanto à velocidade determinada para o trecho da via, é necessário reiterar a questão da homeostase de risco, em síntese, os riscos que cada pessoa está disposta a assumir, conduta potencialmente influenciada por fatores macroeconômicos, culturais, sociais e psicológicos10.

Haverá condutores veiculares inclinados ao risco a despeito dos potenciais danos ou penalidades que lhes possam ser imputadas.

Tendo em vista os limites de velocidade regulamentados para as rodovias brasileiras e visando a redução e severidade dos sinistros de trânsito, adotou-se como recursos os radares de velocidade, cuja eficácia nos intentos é ratificada tanto pela literatura especializada, como por programas governamentais como o Programa Nacional de Controle Eletrônico de Velocidade – PNCV11, além das estatísticas de órgãos de trânsito que revelam a redução do número dos referidos eventos a partir do emprego desses equipamentos.

Com a retirada dos radares de velocidade das rodovias brasileiras, demanda manifestada pelo chefe do executivo, infere-se que comportamentos de risco sejam fomentados, que o que se avançou no Brasil quanto a redução no número de sinistros de trânsito tendo como referências modelos e experiências internacionais de boas práticas de segurança no trânsito, assuma tendência diversa da observada nos últimos anos fazendo com que o Brasil engate marcha à ré na segurança viária.

Referências

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS – ABNT. (2020) Norma Brasileira – NBR nº 10697/2020. Pesquisa de Sinistros de Trânsito – Terminologia. Disponível em: https://www.abramet.com.br/repo/public/commons/ABNT%20NBR10697%202020%20Acidentes%20de%20Transito%20Terminologia.pdf. Acesso em: 05/02/2021.

1. INSTITUTO DE PESQUISAS ECONÔMICAS APLICADAS – IPEA. IPEA/DENATRAN/ANTP (2006) Impactos sociais e econômicos dos acidentes de trânsito nas rodovias brasileiras – Relatório Executivo, Brasília, DF, 80 p.

2. FERRAZ, A. C. P. C., RAIA JÚNIOR, A. A. & BEZERRA, B. S. (2008) Segurança no Trânsito, NEST – Núcleo de Estudos de Segurança no Trânsito, São Carlos, SP, 325 p.

3. REASON, J. T. (1990) Human Error. Cambridge, Cambridge University Press, England 302 p.

4. SOUSA, A. M. (2019). Metodologia de Avaliação de Programas Governamentais Preventivos aos Acidentes de Transporte Rodoviário Envolvendo Motoristas de Cargas, Publicação T.TD-008/2019, Departamento de Engenharia Civil e Ambiental, Universidade de Brasília, Brasília, DF, 182p.

5. CONFEDERAÇÃO NACIONAL DE TRANSPORTES – CNT. (2020) Painel CNT de Consultas Dinâmicas dos Acidentes Rodoviários – 2020. Disponível em: https://www.cnt.org.br/painel-acidente. Acesso em: 05/02/2021.

6. ELVIK, R., HӨYE, A.,VAA, T. & SØRENSEN, M. (2013) El manual de medidas de seguridade vial. 2ª edição. Fundación MAPFRE, Madrid, Espanha, 1.039 p.

7. CARVALHO, C. H. R. (2015) Acidentes de transportes terrestres no Brasil: uma tragédia anunciada. Revista Desafios do Desenvolvimento, v. 12, 85, p. 53.

8. INSTITUTO DE PESQUISAS ECONÔMICAS APLICADAS – IPEA. (2015) Relatório Acidentes de Trânsito nas Rodovias Federais Brasileiras: Caracterização, Tendências e Custos para a Sociedade. Brasília, DF, 42 p.

9. BRANDÃO, L. M. (2006) Medidores eletrônicos de velocidade: uma visão da engenharia para a implantação. Perkons, Curitiba, 150p.

10. WILDE, G. J. S. (1998) Risk homeostasis theory: an overview. Injury Prevention, v. 4, p. 89-91.

11. DEPARTAMENTO NACIONAL DE INFRAESTRUTURA DE TRANSPORTES – DNIT. (2015) Programa Nacional de Controle de Velocidade (PNCV). Disponível em: www.dnit.gov.br/licitacoes/audiencias-publicas-nb0-02/audiencias-publicas-2015/programa-nacional-de-controle-de-velocidade-pncv/apresentacao-pncv.pdf. 15/10/2019.

*Adriana Modesto é sanitarista, mestre em Ciências da Saúde e doutora em Transportes pela Universidade de Brasília (UnB).

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