13 de dezembro de 2025

Estudo do governo sobre autoescolas não é conclusivo e não justifica mudança na formação de condutores, apontam especialistas

No meio científico, o estudo é considerado insuficiente para respaldar uma mudança drástica em políticas públicas com potenciais reflexos diretos na segurança da população.


Por Mariana Czerwonka Publicado 05/08/2025 às 08h15
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Estudo autoescola
Um levantamento feito pelo Portal do Trânsito mostra que o Brasil registrou avanços importantes desde a entrada em vigor do CTB — marco que consolidou a obrigatoriedade da formação teórica e prática dos condutores. Foto: Divulgação Detran/RS

Um estudo técnico elaborado pelo Ministério dos Transportes vem sendo citado como base para a proposta de extinguir a obrigatoriedade das aulas em autoescolas para obtenção da CNH. A leitura simplificada do documento, no entanto, pode induzir a interpretações precipitadas sobre a real influência da formação prática na redução de mortes no trânsito brasileiro.

Apesar de o estudo apontar que a exigência de aulas práticas não apresentou impacto estatisticamente significativo na redução da letalidade no trânsito, a própria conclusão do relatório reconhece “ausência de significância estatística” — expressão técnica que indica que os dados analisados não são suficientes para se afirmar, com segurança, que não há relação entre a formação dos condutores e os índices de mortalidade. Ou seja, o estudo não pode ser usado como prova de que as autoescolas não fazem diferença.

O documento, produzido pela Subsecretaria de Fomento e Planejamento do Ministério dos Transportes em abril de 2025, baseou-se em dados do Renaest, Renach e Renavam. A análise focou nos estados do Ceará, Distrito Federal e São Paulo, onde havia registros mais detalhados sobre a aplicação da obrigatoriedade das aulas práticas. A proposta foi correlacionar a adoção dessas exigências à ocorrência de infrações, acidentes e mortes.

Ainda assim, conforme especialistas ouvidos pela Folha de S.Paulo, a falta de resultados estatisticamente significativos não significa que a formação seja irrelevante, apenas que os dados disponíveis até o momento não permitem uma conclusão definitiva. No meio científico, considera-se isso insuficiente para respaldar uma mudança drástica em políticas públicas com potenciais reflexos diretos na segurança da população.

Melhora dos indicadores após o CTB

Um levantamento feito pelo Portal do Trânsito mostra que o Brasil registrou avanços importantes desde a entrada em vigor do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) em 1998 — marco que consolidou a obrigatoriedade da formação teórica e prática dos condutores. O índice de mortes no trânsito, que era de 32,7 por 100 mil habitantes em 1989, caiu para cerca de 15,5 a partir de 2018, mesmo com uma frota de veículos quatro vezes maior.

Especialistas em segurança viária, ouvidos pelo Portal do Trânsito à época, como Roberto Victor Pavarino, da OPAS/OMS, destacam que essa evolução só foi possível graças ao conjunto de medidas adotadas: legislação mais rigorosa, fiscalização mais presente, e especialmente, processos mais estruturados de formação de condutores.

“Não é uma única ação que muda os resultados. É a combinação de engenharia, fiscalização, educação e esforço legal. A formação de condutores é um dos pilares disso tudo”, ressaltou Pavarino.

Formação frágil, mas necessária

O professor David Duarte Lima, especialista em segurança no trânsito, reconhece que a formação atual dos condutores brasileiros tem falhas. Mas adverte que eliminar completamente a exigência das aulas em autoescolas seria um retrocesso perigoso.

“Mesmo com falhas, uma formação ruim ainda é melhor do que nenhuma. Dirigir exige muito mais do que saber operar um veículo. Exige percepção de risco, ética e convivência — aspectos que precisam ser trabalhados com orientação e acompanhamento”, afirma Lima.

Ele cita o exemplo da Espanha, onde a melhoria na formação reduziu em 80% a mortalidade no trânsito.

O perigo da simplificação

A tentativa de correlacionar a obrigatoriedade das aulas práticas com a mortalidade no trânsito sem considerar o contexto mais amplo pode levar a conclusões distorcidas. Como lembrou Celso Alves Mariano, especialista em trânsito e diretor do Portal do Trânsito & Mobilidade, é fundamental analisar o “filme”, e não apenas a “fotografia”.

“Depois da entrada em vigor do CTB, o Brasil trilhou um caminho que trouxe resultados visíveis. Alterar o que está funcionando — como é o caso da formação de condutores — seria como jogar fora anos de conquistas construídas com esforço coletivo”, avalia Mariano.

Apesar das falhas ainda existentes, a formação por meio das autoescolas é uma das poucas oportunidades que o cidadão tem de receber educação para o trânsito no Brasil, já que a educação viária nas escolas segue sendo incipiente.

Debate deve continuar, mas com responsabilidade

É preciso debater com maior profundidade a proposta de tornar facultativo o ensino nas autoescolas — mas com base em evidências sólidas e com atenção às consequências que tal medida pode trazer à segurança de todos. O estudo técnico do Ministério dos Transportes não pode, por si só, embasar uma mudança tão significativa, justamente por não apresentar conclusões definitivas.

“Se há falhas na formação atual, o caminho mais sensato é buscar o aprimoramento e não a supressão de uma etapa essencial do processo. A responsabilidade de formar condutores conscientes e preparados não é um luxo, é uma necessidade para salvar vidas”, conclui Mariano.

Mariana Czerwonka

Meu nome é Mariana, sou formada em jornalismo pela Universidade Tuiuti do Paraná e especialista em Comunicação Empresarial, pela PUC/PR. Desde que comecei a trabalhar, me envolvi com o trânsito, mais especificamente com Educação de Trânsito. Não tem prazer maior no mundo do que trabalhar por um propósito. Posso dizer com orgulho que tenho um grande objetivo: ajudar a salvar vidas! Esse é o meu trabalho. Hoje me sinto um pouco especialista em trânsito, pois já são 11 anos acompanhando diariamente as notícias, as leis, resoluções, e as polêmicas sobre o tema. Sou responsável pelo Portal do Trânsito, um ambiente verdadeiramente integrador de informações, atividades, produtos e serviços na área de trânsito.

1 comentário

  • THIAGO SA DE OLIVEIRA
    11/08/2025 às 09:31

    Exatamente, educação nunca é demais, não se pode equiparar o Brasil com os EUA ou países da Europa em relação a educação no trânsito, cada País tem o processo que enquadra melhor a sua realidade, o Brasil precisa sim de educação no trânsito.

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