10 de dezembro de 2025

O que muda na formação de condutores agora: veja como era e como ficou

Com mudanças estruturais e sem período de transição, a Resolução 1.020/25 transforma todo o processo de formação de condutores no Brasil.


Por Mariana Czerwonka Publicado 10/12/2025 às 12h30
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formação de condutores CNH
Cargas horárias caem, surge o instrutor autônomo e o curso teórico ganha novos formatos. Foto: Foto: Félix Carneiro/Detran-TO

A publicação da Resolução Contran nº 1.020/2025, nesta quarta-feira (10), desencadeou uma verdadeira reviravolta no sistema de formação de condutores. Pela primeira vez, o Brasil abandona um modelo fortemente estruturado em cargas horárias rígidas, oferta exclusiva por CFCs e controle estatal direto sobre cada passo do candidato, e migra para um sistema híbrido, com múltiplos provedores, grande flexibilização e redução significativa de exigências mínimas.

A 1.020 revoga integralmente a Resolução 789/20 — aquela que, desde 2020, servia como espinha dorsal da formação. E não se trata de simples atualização, mas de uma mudança doutrinária sobre como o Estado entende seu papel no preparo de novos condutores.

Para o especialista Celso Mariano, do Portal do Trânsito e da Tecnodata, a ruptura é inegável.

“Está claro que o governo optou por um modelo de liberalização. Muitas exigências foram atenuadas e outras deixaram de existir. Mas, no trânsito, menos não é necessariamente mais. A formação precisa ser acessível, sim, mas não pode abrir mão do sentido público de educar para a segurança.”

O que realmente muda: uma radiografia minuciosa da nova estrutura

A seguir, detalhamos ponto a ponto as transformações.

1. Curso teórico deixa de ter carga horária mínima

Antes

45 horas-aula obrigatórias, com presença biométrica, aplicadas exclusivamente por CFCs.

Agora

A carga horária passa a ser livre, desde que todos os conteúdos obrigatórios sejam contemplados. O curso pode ser:

  • presencial; EaD síncrono;
  • EaD assíncrono;
  • ofertado por CFCs, entidades do Sistema S, escolas técnicas ou
  • pelo próprio órgão máximo executivo federal, de forma gratuita.

2. Redução drástica das aulas práticas: de 20 horas para 2 horas

Talvez o ponto mais sensível.

Antes

  • 20 horas mínimas para A e B
  • 15 horas para C, D e E
  • em veículo de autoescola com duplo comando
  • sempre com instrutor credenciado e biometria

Agora

  • 2 horas mínimas (categorias A e B)
  • 10 horas mínimas (C, D e E)
  • veículo pode ser do candidato
  • instrutor autônomo passa a existir
  • biometria permanece obrigatória

Na prática, o candidato pode fazer apenas duas horas de aula e ir ao exame — sem ter experimentado situações complexas como rótulas, aclives, baliza urbana real, tráfego denso, chuva ou condução defensiva contextualizada.

“Aqui está o ponto de maior preocupação técnica”, alerta Celso Mariano.

“A prática não é sobre aprender comandos básicos. É sobre desenvolver percepção de risco, antecipação de conflitos, leitura do ambiente. Isso não se constrói em duas horas.”

3. Mudança de filosofia: da rigidez para a autorregulação do candidato

O relatório comparativo mostra claramente a virada conceitual:

  • O Estado sai de um papel regulador-prescritivo e assume posição orientadora-normativa
  • enquanto o candidato ganha autonomia total para escolher quanto, como e com quem aprender.

Essa mudança tem benefícios — maior acesso, menor custo, ampliação da concorrência — mas também riscos.

Mariano sintetiza. “Flexibilizar não é errado. O problema é flexibilizar sem garantir que o candidato saiba avaliar o próprio preparo. A ilusão de economia pode transformar-se em risco.”

4. Instrutor autônomo

Pela primeira vez na história, instrutores podem atuar fora dos CFCs, de forma independente.

Isso altera:

  • o modelo de fiscalização;
  • o controle pedagógico;
  • a gestão da qualidade;
  • a relação comercial do setor.

A resolução não exige que o instrutor autônomo tenha estrutura pedagógica, plano de ensino, supervisão técnica ou veículos adaptados.

5. Veículos sem duplo comando nos exames

Outro ponto disruptivo: o candidato pode usar seu próprio carro ou moto no exame prático, mesmo sem duplo comando.

Eesse item aparece como uma ruptura com décadas de padronização de segurança na aprendizagem da formação de condutores. Mariano destaca a gravidade.

“O duplo comando não existe por capricho. É um mecanismo de proteção. Retirá-lo significa transferir ao instrutor — e ao candidato — riscos que antes eram mitigados pela tecnologia.”

6. Segunda tentativa gratuita e exame no mesmo dia

A resolução prevê duas inovações:

  • uma segunda tentativa sem nova taxa;
  • possibilidade de repetir o exame no mesmo dia, se houver vaga.

Como os Detrans vão aplicar: as primeiras reações

Detran/RS: cautela e alerta sobre falta de transição

  • reconhece a resolução;
  • inicia estudos técnicos;
  • destaca que não há período de transição;
  • alerta para impactos em CFCs, instrutores, sistemas e candidatos;
  • prioriza implementação segura.

O órgão ressalta a importância da inclusão social e democratização do acesso, mas reforça: é preciso tempo técnico.

Detran/PR: aplicação imediata, mas com regras provisórias próprias

O PR foi mais específico:

  • não será retroativo;
  • não se poderá cancelar processos para se adaptar;
  • mantém as 45 horas teóricas por 180 dias;
  • não altera estrutura dos CFCs por ora;
  • aplica imediatamente as novas cargas práticas (2h ou 10h), com biometria.

E o papel das autoescolas? O que a resolução muda e o que não deveria mudar

O relatório comparativo evidencia um ponto silencioso, mas crucial: a resolução retira centralidade dos CFCs no processo, mas não elimina sua relevância.

Pelo contrário — em um cenário de autonomia ampla do candidato, o papel educativo das autoescolas na formação de novos condutores torna-se ainda mais determinante para quem busca não apenas aprovação, mas segurança real.

As autoescolas continuam sendo o único ambiente preparado pedagogicamente para ensinar trânsito de forma profissional. Elas não apenas instruem: educam. E educação no trânsito não é opcional — é um bem público”, reforça Mariano.

Para o especialista, a sociedade corre o risco de interpretar a flexibilização da formação de condutores como sinal de que aprender a dirigir ficou “simples”. “Dirigir jamais será simples. Se reduzirmos a formação ao mínimo legal, veremos no médio prazo o reflexo disso nas estatísticas.”

O que esperar agora da formação de condutores

  • Estado e CFCs terão semanas turbulentas de adequação;
  • Portarias complementares devem surgir;
  • Estados tendem a criar transições próprias;
  • o debate sobre qualidade x acesso deve dominar o setor;
  • especialistas já apontam necessidade de revisão futura.

Mariano resume a tensão do momento. “É possível conciliar acesso, modernização e segurança. Mas isso exige diálogo, planejamento e responsabilidade. O trânsito não perdoa improvisos.”

Mariana Czerwonka

Meu nome é Mariana, sou formada em jornalismo pela Universidade Tuiuti do Paraná e especialista em Comunicação Empresarial, pela PUC/PR. Desde que comecei a trabalhar, me envolvi com o trânsito, mais especificamente com Educação de Trânsito. Não tem prazer maior no mundo do que trabalhar por um propósito. Posso dizer com orgulho que tenho um grande objetivo: ajudar a salvar vidas! Esse é o meu trabalho. Hoje me sinto um pouco especialista em trânsito, pois já são 11 anos acompanhando diariamente as notícias, as leis, resoluções, e as polêmicas sobre o tema. Sou responsável pelo Portal do Trânsito, um ambiente verdadeiramente integrador de informações, atividades, produtos e serviços na área de trânsito.

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