12 de dezembro de 2025

“Proposta do governo para flexibilizar formação de condutores é uma bomba-relógio”, alerta especialista

Diretor do Instituto Zero Morte critica plano de tornar autoescolas facultativas e afirma que medida contradiz o próprio Pnatrans.


Por Mariana Czerwonka Publicado 24/10/2025 às 12h30
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Assista aqui a íntegra da conversa entre Celso Mariano e Paulo Pêgas Ferreira, do Instituto Zero Morte.

Em entrevista ao especialista em trânsito Celso Mariano, Paulo César Pêgas Ferreira, diretor-presidente do Instituto Zero Morte para a Segurança em Transportes, fez uma análise contundente sobre a proposta do Ministério dos Transportes que pretende tornar facultativa a formação em autoescolas (CFCs) para obtenção da Carteira Nacional de Habilitação (CNH).

Conforme o governo, a medida tem o objetivo de reduzir o custo da CNH e facilitar o acesso da população à habilitação. Para Paulo Pêgas, no entanto, trata-se de uma proposta “infeliz, premeditada e incoerente com as políticas de segurança viária” que o próprio governo diz adotar.

“Essa proposta é uma bomba-relógio. Ela ignora completamente o conceito de Visão Zero e desmonta o único processo estruturado de educação para o trânsito que existe no país”, afirmou o especialista.

Contradição com o Visão Zero e o Pnatrans

Durante a entrevista, o presidente do Instituto Zero Morte explicou que a proposta de flexibilização contraria os fundamentos do Visão Zero — modelo internacional que orienta o Plano Nacional de Redução de Mortes e Lesões no Trânsito (Pnatrans), do próprio governo federal.

O Visão Zero parte da ideia de que nenhuma morte no trânsito é aceitável e que os sinistros resultam de múltiplos fatores, não de uma única causa. Para ilustrar, Paulo Pêgas utilizou a analogia do iceberg.

“O fator primário de um acidente é só a ponta do iceberg. Os 90% que estão submersos — os fatores secundários — são justamente o que o processo de formação tenta corrigir. Eliminar a obrigatoriedade das autoescolas é atacar o único pilar que ainda garante algum controle sobre esses fatores.”

Ele destacou ainda que o Instituto Zero Morte atua alinhado aos seis pilares do Pnatrans, reunindo profissionais de diversas áreas — Psicologia, Medicina, Engenharia e Direito — para propor soluções baseadas em ciência e não em improviso político.

“Dar CNH sem formação é como conceder porte de armas a quem nunca atirou”

Para dimensionar o risco da proposta, o especialista fez uma comparação direta entre a habilitação para dirigir e o porte de armas.

“Você está concedendo a um cidadão preparado ou não o porte de uma arma com poder de matar. Um carro, uma moto, um caminhão — o tipo de veículo define apenas o calibre dessa arma. É inconcebível que um governo rigoroso com o porte de armas queira ser permissivo com o porte de veículos.”

De acordo com Paulo Pêgas, permitir que o candidato estude por conta própria e apenas faça uma prova no Detran é uma falácia perigosa, que transforma a formação em um processo de memorização, e não de aprendizado real.

Ele alerta que, nesse modelo, o candidato pode simplesmente decorar o percurso do exame ou as placas, sem compreender aspectos cruciais como tempo de reação, espaço de frenagem e convivência segura nas vias.

Perda de padronização e “vícios de condução”

O especialista explica que as autoescolas garantem a padronização do ensino, seguindo normas nacionais de metodologia e avaliação. Com a flexibilização, o Brasil abriria espaço para uma pulverização de métodos, em que qualquer pessoa — um amigo, parente ou instrutor informal — poderia ensinar a dirigir à sua maneira.

“Isso vai multiplicar os vícios de condução e os comportamentos de risco. É o mesmo que permitir que pais eduquem seus filhos em casa sem currículo algum e depois esperem que passem no vestibular”, comparou.

Custo da CNH: o verdadeiro problema é a carga tributária

Paulo Pêgas também rebateu o argumento econômico que sustenta a proposta. Ele lembrou que, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), cada morte no trânsito custa ao país R$ 4,6 milhões, somando despesas com saúde pública, previdência e perda de produtividade.

“O ministro está olhando apenas para o preço que o cidadão paga na autoescola, e não para o custo bilionário que os acidentes geram à sociedade. É a ponta do iceberg”, afirmou.

De acordo com sua análise, entre 40% e 60% do valor de um curso de formação é composto por tributos. O especialista defende que o governo poderia zerar a carga tributária das autoescolas. Isso reduziria o preço final em até 60%, sem desmontar o sistema de formação.

“Se o governo quer baratear a CNH, que desonere o setor. É simples. O que não dá é sacrificar a segurança para fazer populismo barato”, criticou.

Projeções alarmantes: risco de 60 mil mortes por ano

Atualmente, o Brasil registra cerca de 40 mil mortes anuais no trânsito, considerando a subnotificação. A meta do Pnatrans é reduzir esse número para 17,5 mil até 2030, mas a tendência é inversa.

“Com a aprovação dessa proposta, podemos ultrapassar 50 ou 60 mil mortes por ano. É uma tragédia anunciada”, alertou o diretor do Instituto Zero Morte.

Segundo ele, 53% dos motociclistas que circulam no país já não possuem CNH, o que demonstra a fragilidade da fiscalização. Tornar a formação facultativa agravaria um problema que já é estrutural.

“Zero é o único número aceitável em mortes no trânsito”

Ao final da entrevista, Paulo Pêgas foi categórico ao afirmar que qualquer política pública que desconsidere o valor da vida está fadada ao fracasso.

“Não existe número aceitável de mortes. Zero é o único número possível. O resto é complacência.”

O especialista defende que a discussão sobre o preço da CNH deve dar lugar a um debate mais profundo. Ou seja, sobre educação, responsabilidade e prevenção, pilares que sustentam as metas do Pnatrans e do Visão Zero.

Assista à entrevista completa

A íntegra da conversa entre Celso Mariano e Paulo Pêgas Ferreira está disponível no canal do Portal do Trânsito no YouTube.

Assista agora à entrevista completa e entenda por que a flexibilização da formação de condutores pode colocar o Brasil no caminho oposto da segurança viária.

Mariana Czerwonka

Meu nome é Mariana, sou formada em jornalismo pela Universidade Tuiuti do Paraná e especialista em Comunicação Empresarial, pela PUC/PR. Desde que comecei a trabalhar, me envolvi com o trânsito, mais especificamente com Educação de Trânsito. Não tem prazer maior no mundo do que trabalhar por um propósito. Posso dizer com orgulho que tenho um grande objetivo: ajudar a salvar vidas! Esse é o meu trabalho. Hoje me sinto um pouco especialista em trânsito, pois já são 11 anos acompanhando diariamente as notícias, as leis, resoluções, e as polêmicas sobre o tema. Sou responsável pelo Portal do Trânsito, um ambiente verdadeiramente integrador de informações, atividades, produtos e serviços na área de trânsito.

1 comentário

  • ANDREIA DE BRITO DA SILVA OLIVEIRA
    11/11/2025 às 06:55

    Não tenho CNH / já pesquisei pra fazer uma
    O que. E pesado e taxas do Detran
    Pra passar no médico paga uma guia no Detran pra fazer teórico paga uma guia no Detran se reprova as taxas que que são caras Demas ,deveriam cortar essas taxas abusivas

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