Lei que permite condutor avançar sinal vermelho pode colocar pedestres em risco
Portal do Trânsito buscou entender quais os critérios que devem ser levados em conta para que a mudança imposta pela Lei 14.071/20 seja implantada com segurança.
Entre as diversas alterações que a Lei 14.071/20 trouxe ao Código de Trânsito Brasileiro (CTB), uma delas chama bastante atenção. O artigo 44-A passou a estabelecer que “é livre o movimento de conversão à direita diante de sinal vermelho do semáforo onde houver sinalização indicativa que permita essa conversão, observados os arts. 44, 45 e 70 deste Código”.
A mudança na legislação permite que o condutor avance o sinal vermelho – algo inédito nas normas de circulação no Brasil, mas que já é praticado em diversos outros países. As novas regras entraram em vigor em 12 abril. A placa que autoriza a manobra, porém, ainda não foi regulamentada pelo Conselho Nacional de Trânsito (Contran).
Além disso, outro ponto que merece atenção é o fato de o artigo 44 também ressaltar a precaução que os condutores devem tomar. “Ao aproximar-se de qualquer tipo de cruzamento, o condutor do veículo deve demonstrar prudência especial, transitando em velocidade moderada, de forma que possa deter seu veículo com segurança para dar passagem a pedestre e a veículos que tenham o direito de preferência”, diz.
Mesmo assim, essa permissão suscitou o debate de especialistas, porque alguns fatores decisivos devem ser levados em conta. A prefeitura de Curitiba, por exemplo, testou implantar a sinalização para a direita livre em alguns pontos da cidade, mas precisou voltar atrás.
Procurada pela reportagem do Portal do Trânsito, a prefeitura informou, por meio da Superintendência de Trânsito (Setran), que “durante o período de testes o maior problema foi conflito com os pedestres”.
Fase de Testes
Atualmente, o Distrito Federal tenta a mudança também em fase de testes. Segundo o Departamento de Trânsito do Distrito Federal (Detran-DF), a sinalização teste de livre conversão à direita está em três pontos na via L2 Sul, na Asa Sul. O Departamento informou que, após estudos técnicos, os pontos escolhidos foram os acessos das entrequadras 402/403, 407/408 e 412/413 sul.
Os estudos consideraram o fluxo de veículos, de pedestres e a geometria da via, entre outros requisitos. O gerente de engenharia do Detran/DF, Bruno Aurélio, informou que há expectativa de aplicar essa mudança em outros pontos do DF. Ele garantiu que sempre serão realizadas análises técnicas antes para que a mudança seja realizada com segurança.
O diretor-geral do Detran-DF, Zélio Maia, explicou em um vídeo, que você pode ver abaixo, que é importante promover a facilidade no tráfego dos veículos. Ele lembra, porém, que a preferência de travessia é sempre do pedestre e do ciclista.
“O motorista deve ter atenção, reduzir a velocidade, de forma que possa parar o veículo com segurança para dar passagem a pedestres e ciclistas que porventura estejam atravessando a via”, ressalta Maia.
Assista!
O que os Detrans dizem sobre a livre conversão à direita
A reportagem entrou em contato com os Departamentos Estaduais de Trânsito de todo o país. O objetivo foi entender como eles avaliam a mudança na legislação, levando em conta a segurança do pedestre nessas localidades e outros quesitos técnicos.
Veja o posicionamento de cada estado abaixo:
Acre
A equipe técnica do Detran/AC não vê problema em relação à possibilidade de fazer a conversão à direita. Porém, deve-se condicionar à sinalização de trânsito no local. Os locais onde houver essa possibilidade de conversão devem ser avaliados previamente pela a equipe de engenharia de trânsito. O setor irá verificar se existe a possibilidade de conversão e, posteriormente, sinalizará o local.
Alagoas
O Departamento Estadual de Trânsito de Alagoas (Detran/AL) informou que pode avaliar os cuidados após a devida sinalização. Segundo o chefe de segurança de trânsito do órgão, Renan Filho, a lei formalizou algo que várias cidades por todo o mundo praticam.
“Esses locais específicos precisam ser estudados, sinalizados e justificada a necessidade dessa conversão livre à direita. E quando o condutor fizer o movimento, ele precisa observar a passagem de pedestres, que continuam tendo absoluta prioridade”, disse.
O chefe ainda explicou quais problemas podem surgir com essa mudança. “Às vezes o condutor está na faixa da direita, mas não tem o interesse de virar à direita, ele quer seguir reto. Isso pode gerar alguns atritos e incômodos. O mais importante, porém, é que pode passar uma sensação, dentro da nossa cultura brasileira, que o livre é livre mesmo, e o condutor pode entrar aonde quiser, de qualquer jeito, e não é assim. A prioridade é do pedestre”, opinou.
Amazonas
De acordo com Wendell Menezes, Controlador Regional de Trânsito do Detran/AM, por mais que tenha a possibilidade de conversão à direita, o condutor precisa sempre se atentar para as normas de circulação e conduta previstas nos artigos 44, 45 e 70 do CTB.
Segundo ele, os condutores devem se atentar sobre a passagem. Caso o pedestre já tenha iniciado a travessia, cabe ao condutor aguardar a conclusão, pois o pedestre tem a prioridade de passagem.
Deve-se verificar também se não vai ter nenhuma interrupção que possa causar a imobilização do veículo causando o congestionamento da via, obstruindo ou impedindo a passagem do trânsito
Paraná
O trânsito seguro é de responsabilidade de todos os usuários da via. E, seguindo pela linha do “tripé do trânsito seguro”, que envolve a Engenharia, Educação e o Esforço Legal, é notório que são necessárias muitas ações para que possa ser viabilizada a livre conversão. Desde a regulamentação da sinalização, as campanhas educativas e até mesmo a fiscalização dos condutores que coloquem em risco os pedestres, ciclistas e condutores.
Havendo a regulamentação de uso desta solução trazida pela Lei 14.071/2020, o Detran-PR irá definir as ações necessárias no processo de formação e atualização dos condutores. Assim como as ações de educação de trânsito.
Rio Grande do Sul
O Detran/RS informou que é fundamental lembrar que toda mudança na sinalização impacta na cidade e na mobilidade. Por essa razão, deve vir acompanhada de um trabalho educativo. As cidades devem ser territórios educativos e cada município deve desempenhar seu papel educador.
Nesse sentido, toda oportunidade para sensibilizar e oportunizar a conscientização das pessoas com vistas a adoção de atitudes e comportamentos seguros deve ser aproveitada pelos gestores, contribuindo para tornar as cidades aprazíveis e acolhedoras. Para tanto, são imprescindíveis investimentos em infraestrutura, orientação e sensibilização de todos, bem como fiscalização a serviço da preservação da vida.
Ainda, se por um lado, os condutores têm papel fundamental em preservar a incolumidade do pedestre, sendo cuidadosos em relação a eles, por outro, o pedestre deve fazer a sua parte, utilizando os mecanismos e dispositivos de segurança disponibilizados. Por exemplo: passarelas, faixas de travessia e semáforos.
Pedestres e motoristas devem aliar-se no trânsito. À medida que a pessoa for educada para o trânsito enquanto cidadã, independente do papel desempenhado, maiores são as condições de assumir uma postura coerente e respeitosa aos demais.
Sempre devemos ter em mente que todos somos pedestres! Por isso, se a sinalização de livre movimento de conversão à direita pretende proporcionar fluidez aos veículos, é notório que essa mudança trará impactos para a mobilidade e a segurança do pedestre. É preciso avaliar a mudança, inclusive com relação às prioridades estabelecidas para a cidade.”
Rondônia
O Detran/RO, por meio da Diretoria Técnica de Fiscalização e Ações de Trânsito, afirmou ter entendido que o legislador buscou dar maior fluidez ao trânsito de veículos. Contudo, condicionou a permissão para ser fazer conversão à direita mesmo com o sinal vermelho à devida sinalização, a qual estendemos que deverá ser abrangente. Isto é, a sinalização deve ser perceptível não só pelo condutor esclarecendo a possibilidade de fazer a conversão à direita mesmo no sinal vermelho, como também aos pedestres alertando-os da possibilidade de veículos realizarem conversão à direita. Nesse sentido, o objetivo é garantir maior segurança.
Em Porto Velho, por exemplo, a maioria dos semáforos são duplos. Ao passo que o primeiro sinaliza a cor vermelha o segundo pode sinalizar em verde uma seta indicativa à direita. Dessa forma, permitindo tal conversão por determinado tempo. Sendo facilmente perceptível tanto pelo condutor como também pelo pedestre que fica mais atento à travessia pela faixa destinada a ele.
Por derradeiro, acreditamos que as ações de educação de trânsito de todos os órgãos executivos de trânsito já estão abordando este tema. Além disso, entendemos ainda que os órgãos responsáveis pelas vias devem também realizar campanhas publicitárias de âmbito local alertando os munícipes acerca de tal procedimento.