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CFC: o que cai na prova do Detran determina o conteúdo a ser ensinado


Por Mariana Czerwonka Publicado 12/08/2020 às 21h00 Atualizado 08/11/2022 às 21h45
 Tempo de leitura estimado: 00:00

A seção “Para o seu CFC” tem como objetivo analisar impactos de pontos do processo de formação de condutores e da educação para o trânsito.

O Portal do Trânsito tem publicado na seção “Para o seu CFC”, opinião e análise, a fim de contribuir para uma melhor compreensão do significado e dos impactos dos pontos falhos do processo de formação de condutores, na educação para o trânsito e, por extensão, na mobilidade de forma geral.

Este post complementa a publicação de 11/03/20, em que foram abordados aspectos didáticos do uso de questões de múltipla escolha de 5 alternativas. Leia aqui! 

Somos um país que não permite a qualquer um conduzir veículos automotores. Desde a primeira versão do nosso “código de trânsito”, em 1941, uma série de requisitos têm sido exigidos para que o estado conceda ao cidadão uma habilitação. Desde o atual Código, o CTB, em vigor desde janeiro de 1998, um curso e um exame teórico passou a fazer parte do Processo de Formação de Condutores.

Múltipla escolha

Por questões operacionais e logísticas, dado o grande número de interessados em obterem a CNH, as provas relativas ao conhecimento teórico exigido dos candidatos são realizadas no formato “múltipla escolha”, o que permite correções em lote, automatizadas.

Ao longo destas duas primeiras décadas de vigência do CTB, assistimos uma “evolução” lenta e mal orquestrada de provas aplicadas em papel que evoluíram  – não completamente – para exames em terminais de computador nos DETRANs, e que agora rumam para um futuro não muito distante em que o candidato poderá realizar a prova em sua casa, como aponta uma experiência em curso do Rio Grande do Sul (leia aqui).  Mas não sem problemas, dúvidas e críticas de toda ordem, desde os aspectos legais como a verificação biométrica do aluno, até a qualidade do banco de questões utilizado pelos DETRANs.

“O fato é que ainda hoje falhamos neste quesito que é de fundamental importância para a qualidade do processo de formação como um todo”, afirma Celso Alves Mariano, especialista e educador de trânsito.

“Os bancos de questões utilizados deixam muito a desejar. Mas poderiam contribuir muito para garantir uma qualidade em bom nível, na medida em que perguntas inteligentes levam a uma melhor qualificação dos cursos oferecidos”, afirma.

Mariano diz que esse fenômeno da influência do que é cobrado nas provas sobre o que é ensinado nas aulas, afeta inclusive a educação formal.

“O vestibular, e mais recentemente o ENEM, têm moldado não só como os assuntos são tratados nas aulas do ensino médio, mas também o próprio currículo. O que nunca é cobrado nos exames de ingresso das universidades, tende a não ser mais ensinado ao alunos”.

O especialista destaca, porém, que o pior aspecto deste mecanismo é a má influência que provas ruins causam nas aulas dos cursos teóricos de trânsito. “Perguntar o que é CONTRAN, por exemplo, é pertinente, mas de importância quase nula se compararmos a perguntar sobre normas de circulação. Além de perguntas pouco relevantes, encontra-se com facilidade questões mal construídas, com erros ou, ainda, verdadeiras pegadinhas. Tudo isso rouba tempo e energia dos instrutores que acabam tendo que trocar o foco do que é importante, pelo preparo para que seus alunos não se saiam mal na prova. Nessa toada, o propósito de formar um bom condutor para o trânsito acaba ficando em segundo lugar, e sujeito diretamente ao que cai em prova. Uma lástima”, avalia.

Efeitos da prova na qualidade de ensino

Considerando que a maior motivação para o aluno estudar (ainda) é saber o que “cai na prova”, e que este é um mecanismo natural e inevitável, como aproveitar este hábito em benefício do próprio candidato?

“Só há uma resposta: qualificar as provas”, afirma Mariano. “O que cai na prova determina o que o CFC vai ensinar e o que o candidato irá se dedicar a estudar. Perguntas ruins, fracas e mal formuladas levarão a uma formação RUIM. Perguntas inteligentes, bem formuladas, que estimulem o aprendizado, resultarão em uma BOA formação.”

O que é uma questão de boa qualidade?

No artigo Questões desatualizadas e “decoreba” atrapalham a formação de condutores no Brasil (leia aqui) você encontra boas referências do que é uma avaliação de boa qualidade.

Correção automatizada

A automação da correção das provas, o principal motivo pelo qual foi estabelecido o formato múltipla escolha como padrão para os exames teóricos nos DETRANs, poderia muito bem ser igualmente atendida com questões de Verdadeiro e Falso, por exemplo.

Os aspectos didáticos parecem ter ficado em um segundo plano quando da definição dos critérios e avaliação. Porém, a Resolução 789 /20 que consolidou as Res 168 e 358, traz em seu ANEXO II, como definição para o formato de avaliação no exame teórico, perguntas com 4 opções de resposta, apenas.

Segundo Mariano, ainda dentro das possibilidades de correção automatizada, melhoras podem ser feitas. Ele afirma que muitas perguntas são ruins porque o autor teve que encaixar o que se pretendia avaliar, neste formato de quatro ou cinco alternativas. Porém muitos assuntos seriam melhor abordados em um formato mais simples e direto, como por exemplo apontar entre duas afirmativas qual corresponde a decisão mais correta a ser tomada pelo condutor. E ilustra:

Em um cruzamento em que o semáforo parou de funcionar, o condutor deve saber que:

(  ) neste caso passa a valer a regra de cruzamento sem sinalização.

(  ) não há regra a ser seguida.

Note que para responder esta questão, o aluno/candidato precisa relembrar os conceitos de sinalização e de regras de circulação. É uma questão que pode perfeitamente ser feita no formato Assinale a alternativa correta (com apenas duas opções) ou Verdadeiro/Falso.

“Estarão preservados os objetivos de fazer o aluno pensar, levando-o a relembrar os conceitos estudados e a imaginar a dinâmica das hipóteses apresentados. Dessa forma, ele chegará a uma conclusão que colabore para consolidar um pensamento sintonizado com o propósito de entender que dirigir não é apenas saber controlar o veículo”, diz Mariano.

O especialista demonstra também como que uma boa questão, como essa, pode ficar prejudicada quando se tenta “encaixá-la” no padrão múltipla escolha de 4 ou 5 opções:

Em um cruzamento em que o semáforo parou de funcionar, o condutor deve saber que:

a) (  ) neste caso passa a valer a regra de cruzamento sem sinalização.

b) (  ) não há regra a ser seguida.

c) (  ) a preferência será de quem chega pela esquerda.

d) (  ) alguém precisa assumir o papel de agente de trânsito.

e) (  ) é preciso esperar a presença de um agente de trânsito.

Assim essa questão ainda é viável, mas as opções adicionais, especialmente d) e e), podem facilmente se revelarem meio absurdas. Nesse caso, denunciam que devem ser desprezadas, desqualificando o momento da prova e gerando uma perda de tempo e energia mental, tanto para quem elabora a questão, como para quem está sendo avaliado.

Outro exemplo:

Para verificar se o aluno entende o placa A-2b (curva à direita), no formato Verdadeiro/Falso, poderíamos ter:

– Ao perceber esta placa na via (A-2b), o condutor deve preparar-se para fazer uma curva à direita. (V)

Ou:

– Ao perceber esta placa na via (A-2b), o condutor deve posicionar-se mais à direita da via. (F)

É comum em questões que envolvam significado de placas, o autor da pergunta ceder à tentação de inserir alternativas do tipo “curva à esquerda” ou “obrigatório virar à direita”, comprometendo a qualidade da questão.

A qualidade mínima necessária

Tal qual acontece em qualquer processo de ensino que se pretenda efetivo e útil, aquilo que está sendo ensinado para os futuros condutores, precisa ter estreita e direta correlação com o dia a dia do trânsito e da mobilidade.

Se o que cai na prova dá referências, direciona e até limita o que vai ser ensinado aos alunos, cabe aos profissionais da área, instrutores e diretores de autoescolas, exigirem do seu Detran questões com melhor qualidade. É preciso valorizar este momento e torná-lo melhor.

“O momento da prova é, ainda, um momento de aprendizagem. Muitas vezes, é o momento mais importante do processo de ensino/aprendizagem. É nesse instante que o aluno conclui que a questão proposta tem aquela determinada resposta como correta. E assim, ele está consolidando um conceito avançado, composto de pequenos conceitos básicos que precisou verificar e confirmar como válidos para construir o entendimento que o levou a decidir por tal resposta. Nesta hora, a mágica do entendimento e da compreensão, acontece. Aí está a importância indispensável de se propor boas questões aos alunos”, diz Mariano.

Qualidade no processo

Poucos são os aspectos que realmente contribuem para a qualidade do processo de formação. Boas questões, certamente contribui de forma positiva e construtiva. Porém questões de baixa qualidade tem o estranho poder de piorar o cenário. Compreender tudo isso certamente coloca a luzes neste assunto tão mal cuidado dentre os inúmeros aspectos do processo de formação de condutores.

Mariano ainda pondera: “Fazer pensar é a principal motivo de se fazer perguntas. Desde Sócrates, não inventaram nada mais efetivo para a aprendizagem”.

Saiba mais:

Questões em Vídeo – já estão disponível para os clientes Tecnodata das linhas Transitare, Condutor Nota 10 e Linha Tradicional. São sete programas com a análise e resolução de questões típicas utilizadas pelos DETRANs de todo país. Conheça os vídeos-piloto do Questões em Vídeo clicando aqui.

Ainda não é cliente? Ligue 0800 600 1800

Programa Nós do Trânsito – Edição 27 – Celso Mariano e Rodrigo Santos abordam o tema qualidade das questões das provas dos DETRANs

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