Artigo – Planejamento, liderança e confiança
J. Pedro Corrêa comenta sobre três alicerces de um bom projeto – planejamento, liderança e confiança – para colocar em prática o plano nacional de redução de vítimas do trânsito.
J. Pedro Corrêa*
Por que tantas coisas no Brasil não dão certo? Como explicar que existem algumas leis que “pegam” e outras que “não pegam”? No trânsito temos visto inúmeros exemplos ao longo dos anos. O próprio sistema de trânsito do país é um exemplo acabado de como certas coisas não andam na velocidade correta e, em alguns casos, têm até retrocessos. Já foi pior no passado, mas ainda hoje continuamos sendo o país do jeitinho. Mais lamentável: ainda achamos o jeitinho “criativo”.
Se reuníssemos um grupo de notáveis para discutir saídas para o trânsito brasileiro, imagino que três elementos estariam bem no centro das discussões: liderança, planejamento e confiança. Liderança é peça-chave para a montagem e desenvolvimento de um plano de ação; planejamento é a essência para estabelecer o caminho a ser percorrido, antever possíveis obstáculos e ultrapassá-los e confiança é a parte indispensável para quem participa de projetos. A falta de um destes elementos pode levar qualquer projeto ao fracasso.
Importante dizer que já chegamos a ter bons projetos para fazer funcionar o nosso Sistema Nacional de Trânsito mas, infelizmente não foram em frente.
A melhor chance que tivemos foi proposta por Ailton Brasiliense, nomeado Diretor Geral do então Denatran, hoje Senatran, com sua Política Nacional de Trânsito, em 2004. Documento objetivo, 36 páginas, com um diagnóstico preciso do ambiente do trânsito, uma definição clara de integração operacional entre todos os membros do Sistema Nacional de Trânsito e – tão importante quanto as outras partes – um plano de metas claras de redução de fatalidades por um período de 10 anos, isto é, de 2004 até 2014.
Depois deste PNT, lembro de alguns movimentos mobilizando especialistas da área para formular um amplo programa nacional de trânsito. Eu próprio cheguei a participar de um deles. Como os demais, porém, foi parar nas gavetas da Casa Civil da Presidência da República e de lá nunca mais saiu.
Insisto neste ponto para salientar que não podemos desistir de dotar o Brasil de um programa sério, consistente e permanente de segurança no trânsito. Um país que está entre os maiores do mundo, uma sociedade que, apesar de todas as dificuldades, consegue manter viva uma economia entre as principais do planeta, não pode se conformar um trânsito tão violento como o nosso. Contudo, é bom ficar claro: não é apenas pelo país – é pelo nossos filhos e netos!
Atualmente, depois de muitos anos, o país, de novo, tem uma proposta coerente de amplo programa de redução de vítimas de sinistros de trânsito. A proposta se chama Pnatrans.
Já comentei antes: trata-se de um projeto bem elaborado, com bastante consistência. Além disso, com começo, meio e um enorme desafio: não tem dinheiro do governo federal para ajudar estados e municípios! Programas de segurança no trânsito não são, necessariamente caros, mas algum recurso tem de haver. Assim, o que se pode ver é o comando da Senatran se desdobrando em esforços para “vender” o Pnatrans nos estados. Oxalá tenha sucesso!
Se meu raciocínio estiver correto e o tripé de um bom projeto de trânsito depender mesmo de liderança, planejamento e confiança, significa então que o Pnatrans já está pronto para provocar resultados?
Não tenho certeza, ainda!
A liderança da Senatran no SNT é inquestionável. Ela é a instituição executiva líder do trânsito no Brasil que, inclusive, subiu um degrau na hierarquia governamental ano passado. Saiu de departamento para secretaria do Ministério de Infraestrutura. O plano de ação é a parte forte do programa pois foi produzido por muitas mãos, com especialistas de diversas áreas de todo o país e isto é importante. Na minha opinião, falta agora ganhar a confiança da sociedade que deve cooperar com os governos locais para o atingimento dos objetivos do Pnatrans. Esta é a parte complicada do processo.
Se estou bem percebendo, a Senatran, por enquanto, está procurando garantir os apoios dos Cetrans e dos Detrans nos estados, o que parece estar sendo conseguido.
O mais importante vem depois. E será quando chegar o momento de conseguir a adesão dos municípios que, na verdade, querem realizar seus programas de segurança no trânsito mas não encontram o dinheiro para isto.
Nos poucos municípios que já conseguiram bons resultados iniciais com seus programas, houve uma ajuda apreciável de ONGs com ligações internacionais. Nesse sentido, graça a seus saberes, conseguiram fincar a bandeira da segurança no trânsito onde já trabalharam. Estas instituições continuam ajudando nossas cidades a montarem programas consistentes. E, nesse sentido, serão vitais para que outras cidades consigam moldar suas atividades e engrossar este pelotão de frente dos municípios brasileiros.
Há algumas semanas, a Senatran coordenou o primeiro curso para 150 especialistas sobre como adaptar nosso país para aplicar aqui os conceitos da Visão Zero, da Suécia. Isso representa outra contribuição de grande poder para dar maior robustez ao programa brasileiro. Este curso precisa ser repetido outras vezes para treinar muito mais gente. A ponto de criar maior massa crítica para todas as regiões do País e para que muito mais cidades participem da grande mobilização nacional.
A afirmação da liderança da Senatran dependerá muito de como o Pnatrans vai se disseminar pelo país. A confiança da sociedade, por sua vez, vai resultar da habilidade da nossa principal agência de trânsito em envolver todos os segmentos da sociedade em prol do objetivo único de baixar drasticamente a sinistralidade no nosso trânsito. Não é um sonho impossível mas exigirá muito do conjunto de protagonistas que hoje se dedicam a este desafio assim como de toda a sociedade. Boa sorte a todos!
*J. Pedro Corrêa é consultor em programas de segurança no trânsito