Artigo – Visão Zero chegou
J. Pedro Corrêa aborda o sucesso do primeiro curso sobre a Visão Zero, da Suécia, realizado no começo de fevereiro e levanta questes sobre sua continuidade.
J. Pedro Corrêa*
O Brasil começou a conhecer o melhor programa de segurança no trânsito do mundo, o sueco Visão Zero, iniciado pelo governo da Suécia durante a década de 1990. De fato, ele não é propriamente um ´programa´ mas um conceito de segurança no trânsito, engenhosamente concebido, que envolve todos os segmentos da sociedade sueca na busca de um objetivo comum: a fatalidade zero no trânsito.
Nos primeiros 10 dias de fevereiro cerca de 150 brasileiros, de órgãos de governo, setor privado, academia, entidades da sociedade civil, ONGs, de todas as regiões do país, ficaram grudados aos seus computadores acompanhando palestras e debates com executivos suecos procurando entender o que é o Visão Zero e como o Brasil pode adaptá-lo à realidade nacional.
Ao final de cada manhã, um espaço de tempo era reservado para responder perguntas e esclarecer as muitas dúvidas dos brasileiros que, obviamente tinham dificuldades de visualizar um sistema de segurança, aparentemente complexo, diferente do que pregamos por aqui, mas concebido de forma muito simplista.
Tão simplista que, quando foi lançado, chegou a ser motivo de chacota em vários países que nele viam nada mais que “mais uma utopia sueca”. Depois, todos mudaram de ideia.
O curso, organizado pela Senatran junto com o governo da Suécia, foi bastante completo. Ele foi desenhado sob medida para caber em 10 manhãs de apresentações online, de forma interativa.
A Senatran, Secretaria Nacional de Trânsito, está de parabéns por este começo, bem sucedido. Daniel Mariz Tavares, diretor do departamento de segurança no trânsito da Senatran, me confirmou que o curso recebeu muito boa avaliação pelos participantes.
Conversei com alguns deles para sentir a análise de conteúdo apresentado e esta não poderia ser mais positiva. “Excelente”, “muito bom”, “o melhor que já participei em toda minha vida”, foram alguns dos comentários. Não é de estranhar. Quase tudo nele é novo, as peças se encaixam surpreendentemente bem neste mosaico e o resultado é incrível. É o jogo do ganha-ganha.
O ponto forte da mensagem dos suecos da Vision Zero Academy, da Suécia, é a valorização da vida, defendida já na apresentação do programa quando afirma que “nenhuma morte ou ferimento grave no trânsito é aceitável”.
Chamou a atenção dos participantes, a inovação das soluções no campo da infraestrutura. Quando sentiram que, apesar dos avanços da tecnologia em todos os campos, o homem continuará cometendo erros, os suecos partiram para uma reação radical mas lógica: “já que não dá para mudar o homem, vamos mudar a infraestrutura e, assim, impedi-lo de matar e morrer no trânsito”. Parecem estar no caminho correto pois, com população de 10 milhões de habitantes e uma frota de perto de 5 milhões de veículos, o número de mortos que era 600 em 1997, ano passado estava próximo de 200.
Para nós, o importante é comemorar que a primeira turma de técnicos e executivos do trânsito tenha entrado no jogo e “comprado” a proposta do Visão Zero. Como disse antes, não estamos acostumados a trabalhar com propostas desta envergadura. E, talvez, até duvidássemos que isto seria possível mas, pelo jeito, este grupo já saiu convencido de que sim, a fatalidade zero é possível.
Agora vem a fase mais difícil: como aplicar isto no Brasil, em uma realidade tão diferente? Chegou a hora da verdade!
Didi, famoso jogador de futebol do Fluminense e da seleção brasileira, é autor de uma frase que ficou célebre no país: “treino é treino, jogo é jogo”, alertando que, na hora de colocar a bola em jogo, a coisa muda de figura e não é tão fácil quanto parece. Por isso, a comemoração sobre este primeiro curso bem sucedido do Visão Zero é correta. É bom lembrar, porém, que se trata, apenas, do início de um longo caminho cujo fim ainda é muito difícil de ver.
Temos de levar em conta que a Suécia está a caminho da fatalidade zero há mais de 50 anos (seu primeiro grande movimento foi em setembro de 1967), investindo muito ao longo do tempo e – importantíssimo – já contando com um sistema educacional de primeira, com suporte de universidades, entidades científicas de alto nível e, principalmente contando com governos que, um a um, deram grandes impulsos para que o país chegasse ao nível de hoje.
Universidades suecas têm dado grandes contribuições à Suécia e à União Europeia que custeia as pesquisas e as coloca à disposição dos demais países-membros. Instituições de pesquisas em trânsito e transporte existem há dezenas de anos; entidades de voluntários atuam em todas as cidades; grupos de motoristas abstêmios, motoristas “verdes” atuam em toda as partes e isto tudo junto ajuda a fazer grande diferença.
Procuro mostrar estes dados para chamar a atenção de que nosso caminho para a Visão Zero é muito longo. Além disso, precisaremos ter muito preparo, determinação e paciência para ir em frente.
Demos o primeiro passo e isto já é importante mas, foi só o primeiro passo. Nada, ainda, de “já ganhou”!
Oxalá a Senatran imponha um plano sólido para continuar este programa de formação de tal forma que seja continuado no governo que assumir ano que vem e esta é uma das dúvidas mais angustiantes. Continuidade, principalmente na mudança de gestão, não é algo comum no nosso país. O que nos resta, então, é fazer o melhor que pudermos agora e depois, torcer para que continue. Não é pedir muito mas já será o bastante!
*J. Pedro Corrêa é consultor em programas de segurança no trânsito