Artigo – Viva as mulheres
J. Pedro Corrêa aborda o papel das mulheres no trânsito brasileiro com uma pergunta pertinente: por que não temos mais mulheres em postos de comando do nosso trânsito?
J. Pedro Corrêa*
Na terça-feira, 8 de março, o Brasil e o mundo comemorarão mais um Dia Internacional da Mulher. Como nos anos anteriores vão se repetir os cumprimentos, os elogios e a defesa “intransigente” dos direitos das mulheres, principalmente na igualdade de trabalho e de salários com os homens.
Oxalá tenhamos algum progresso mais expressivo este ano.
Para não ficar repetindo mesmices de outros anos, quero aproveitar este espaço para abordar o papel da mulher no trânsito, notadamente na gestão do direito de ir e vir. Vale reforçar que, no que respeita à condução de veículos, parece inquestionável o reconhecimento de que as mulheres são mais responsáveis e se comportam melhor que os homens.
No começo deste ano, elas eram mais de 27 milhões de motoristas no Brasil, donas de pouco mais de um terço das CNHs emitidas pelo Denatran, hoje Senatran. Quase sete milhões delas pilotam motos.
O Presidente da Abramet, Associação Brasileira de Medicina do Tráfego, Antonio Meira Junior, disse recentemente que “a mulher é mais cuidadosa no trânsito, mais atenta aos limites de velocidade e mais prudente na direção. Essa postura contribui decisivamente para a prevenção de sinistros e deveria ser adotada por todas as pessoas”.
Saí a campo para pesquisar como estão, hoje, as mulheres em relação ao gerenciamento, isto é, se estão chegando aos postos de comando dos órgãos de trânsito para medir se a igualdade está efetivamente ocorrendo. Embora não se fale ainda de paridade na distribuição dos cargos de direção, deve-se reconhecer que houve progresso nos últimos tempos.
Vejam o que levantei no Sistema Nacional de Trânsito:
O antigo Denatran, substituído agora pela Senatran, teve, em toda sua história de 55 anos, apenas uma diretora mulher, a arquiteta Rosa Cunha, do Pará, que ficou no posto alguns meses, em 2002, sendo substituída por outra mulher, Rita Cunha, que ocupou o cargo até a chegada de Ailton Brasiliense, no começo de 2003, já na gestão Lula. Nos conselhos estaduais de trânsito, Cetrans, temos 5 mulheres no comando (Acre, Amapá, Bahia, Mato G. do Sul e Minas Gerais).
A Maria Cristina Andrade, diretora da Associação Nacional de Detrans, me informa que dos 27 diretores gerais atuais de Detrans, 4 são mulheres (Acre, Sta. Catarina, Sergipe, Pará). Duas outras “atuam como tal”, acrescenta. Já o Luiz Carlos Mantovani Néspoli, o Branco, da ANTP, que coordena o Fórum dos Secretários de Trânsito e Transporte, me informa que “dos 253 secretários que temos contato direto, 27 são mulheres“. Nas ONGs voltadas ao trânsito sentimos uma escassez bastante grande de lideranças máximas femininas.
O destaque, sem dúvida, é a Vida Urgente, da Fundação Thiago Gonzaga, de Porto Alegre. A ONG é comandada pela arquiteta Diza Gonzaga que é, também, diretora de relações institucionais do Detran-RS.
Este panorama acima pode não parecer tão bom quanto o que gostaríamos mas já foi bem pior no passado. Milito na área do trânsito há mais de 30 anos. E, de longe, este é o cenário mais promissor que já vi, ainda que os números não sejam tão expressivos. Julgo promissor porque as experiências que forem bem sucedidas com lideranças femininas de agora poderão se multiplicar num futuro próximo. É sinal de que nosso trânsito consegue avançar com o tempo, mesmo não sendo na velocidade mais acelerada.
Estamos assistindo lideranças femininas crescendo no Brasil e ganhando cada vez mais destaque pelo mundo afora em todos os campos.
Por que não estimular o surgimento de mais mulheres no comando de órgãos de trânsito?
Podemos ter boas surpresas, como aliás, já estamos tendo em algumas cidades gerenciadas por elas. Precisamos melhorar nossa capacidade de avaliação. Além disso, aprender com nossas experiências, tirar boas e oportunas lições para projetar um melhor gerenciamento futuro do trânsito. Com tantas e boas perspectivas pela frente, com tantas novidades tecnológicas sendo implementadas a cada dia, por exemplo, está cada vez mais difícil formular prognósticos para o futuro imediato do planeta.
Se os ingleses elegeram Margareth Tratcher Primeira Ministra para comandar o Reino Unido. Além disso, se os alemães entregaram o destino do país nas mãos de Angela Merkel, só para citar dois exemplos mais recentes, por que não podemos delegar a gerência do trânsito brasileiro a mulheres competentes? Elas poderão impor um novo olhar, uma nova sensibilidade sobre nossos centros urbanos, cada vez mais caóticos?
Quando levantei este tema para um alto executivo que já esteve no andar de cima do nosso trânsito, ele respondeu: “Não há porque não tentar! Afinal, ao longo das últimas décadas, conhecemos inúmeras maneiras de COMO AS COISAS NÃO FUNCIONAM. Agora, parece ter chegado a vez de buscar outras alternativas, mais interessantes”.
Encerrando, uma rápida história para exemplificar esta ideia.
No início do Governo Antonio Britto, no Rio Grande do Sul (1995-1990), o então secretário da Segurança Pública, José Fernando Eichenberg contratou o Instituto Nacional de Segurança no Trânsito, dirigido por Roberto Scaringela para criar o que se convencionou chamar de Novo Detran do RS. Scaringela escalou para a missão a pedagoga e neurolinguista Nereide Tolentino que prestava consultoria ao INST, em São Paulo.
Depois de ano de trabalho árduo, intenso em desenhos, bem como ajustes e negociações, nasceu o Novo Detran-RS. Com status de entidade autárquica, dotada de autonomia administrativa e financeira. Hoje, depois de mais de duas décadas, muitos ainda o apontam como o melhor Detran do Brasil. Um exemplo de liderança feminina e de competência que pode, muito bem, ser aplicado pelo país afora.
*J. Pedro Corrêa é consultor em programas de segurança no trânsito