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13 de dezembro de 2024

Uso de rebite eleva a insegurança nas rodovias brasileiras


Por Mariana Czerwonka Publicado 18/10/2013 às 03h00 Atualizado 08/11/2022 às 23h27
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Uso de rebite

Fazer mais de 1,5 mil quilômetros em menos de um dia foi o tema que tornou o filme Corrida contra o Destino, da década de 1970, um cult entre os cinéfilos. A estratégia para tentar superar o desafio, adotada pelo personagem Kowalski, motorista de um Dodge Challenger, é se entupir de anfetaminas. Apesar de ser uma obra de ficção, situações parecidas são verificadas nas estradas brasileiras constantemente. No cenário nacional, essa prática é frequentemente vinculada aos caminhoneiros, e as anfetaminas são mais conhecidas pelo seu popular apelido: rebite.

São inúmeras as dificuldades para combater o uso dessa droga, entre as quais estão a limitação do número de policiais rodoviários e a dificuldade para confirmar o consumo (não há um equipamento similar ao bafômetro para detectar o uso de anfetaminas). As apreensões normalmente são feitas ao flagrar o motorista transgressor com as cápsulas nas cartelas.

De acordo com a assessoria de imprensa da Polícia Rodoviária Federal (PRF), o portador dos rebites responderá à Justiça conforme for o “enquadramento” dado pelo delegado, que pode ser análogo ao tráfico de drogas e entorpecentes ou contrabando. Dentro dos levantamentos realizados pela PRF, não há uma estatística sobre as apreensões de rebites apenas, mas consta o item anfetaminas e barbitúricos (sedativos) – as informações apontam um total de 118.107 unidades apreendidas no ano passado contra 274.250 em 2011.

Um dos estados que decidiu enfrentar esse problema foi Santa Catarina. O inspetor e chefe do Núcleo de Comunicação Social da Polícia Rodoviária Federal catarinense, Luiz Graziano, afirma que a região registra um elevado número de acidentes, muitos deles envolvendo veículos de cargas. “Vários incidentes são causados, ainda que muitas vezes não se possa comprovar, porque os motoristas acabam dirigindo por várias horas sob o efeito de cocaína e de anfetamina”, lamenta Graziano.

Nesse contexto, a PRF catarinense decidiu intensificar a fiscalização. “Estamos fazendo isso, dentro das nossas limitações”, diz Graziano. Segundo o inspetor, não se consegue “pegar mais” por falta de efetivo. Mas o policial atesta que o uso de rebite é bastante comum por parte dos condutores de veículos de carga. Uma prova disso foi dada na manhã da última quarta-feira de setembro, quando a PRF de Itapema flagrou dois caminhoneiros com posse de rebites e apreendeu 69 comprimidos.

A primeira abordagem ocorreu às 11h20min e foram confiscados 51 comprimidos de um motorista de 37 anos que conduzia um VW/24.250 CLC, de Santa Catarina. Aproximadamente 20 minutos depois, foi fiscalizado um Ford/Cargo 2428, do Paraná, e retidos mais 18 comprimidos com um caminhoneiro de 32 anos.

Graziano informa que o número de apreensões envolvendo anfetaminas, barbitúricos e ecstasy em Santa Catarina, até outubro, superou 3 mil, o que abrange cerca de 600 motoristas. Ele explica que o senso comum indica que o caminhoneiro autônomo abusa mais da droga, pois tem que fazer mais viagens para pagar a prestação do caminhão, o que não ocorre com o empregado de transportadoras. Contudo, Graziano diz que, na prática, isso não ocorre. Isso porque o empregado ganha pela sua produção, sujeitando-se a trabalhar mais para melhorar a remuneração. “Todo mundo fala que o autônomo é o que mais usa, mas temos flagrado muitos motoristas de empresas, empresas grandes, fazendo uso dos rebites.”

O ideal para o policial seria que pessoas expostas publicamente, como é o caso dos caminhoneiros responsáveis por um veículo de várias toneladas, tivessem que realizar testes para verificar se ingeriram drogas para dirigir. Graziano acrescenta que alguns motoristas de ônibus também consomem rebites e estão transportando dezenas de vidas. “A responsabilidade começa lá na família, passa pela empresa e a polícia tenta fazer a sua parte, mas a gente não consegue flagrar todo mundo”, enfatiza.

Se fosse cumprida, a nova lei evitaria consumo dos motoristas

A recente norma que disciplina a carga horária dos motoristas profissionais (Lei nº 12.619/12), impondo limites ao tempo de direção, é uma das ferramentas que podem contribuir para desacelerar o consumo de rebites nas rodovias brasileiras. A lógica é simples: se o caminhoneiro for obrigado a parar e descansar, não há razão para utilizar uma substância capaz de deixá-lo por mais tempo em vigília.

No entanto, a norma precisa ser cumprida para que seus efeitos sejam percebidos. O presidente do Sindicato dos Empregados no Transporte Rodoviário de Carga Seca do Estado do Rio Grande do Sul (Sinecarga), Paulo Barck, admite que o uso do rebite ainda é uma prática muito adotada entre os motoristas. “Mesmo com o advento da lei 12.619, poucas empresas estão adotando um controle de jornada mais rígido”, alerta o dirigente. E, conforme Barck, na questão dos autônomos, “não dá nem para falar, estão direto, sem cumprir o limite de direção”. O presidente pondera que isso ocorre devido ao autônomo ser o seu próprio patrão.

Barck afirma que certamente a maioria dos acidentes que envolvem veículos de carga é causada pelo excesso de jornada e pelo cansaço dos motoristas. “As pessoas não se conscientizaram de que não é só o ganhar mais”, lamenta o presidente do Sinecarga. Ele destaca que muitos empregados estão reclamando da nova lei, pois não querem permanecer em determinados locais descansando.

Para o sindicalista, o emprego de anfetaminas é causado pela pressão de horários e por lucros maiores. Ele revela que os motoristas adquirem os rebites, muitas vezes, em tendas de frutas e postos de combustíveis localizados à beira das rodovias. Normalmente, o usuário mistura a droga com álcool, Coca-Cola, energético ou café para potencializar os feitos. Barck acredita que o nome rebite deriva do verbo arrebitar, tornar-se ativo.

“O problema do rebite é o seguinte: você aguenta dois dias e duas noites, depois você apaga, vai dormir 12 horas ou mais, imagina isso acontecendo no meio de uma rodovia”, alerta. O dirigente enfatiza também que as baladas seguras (blitze que checam se os motoristas beberam álcool antes de conduzir o veículo) existem nas grandes metrópoles, dentro das cidades, mas são inexistentes nas estradas.

Controle permite detectar os abusos

Qualificar e educar os motoristas são maneiras de tentar impedir que esses profissionais acabem empregando rebites em suas viagens. O diretor do Serviço Social do Transporte (Sest) e do Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte (Senat), Carlos Becker Berwanger, acredita que o condutor profissional tem hoje uma visão diferente, principalmente os que participam de palestras e cursos de empreendedorismo. O dirigente informa que os cursos de qualificação do Sest e Senat abrangem conversas quanto ao consumo de álcool, de fumo e de outras drogas. Assim como são feitas sugestões quanto à qualidade de vida, postura ao volante e atividade física. “Há inúmeros temas quanto à saúde do motorista”, salienta Berwanger. O cuidado das empresas contratantes também é outra forma de coibir a utilização de anfetaminas.

O coordenador de Logística da Braskem Unib-RS, João Batista Dias, admite que não há como saber se um motorista fez uso dos rebites. Contudo, há atitudes que podem ser tomadas para diminuir as chances de o profissional adotar essa prática. Ele destaca que a Braskem não permite que os caminhões das transportadoras contratadas movimentem as suas cargas durante a maior parte do período da noite, entre 22h e 6h. Com isso, reduz a possibilidade de ocorrer uma das dificuldades que leva às anfetaminas: o sono. Todos os veículos são rastreados e, ao final do mês, é apresentado um relatório, por caminhão e motorista, apontando se houve transgressões aos horários impostos.

Dias acrescenta que a companhia também adota uma série de programas de segurança. As transportadoras são certificadas pelo Sistema de Avaliação de Segurança, Saúde, Meio Ambiente e Qualidade (Sassmaq), da Abiquim, voltado à movimentação de produtos perigosos, e pelo programa Transportadora da Vida da Fundação Thiago de Moraes Gonzaga e do Sindicato das Empresas de Transporte de Cargas e Logística no Estado do Rio Grande do Sul (Setcergs). Esse projeto prevê visitas de diagnóstico para conhecer a realidade da empresa e os principais agentes em cada organização. Também acontecem visitas técnicas, que oportunizam trocas de experiências entre as transportadoras. No fim de cada ano, o programa Transportadora da Vida certifica as companhias que investem na segurança e no desenvolvimento do seu capital humano e social.

De acordo com Dias, a atenção no transporte de químicos é essencial. Isso por se tratarem de produtos inflamáveis ou tóxicos como, por exemplo, solventes. A Braskem, na sua operação com produtos perigosos no Brasil, efetua diariamente em torno de 250 carregamentos. “Perder a carga não é o problema, o problema é o que a carga pode causar”, diz o dirigente.

Psicoativos causam vício e outras doenças

Além dos riscos de acidentes nas estradas, o consumo de anfetaminas pode induzir o indivíduo ao vício. O alerta é feito pelo psiquiatra e coordenador do ambulatório de dependência química do Hospital São Lucas da Pucrs, Pedro Eugênio Ferreira. O também professor do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Pucrs detalha que o usuário desenvolve tolerância à substância, levando a um consumo de doses cada vez mais elevadas para afastar o sono e manter o estado de alerta na direção. Outros malefícios são os efeitos psíquicos, podendo implicar psicose, mania de perseguição, agressividade e provocar alucinações.

Ferreira confirma que, frequentemente, o rebite é misturado com álcool. “O álcool aumenta a toxidade, entretanto, também intensifica o tempo de efeito psicoestimulante das anfetaminas”, explica o psiquiatra. A droga pode causar taquicardia, arritmia, pressão alta e acarretar isquemias de artérias cerebrais, gerando AVCs, provocar infarto do miocárdio, desmaios, convulsões e até mesmo a morte.

O médico ressalta que, normalmente, o uso dos rebites tem como objetivos acabar com o sono, o cansaço e manter o motorista alerta. Aparentemente, é uma coisa cativante, pois o sujeito produz mais e se cansa menos, porém, o usuário não sabe que isso é somente no início e que depois ele desenvolverá os problemas. “Imagina alguém tendo uma convulsão dirigindo um caminhão, um veículo pesado”, alerta o médico. Ele acrescenta uma preocupante indagação a esse cenário: quantos motoristas podem ter sofrido um estado de mal epilético induzido por rebites, e provocado acidentes?

Como não é praxe realizar exames aprofundados para verificar o cérebro e o coração do condutor falecido, muitas causas de acidentes podem ter sido atribuídas, equivocadamente, a distrações ou imprudências.

Ferreira esclarece que, usualmente, pessoas que são dependentes de substâncias psicoativas, como os rebites, só procuram ajuda quando estão “no fundo do poço”. Isso ocorre em caso de um acidente, quando o tóxico é detectado em algum exame ou quando o indivíduo é apanhado em uma barreira policial. Outro fator que leva à procura do auxílio são os problemas de saúde, como isquemias cardíacas, convulsões e alucinações.

O psiquiatra diz que é possível perceber se alguém tomou rebite pela irritabilidade. O usuário também entra em um estado de alerta inicial e, depois, cai em uma sonolência profunda. Nota-se ainda alteração do juízo crítico, ficando imprudente e impulsivo, podendo causar brigas no trânsito. Ferreira reitera que essas drogas são extremamente perigosas para a saúde física e mental. O médico defende que é preciso haver uma fiscalização mais eficaz nas rodovias e que sejam verificados sinais de intoxicação por essas substâncias, além do álcool.

Fonte: Jornal do Comércio

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