Artigo: ações educativas para o trânsito
Adriana Modesto faz uma análise profunda sobre ações educativas para o trânsito, desde aspectos semânticos, de legislação até os de marketing social. Confira!
Adriana Modesto*
As discussões em torno do binômio Educação/Trânsito têm ganhado cada vez mais espaço, tanto aquelas que contemplam a formação de condutores veiculares, atualização e reciclagem de condutores já habilitados, processos de capacitação, qualificação e atualização de profissionais ou campanhas de segurança viária de responsabilidade de órgãos e entidades vinculadas ao Sistema Nacional de trânsito (SNT), como a potencial educação promovida em unidades de ensino formal, compondo o currículo dos ciclos de ensino, inclusive, pleiteando-se sua inserção na modalidade Superior1.
Buscando-se aprofundar as discussões teóricas relacionadas ao tema, destaca-se inicialmente a necessidade de se resgatar aspectos semânticos, uma vez que é verificado junto à literatura especializada e/ou cotidianos institucionais relacionados à área o emprego das expressões educação de trânsito, educação para o trânsito e educação no trânsito, portanto, apresentando a possibilidade de variação quanto ao tipo de relação e a circunstância atribuída para o binômio, sendo recomendado ou a uniformização do emprego da expressão ou a oferta de definição suficientemente clara quanto a cada uma dessas tendo em vista: o público alvo; o modo de exposição; fase do ciclo de vida a qual pertence o sujeito exposto observando-se parâmetros pedagógicos ou andragógicos; a finalidade e os objetivos da ação; os princípios e fundamentos da Educação balizadores; o nível de complexidade dos conteúdos pedagógicos; a adequação às realidades, demandas e necessidades locais; as competências e habilidades a serem desenvolvidas; a temporalidade do processo; o contexto e as modalidades da ação; os recursos didáticos, paradidáticos ou peças para conscientização quanto aos riscos do trânsito e a cultura de paz no trânsito; o perfil dos promotores/facilitadores da ação educativa e respectivos processos de capacitação desses para atuação em temáticas do trânsito, assim como o desenvolvimento e adoção de metodologias de avaliação com a finalidade de aferição dos reais resultados em curto, médio e longo prazos1.
Infere-se que desta forma será possível qualificar o planejamento e a execução das estratégias educativas, parametrizar as ações e identificar as melhores práticas tomando-as como referências e incentivo de sua adoção por parte das autoridades públicas a exemplo do que já é adotado no contexto europeu2.
Tendo em vista legislação e características observadas no contexto nacional, destaca-se que o Código de Trânsito Brasileiro – CTB contempla diretrizes relacionadas à educação “para o trânsito”. No entanto, considerando-se a diacronia dos processos educativos voltados para o trânsito, observa-se a influência dos conceitos da segurança viária com características tecnicistas inerentes à área mencionada, deste modo, inferindo-se quanto a possiblidade de que a pedagogia praticada seja limitada desconsiderando outras dimensões relacionadas ao trânsito3. A possibilidade de limitação encontra reforço na avaliação de que são inatas ao trânsito as características: interprofissional, interdisciplinar, transprofissional”4.
No que tange às ações educativas promovidas pelos órgãos de trânsito para todos os usuários da via, assumindo, no entanto, melhor definição campanhas de segurança viária, recruta-se o conceito de marketing social, este toma por empréstimo princípios e técnicas do marketing a fim de convencer um segmento social alvo a aderir, rejeitar, modificar ou abandonar comportamentos visando benefícios ao indivíduo e/ou o coletivo da sociedade5, portanto, aderente às questões relacionadas aos comportamentos seguros no contexto do trânsito1.
Salienta-se, no entanto, que nem sempre a população beneficiária correlaciona de forma imediata a mudança de comportamento com um ganho social, destacando-se que as estratégias que prospectam o potencial ganho social devem ser submetidas à uma avaliação ética quanto a seus impactos, desejabilidade dos objetivos, definição do segmento alvo e os meios elencados para o alcance dos objetivos6. Faz-se o adendo ainda de que a “publicidade sobre segurança viária é usada com maior sucesso em apoio a outras iniciativas e não como iniciativa principal”7.
De modo geral a educação “de trânsito” tem se baseado nos pilares: promoção do conhecimento e compreensão das regras de convivência no trânsito; reforço ou modificação dos níveis de consciência de risco; fomento do autocuidado no contexto do trânsito, assim como o de outros usuários da via e a atenção e o cumprimento das regras de trânsito. Nas unidades de ensino os conteúdos são apresentados de forma a observar o ciclo de vida e desenvolvimento cognitivo dos sujeitos expostos. Percebe-se que as ações educativas de trânsito que contemplam a tríade conhecimentos, habilidades e atitudes tendem a ser mais exitosas8.
Ao abordar o tema Educação e havendo a complementação “de trânsito”, esta pode ser tratada a partir do ponto de vista da psicopedagogia do trânsito como tema transversal em ambiente escolar com o recurso da interdisciplinaridade4, estabelecendo uma espécie de simbiose com a disciplinaridade, ou seja, o tema trânsito dialoga com uma outra disciplina em se tratando de contexto escolar. O argumento ancora-se ainda no conceito de aprendizagem significativa, nesta perspectiva materializa-se quando o indivíduo é capaz de estabelecer relações entre diferentes conhecimentos, ligados entre si percebendo-os como importantes e significativos para sua vida9.
Conforme enfatizado o binômio Educação/Trânsito pode assumir variados tipos de relação e circunstância. Em se tratando do ambiente escolar e embora seja previsto no CTB, destaca-se que sua efetivação transcende a letra normativa específica do trânsito. Por comungar de mesmo espaço em que outros conteúdos e elementos da educação formal já encontram-se consolidados, ainda que em condição transversal, necessita da própria validação e chancela da comunidade escolar, além das adequações relacionadas às teorias da aprendizagem e do conhecimento.
Convém destacar que a escola é o espaço físico, contudo, o processo de aprendizagem não se restringe apenas aos espaços de educação formal. Compartilha-se da dimensão holística atribuída à educação, entendo-a como processo formativo abrangendo a totalidade do ser humano, nas suas dimensões física, afetiva, cognitiva, considerando ainda suas diversas modalidades, formal, informal, compensatória, continuada, coorporativa, cooperativa, extensivo, portanto, aos conteúdos relacionados ao trânsito10.
Outro ponto a se considerar diz respeito à percepção do aprendente quanto ao currículo relacionado ao trânsito, as respostas cognitivas, os condicionantes relacionados ao ciclo de vida, aludindo-se novamente à aprendizagem significativa. O que é ensinado precisa fazer sentido para quem aprende, para os diversos papéis que o indivíduo poderá ocupar no contexto do trânsito, neste sentido advoga-se pela educação como transformação da sociedade11, como instrumento de cidadania, educação para a mobilidade e não uma prévia para uma futura habilitação, restrita à aprendizagem mecânica, à mera memorização de regras e sinais.
Tendo em vista o cenário brasileiro relacionado ao trânsito e as contribuições epistemológicas da Educação destaca-se que esta pode assumir três sentidos: educação como redenção, educação como reprodução e educação como transformação da sociedade, e ainda que a educação pode apresentar-se como um exercício político, estabelecendo interface com os direcionamentos advindos das arenas decisórias11. No caso do trânsito as câmaras temáticas vinculadas ao DENATRAN cumprem o papel político ao participarem da construção do modelo de Educação de Trânsito a partir das letras normativas definidoras dos processos formativos para novos condutores e demais competências. Deste modo, o modelo de “educação de trânsito” e seus resultados são fruto de construção coletiva, chancelada pela sociedade.
Por fim, considerando-se a pluralidade de realidades sociais e trajetórias de vida, acredita-se que as ações educativas precisam ser concebidas de forma a valorizar as experiências pregressas, nesta perspectiva os sujeitos são percebidos como coautores e corresponsáveis pelo processo pedagógico, rompendo a lógica da transmissão de conhecimento e adotando a lógica do compartilhamento na construção do conhecimento, inclusive pertinente ao trânsito.
Referências Bibliográficas
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- LUCKESI, C. C. (1994) Filosofia da Educação. Cortez, São Paulo, 14 ed., 183 p.
* Adriana Modesto – Doutora em Transportes pela UnB