Dados e estatísticas – saiba usar
Quem nunca ilustrou com números uma conversa sobre trânsito está fazendo algo errado, ou pelo menos está desperdiçando uma oportunidade de deixar mais claro para o interlocutor a importância do assunto, sejam boas ou más estas notícias.
É praticamente impossível não citar alguns números que expressem quantidades distribuídas no tempo e no espaço, quando o assunto é mobilidade. Mas é muito fácil de se cometer equívocos e até de comprometer a confiabilidade da mensagem que se pretende passar.
Cuidados a serem tomados
Estatística é o ramo da matemática que trata da coleta, da análise, da interpretação e da apresentação de massas de dados numéricos. Esse universo é tão apaixonante que muitos palestrantes, professores e estudiosos se tornam viciados e dependentes dela para elaborarem e passarem suas mensagens. Cuidado! Estatística é ferramenta e é dessa forma que ela deve ser utilizada. Os dados estatísticos não devem ser o assunto em si, mas sim uma base para a contextualização, análise, proposições ou conclusões do professor, instrutor, palestrante, etc. Sob pena de ofuscar o tema principal: trânsito, neste caso. Além disso, dispor de fontes confiáveis e minimamente atualizadas é fundamental para saber onde procurar e também reconhecer dados que sejam pertinentes e úteis para a aula, palestra ou curso.
Fonte oficial
Datasus, guarde bem esse nome. No Brasil, esta é a fonte oficial. Qualquer número que não apareça no Datasus é um dado a ser validado ou ainda é uma especulação.
Especulação, neste caso, não tem o sentido pejorativo da palavra. Acontece que dados coletados fora dos métodos oficiais, embora possam ser úteis (as únicas referências, em alguns casos), não poderão ser utilizados como dado oficial, sob pena de comprometer os métodos científicos adotados para as análises que se faz a partir deles. É uma questão de compatibilidade.
SIM – O Sistema de Informações sobre Mortalidade é o grande instrumento desenvolvido no Brasil para fazermos a vigilância epidemiológica nacional. O objetivo é captar dados sobre os óbitos do país a fim de fornecer informações sobre mortalidade para todas as instâncias do sistema de saúde.
Consultar diretamente o Datasus pode ser uma tarefa complicada e demorada para quem não é treinado no sistema. Como ele foi feito para atender os órgãos oficiais da área de saúde, não houve a preocupação em se disponibilizar uma interface muito amigável ao leigo. Apesar disso, qualquer um que disponha a garimpar dados conseguirá fazê-lo, obtendo respostas com riqueza de detalhes.
Outras fontes
O Seguro Obrigatório DPVAT como fonte de dados sempre foi uma boa opção. Dentre as fontes que estão fora do SIM, os números do DPVAT são uma das mais utilizadas referências. Mas perderemos esse importante referencial: recentemente o governo brasileiro extinguiu o seguro, através de uma Medida Provisória (saiba mais aqui; atualização 1; atualização 2; atualização 3; atualização 4; atualização 5)
Apesar destes dados serem poderosamente impactantes, comparados com os números oficiais do Datasus, sua lógica precisa ser bem entendida, para evitar confusões e conclusões enganosas. Enquanto que o SIM expressa dados de vítimas de acidentes efetivamente atendidos pelo sistema, o DPVAT traz dados de acidentados que acionaram o seguro em até 3 anos após o acidente. Saber quantas pessoas que se envolveram em acidentes de trânsito, solicitaram o seguro obrigatório e foram atendidos, é capaz de dar uma boa noção do tamanho da violência do nosso trânsito.
Dados regionais e locais
Todo órgão de trânsito minimamente organizado tem uma setor de estatística cuidando dos dados de população, frota, CNH e de acidentes. Busque contextualizar sua aula, palestra ou curso com dados regionais e locais. Isso valoriza seu trabalho perante o próprio CFC onde você atua e frente aos seus alunos. É também uma forma de respeito e prestígio para com os órgãos de trânsito: quanto mais forem utilizados, mais críticas construtivas irão apontar os caminhos de qualificação destes dados. Lembre-se, são do seu local as estatísticas que mais têm a dizer sobre o que aumenta e o que diminui os riscos dos acidentes.
ONU / OMS
No Brasil, dados estatísticas são um problema, dada a fabulosa diversidade de padrões (ou falta de padrões) adotados pelos órgãos ligados ao trânsito e ao sistema de saúde públicos. Da coleta ao processamento e input dos dados nos sistemas locais e nacional, sofremos de grave falta de qualidade nas informações, além da carência de volume de dados. Algumas regiões simplesmente não têm nenhum dado disponível. Por esse motivo foi muito bem vinda a oferta da OMS com a disponibilização dos protocolos desenvolvidos para o RS-10 – Road Safety in 10 Countries (veja vídeo), que resultou numa “versão brasileira” do programa, conhecido como Projeto Vida no Trânsito.
O RS-10 e o PVT – Projeto Vida no Trânsito fazem parte da Década de Ação para Segurança no Trânsito da Organização Mundial de Saúde.
Saiba mais sobre a Década da OMS e sobre o PVST:
Curso sobre o Projeto Vida no Trânsito – Prefeitura Municipal de Curitiba
Sala de Visitas com Tânia Mascarenhas – PVT nop Paraná
Mortímetro
Nada mais eficaz do que impressionar a plateia com dados impactantes. Se esses dados forem em tempo real e oriundos de uma fonte confiável, melhor ainda. Desde que a Década de Ação para Segurança no Trânsito foi criada a busca por dados da Organização Mundial da Saúde (cujos dados brasileiros tem como origem o SIM), aumentou muito. Dentre diversas formas de se obter acesso a estes números destacam-se as publicações da Organização Pan-americana de Saúde.
Mas um serviço online que tem se tornado o preferido de muitos palestrantes, instrutores e professores da área, é uma espécie de “mortímetro”, que está no domínio da OMS. Acesse aqui
Apesar de estar todo em inglês (diga-se de passagem: para utilizar dados internacionais é mesmo importante dominar minimamente inglês ou espanhol) esta ferramenta tem um apelo visual muito impactante podendo ser de grande utilidade como ponto de partida em abordagens sobre a violência do trânsito.
Dando sentido aos dados
Recentemente, uma pesquisa realizada pela Folha de São Paulo, mostrou que seis cidades brasileiras, todas capitais, já alcançaram a meta de reduzir em 50% o número de mortes no trânsito, proposto pela ONU/OMS. Rio Branco, Salvador, Belo Horizonte, Aracaju, Curitiba e Porto Alegre, chegaram lá. Chegaram perto as cidade de Recife, Fortaleza, São Paulo, Belém, Campo Grande e tb, o Distrito Federal. Portanto, já que tiveram boa redução, é possível que também alcancem a meta em 2020.
Perceba que esta lista de cidades OK, e quase OK, contempla apenas algumas poucas capitais brasileiras. E outras grandes cidades, como Campinas, Jaboatão dos Guararapes ou Ananindeua? E cidades de porte médio ou pequeno porte como Varginha, Aripuanã ou Passa Sete? Elas não mereciam ter, cada uma, um “programa” para reduzir acidentes e educar para o trânsito?
Quanto menor a cidade, menos dados atuais e confiáveis tempos. Mas em cada cidade brasileira, não importa o tamanho, em cada estrada ou rodovia que ligam estas cidades, há problemas de trânsito, acidentes, mortos e feridos. Todos são cidadãos brasileiros que têm o mesmo direito a um trânsito seguro, conforme previsto no Art. 1º § 2ºdo CTB. Veja o quanto faz falta um método único, consistente, confiável e de abrangência nacional para subsidiar as ações necessárias para humanizarmos o nosso trânsito. Eis a importância dos dados e da estatística.
Tecnodata Educacional e Portal do Trânsito
Pensando nisso, a Tecnodata Educacional possui espaços em seus materiais didáticos (impressos e online) e aqui, no Portal do Trânsito (em uma Seção específica) e dentro das matérias, estatísticas atualizadas para que informações importantes e oportunas estejam à disposição dos interessados.
“Aqui no Portal do Trânsito replicamos um princípio adotado na Tecnodata Educacional de, sempre que possível, contextualizarmos a informação, seja uma notícia ou um conteúdo educativo, com dados estatísticos. Isso confere ao conteúdo uma confiabilidade, utilidade e longevidade maiores, inclusive para análises futuras que possam nos ajudar a entender o nosso caminho de evolução nesta luta por um trânsito mais humano e seguro.” (Celso Alves Mariano, Diretor do Portal)
O mais importante
Muitas vezes o mais importante não são os dados em si, ou o quanto eles são precisos ou atualizados, mas sim o impacto que eles podem causar na audiência. O mais importante em uma aula, palestra ou curso é o objetivo central da mensagem que você precisa ou deseja passar. Se o objetivo é apenas apresentar os números dos acidentes, ou do crescimento da frota, por exemplo, tudo bem: basta mostrar uma tabela com os números. Mas se você pretende, a partir desses números, elaborar uma mensagem do tipo “há cada vez mais veículos em circulação e, por isso, há maiores possibilidades de conflitos no trânsito”, ou então, “se você não tem histórico de acidentes de trânsito no seu círculo de amigos ou familiares, saiba que a tendência é que logo a violência do trânsito também fará parte de sua vida”, passe a encarar as estatísticas como um poderoso auxiliar para qualificar seus argumentos.
Aprenda a utilizar dados estatísticas de forma a ajudá-lo a elaborar melhor a sua mensagem educativa. Afinal de que serve fazer contas de juros (matemática financeira), se não for para analisar e ajudar a decidir se você deve ou não, contratar aquele empréstimo no banco? Use a matemática estatística a seu favor, por um propósito construtivo.
Aprenda mais sobre elaborar palestras: clique aqui e aqui
Certamente estamos longe do ideal em relação à coleta e processamento de dados da violência do trânsito e, por isso, nossas estatísticas têm problemas. Mas é aprendendo a utilizar de forma correta e alinhada a um propósito educacional construtivo, que vamos contribuir para a evolução consistente dos sistemas de que dispomos, além de estimular a criação de novos sistemas.