OMS defende educação para o trânsito. Por que a Senatran insiste no caminho oposto?
Artigo de especialista aponta consequências do fim da obrigatoriedade de aulas teóricas e práticas para a Primeira Habilitação.

Por Alisson Maia*
O Brasil vive um momento decisivo na discussão sobre a formação de condutores. Enquanto órgãos internacionais como a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Organização das Nações Unidas (ONU) reforçam que educação é pilar central para salvar vidas no trânsito, a Senatran sinaliza propostas que apontam para o fim das aulas teóricas e práticas nas autoescolas.
Trata-se de um equívoco perigoso, que ignora dados concretos de saúde pública, impactos econômicos e compromissos internacionais de redução de mortes no trânsito.
Hoje o Brasil possui cerca de 15 mil autoescolas, responsáveis por mais de 300 mil empregos diretos.
- Faturamento médio: R$ 900 milhões/ano no setor.
- Arrecadação via Simples Nacional: R$ 54 milhões/ano, sendo R$ 36 milhões destinados ao Governo Federal e R$ 18 milhões aos municípios (ISS).
- Folha salarial anual: R$ 12 bilhões (salário médio R$ 2.800).
Perdas se o setor fechar:
- FGTS: ~R$ 963 milhões/ano
- INSS (empregado): ~R$ 917 milhões/ano
- CPP (empregador via Simples): ~R$ 23 milhões/ano
Total: mais de R$ 2 bilhões/ano em arrecadação e contribuições.
Ou seja: além de formar cidadãos e salvar vidas, as autoescolas têm papel econômico vital na geração de empregos, arrecadação de tributos e sustentação da Previdência Social.
Conforme o Ministério da Saúde, só em 2024 o SUS gastou R$ 449 milhões com internações de acidentados no trânsito — 227 mil casos em um único ano, com custo médio de ~R$ 2.000 por paciente internado. Casos graves, com internações prolongadas em UTI, podem superar R$ 30 mil por vítima.
Além disso, para cada morte no trânsito, há em média 30 feridos (OMS/IPEA). O Brasil perde 4 a 5% do PIB ao ano com acidentes (SUS, Previdência, indenizações e perda de produtividade).
O que dizem os estudos internacionais
Universidade de Nebraska (EUA): jovens sem educação formal têm 24% mais risco de acidentes com lesão ou morte.
Governors Highway Safety Association (EUA): programas graduais de formação reduziram 38% das colisões fatais e 45% das mortes de jovens motoristas.
OMS / ONU – Década de Ação 2021–2030: “Law enforcement and education are also key” — ou seja, educação é tão essencial quanto fiscalização para reduzir mortes no trânsito.
Se as aulas teóricas e práticas forem extintas estima-se aumento de 15% nos acidentes graves. Isso significaria +4.500 mortes/ano e +34 mil novas internações no SUS.
O custo adicional seria de R$ 68 milhões/ano ao SUS e R$ 680 milhões/ano à Previdência, ultrapassando R$ 750 milhões/ano em perdas diretas — sem contar o impacto indireto na economia.
Em outras palavras: a economia buscada pelo fim das aulas seria ilusória e custaria muito mais caro à sociedade.
A fala da Senatran de retirar a obrigatoriedade das aulas em autoescolas ignora evidências científicas, vai contra recomendações da OMS e ameaça tanto a vida dos brasileiros quanto a sustentabilidade econômica do país.
Educação não é gasto — é investimento em vidas, em saúde pública e em produtividade.
Sem formação adequada, o Brasil corre o risco de retroceder décadas em segurança viária.
*Alisson Maia é especialista em trânsito, gestão e mobilidade urbana
