Falha nos freios de ônibus da UFSM reacende debate sobre inspeção veicular no Brasil
Perícia aponta problema nos freios como causa da tragédia que matou sete pessoas; entidade defende criação urgente de uma política nacional de inspeção veicular periódica

A falha nos freios do ônibus da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), que provocou um acidente fatal no início de abril e resultou na morte de sete pessoas, trouxe à tona uma discussão recorrente, mas ainda negligenciada no Brasil: a ausência de uma política nacional de inspeção técnica veicular periódica. O caso, analisado pela perícia oficial, revelou que a tragédia poderia ter sido evitada com uma checagem preventiva do sistema de frenagem — o que, conforme especialistas, reforça a urgência de se adotar mecanismos mais rigorosos de controle da frota em circulação.
“Esse acidente com o ônibus da UFSM evidencia um problema estrutural”, afirma Daniel Bassoli, diretor-executivo da Federação Nacional dos Organismos de Inspeção Veicular (FENIVE).
“Hoje, no Brasil, menos de 2% da frota passa por inspeções técnicas, que são obrigatórias apenas em situações muito específicas. Isso não é suficiente para garantir segurança viária.”
As estatísticas levantadas pelas Instituições Técnicas Licenciadas (ITLs), acreditadas pelo Inmetro e licenciadas pela Secretaria Nacional de Trânsito, indicam que cerca de 35% dos veículos submetidos à inspeção são reprovados — muitos por falhas que comprometem diretamente a segurança nas vias. Os principais problemas observados são: sinalização inadequada (48% dos casos), ausência de itens obrigatórios (30%), falhas no sistema de iluminação (21%) e, significativamente, defeitos nos freios (10%).
Ferramenta de prevenção
Bassoli, que também preside a Associação Mineira da Segurança Veicular (AMSV) e leciona em instituições de ensino como a PUC-MG e o IETEC, explica que a inspeção veicular não deve ser encarada como uma burocracia punitiva ou uma fonte de arrecadação. “Trata-se de uma ferramenta preventiva, fundamental para manter a frota em condições mínimas de segurança. Estimamos que mais de 10% dos acidentes de trânsito no Brasil são causados por falhas mecânicas, muitas delas evitáveis com manutenção bem como inspeção adequadas.”
De acordo com o especialista, a resistência à implementação de um sistema nacional se deve à falta de compreensão sobre seu impacto positivo. Países como a Espanha servem de exemplo: por lá, a Inspeção Técnica de Veículos (ITV) evita anualmente cerca de 15 mil sinistros, incluindo mais de 13 mil feridos e quase 150 mortes, conforme dados de um estudo da Universidade de Madri. “Esse controle técnico tem um impacto econômico de mais de 370 milhões de euros por ano, além disso, ainda salva vidas. É esse tipo de política pública que precisamos importar, adaptando-a à nossa realidade”, afirma o engenheiro.
Fiscalização
Além da ausência de um programa nacional, o Brasil enfrenta gargalos graves na fiscalização de veículos já em circulação. “A fiscalização é precária e pouco automatizada. Muitos veículos modificados ou com equipamentos como GNV sequer são verificados com regularidade. Estima-se que 70% da frota com GNV não passa por inspeção anual, e mesmo assim consegue licenciar. Isso mostra um descaso das autoridades com a segurança”, denuncia Bassoli.
Ele também chama atenção para a ausência de dados confiáveis sobre sinistros relacionados a falhas mecânicas. “Em muitos acidentes, nem há boletim de ocorrência técnico que permita identificar se houve falha no veículo. Isso dificulta a formulação de políticas públicas eficientes. Falta investimento em inteligência, integração entre órgãos e, sobretudo, vontade política para enfrentar o problema de forma séria.”
Para o diretor da FENIVE, o ponto central é mudar a cultura em torno da manutenção veicular.
“A inspeção não corrige defeitos, ela os detecta. O que salva vidas é a manutenção preventiva, e ela só se torna hábito quando existe um sistema de controle que exige isso do proprietário e do operador do veículo.”
Enquanto isso, tragédias como a ocorrida com o ônibus da UFSM seguem se repetindo no país. Para a FENIVE, este caso deve servir como um marco para retomar o debate sobre a necessidade de modernização das políticas de trânsito e segurança viária no Brasil.