Edital de concessão de rodovias no Paraná ignora tendência nacional em segurança com uso de inteligência artificial
O uso de inteligência artificial na concessão de rodovias pode evitar a sonegação fiscal, contribuir com a fiscalização ambiental e com o transporte de cargas.
Ainda que o uso de inteligência artificial já seja comum em diversos países, inclusive no Brasil, não somente para para o reforço da segurança pública, mas, também, para evitar a sonegação fiscal, contribuir com a fiscalização ambiental e com o transporte de cargas e veículos, no estado do Paraná a tecnologia não está sendo prevista nos novos editais de licitação do pacote de concessão de rodovias.
Diferentemente do que aconteceu nos estados do Espírito Santo, Rio Grande do Sul e Mato Grosso, por exemplo, no que se refere ao uso de tecnologias e ‘inovações’, no edital do Paraná, cujo leilão está agendado para 29 de setembro, na Bolsa de Valores, a partir das 14 horas, estão previstas apenas câmeras que permitem reconhecimento de placas de veículos. E, em alguns pontos estratégicos; painéis de mensagem variável (PMV) – dispositivo para exibir mensagens informativas aos motoristas – sistema de pesagem de caminhões (WIM) e iluminação em LED.
Há pouco tempo – trinta dias após a divulgação do edital do lote 1, a Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT – publicou o segundo edital – lote 2 – do pacote de concessões de rodovias paranaenses, cujo valor está estimado em R$ 17,3 bilhões (US$ 3,55 bi), que envolve trechos das rodovias federais BR-153, BR-277 e BR-369 e estaduais PR-092, PR-151, PR-239, PR-407, PR-408, PR-411, PR-508, PR-804 e PR-855, abrangendo as regiões de Curitiba, Litoral, Campos Gerais e Norte Pioneiro.
Avanço no uso de Inteligência Artificial
Para o engenheiro civil, Ricardo Junqueira Victorelli, pós-graduado em infraestrutura e finanças e consultor na área de operação rodoviária, o modelo de tecnologia que consta no edital não é inovador, visto que está aquém do que vem sendo praticado em concessões estaduais que contemplam soluções abrangentes de integração da concessão com o ente público.
“A inovação atualmente está no uso de inteligência artificial com monitoramento em tempo real, integrado por uma data base que possibilite aumento no tempo de resposta e menor demanda de recursos humanos para controle e fiscalização das vias e rodovias que farão parte da concessão”, esclarece o especialista.
Victorelli ressalta ainda que o desenvolvimento da inteligência artificial, com máquinas capazes de realizar tarefas e aprender a usar os mesmos dados para medir, gerenciar e planejar, deverá trazer mudanças ilimitadas na área de sustentabilidade no trânsito, com o cruzamento de informações para o planejamento de mobilidade no Brasil, a exemplo do programa Cerco Inteligente, implementado pelo Governo do Espírito Santo em rodovias.
De acordo com ele, as informações obtidas por equipamentos de tecnologia em mobilidade e trânsito estão garantindo um aumento de 90% no tempo de resposta da Secretaria de Segurança Pública do Espírito Santo, nas operações de repressão a crimes como roubo de veículos, tráfico de drogas, evasão fiscal e outros.
O projeto, ainda segundo o engenheiro, conta com um sistema formado por 900 câmeras instaladas em 290 pontos de fiscalização, incluindo as divisas do Estado, que fazem o monitoramento de aproximadamente 1650 faixas em vias e rodovias. Também integram o sistema 90 pontos de coleta de imagens com balanças de pesagem em movimento (WIM – Weight in Motion). “Todos os equipamentos trabalham de maneira integrada. Assim, entregando análise de dados com base em imagens, vídeos e ferramentas de investigação. Dessa forma, tendo como um um dos diferenciais da inteligência artificial do Cerco Inteligente, o big data, que possibilita o envio de um conjunto de dados maior e mais complexo com qualidade de informação”, destaca.
O sistema também permite o monitoramento de 250 carros por segundo e a identificação de mais de 30 características diferentes em cada passagem de veículo. Entre elas, informações como indicativo de placa clonada, restrição de furto ou roubo, restrições judiciais e restrições administrativas. Como, por exemplo, autorização de transporte escolar e GNV vencidos. “No edital do segundo lote do Paraná não consta este tipo de sistema. E ele representa realmente inovação na área de mobilidade e de segurança no trânsito”, acrescenta Victorelli.
Praças de Pedágio
A construção de novas praças de pedágio, que têm um custo médio de cada cabine em torno de R$1 milhão para implantação também foi incluido no edital. Ele prevê sete praças de pedágio em São José dos Pinhais, Sengés, Jacarezinho, Jacarezinho 2, Carambeí, Jaguariaíva e Quatiguá. Estas deverão ser restauradas e modernizadas para atender às demandas e necessidades da região. Enquanto as praças de São José dos Pinhais, Jacarezinho, Carambeí e Jaguariaíva passarão por melhorias, já as praças de Senges, Jacarezinho 2 e Quatiguá serão construídas.
No entanto, de acordo com o engenheiro civil, Ricardo Junqueira Victorelli, o estado do Paraná possui tecnologia para desenvolver e implementar o sistema de livre passagem em rodovias e vias urbanas, o chamado free-flow. No Chile, por exemplo, o sistema já funciona há mais de dez anos. Foi o primeiro país a adotar este sistema nas concessões de rodovias, em 2004, sendo bem avaliado pelos usuários que seguem as regras estabelecidas. É obrigatório para quem circula nas rodovias ter o sistema de pagamento que faz a cobrança automatizada. Quem anda nas rodovias sem o sistema pode fazer o pagamento posteriormente e, se não pagar, recebe multa.
No Brasil, com a alteração do Código de Trânsito Brasileiro – CTB, a Lei 14.157/21 regulamentou a possibilidade de se criar a alternativa de passagem, sem praças de cobrança. O pagamento passaria a ser feito de acordo com a quantidade de quilômetros rodados. “O edital prevê descritivo do ítem free-flow, mas no quantitativo não pede a instalação de nenhum sistema. Se no futuro o órgão pedir a implantação, o concessionário só incorpora este item e reequilibra o contrato”, explica o especialista.
Sistema free-flow na concessão de rodovias
O free-flow funciona por meio da implementação de equipamentos instalados sobre ou ao lado da rodovia. Além disso, possibilitam a identificação automática e eletrônica do veículo. A detecção de cada veículo acontece por meio de uma identificação por radiofrequência (RFID) ou por câmera de reconhecimento óptico de caracteres (OCR). “A ideia do pedágio free-flow é cobrar de uma maneira igualitária todos que utilizam o sistema. Ou seja, de acordo com a quantidade de quilômetros que foram rodados”, ilustra Victorelli.
Segundo ele, os equipamentos do free-flow também podem registrar informações de excesso de velocidade. Além disso, número de veículos que se deslocam de uma origem a um destino, de acordo com o horário. E, também, modo de transporte utilizado, (matriz origem/destino), velocidade média, tempo médio de percurso e outros. “O sistema de livre passagem representa uma quebra de paradigma. Além, claro, de contribuir para solucionar gargalos logísticos no país e ao mesmo tempo reduzir os custos no transporte de cargas. Assim, com uma cobrança tarifária mais justa ao usuário. Outra vantagem é que o free-flow evita o trânsito e elimina a barreira entre cidades e municípios separadas por praças de pedágio. Assim, moradores deixam de ter que parar para apresentar a documentação no pedágio, reduzindo o tempo do arrecadador, da população e desonerando o município”, considera.
Por fim, Victorelli, destaca a questão do cálculo da tarifa do pedágio. Isso acontece multiplicando a tarifa básica do pedágio pelo número de quilômetros existente entre uma praça e outra.
“Esta é a base de cálculo nas atuais concessões realizadas pelo governo federal. Com o free-flow o cálculo seria entre um pórtico e outro. No entanto, a concessionária deixa de ter o custo operacional e humano de uma cabine de pedágio e que, atualmente, é repassada ao usuário”, afirma e finaliza o engenheiro que atuou como diretor de concessionária por 21 anos.