Ecstasy e cocaína: caminhoneiro que causou 39 mortes deveria ter passado por avaliação psicológica
Lei brasileira tem dispositivo para tratar motoristas infratores, mas regra ainda não foi implantada.

A recente prisão do motorista da carreta responsável pela tragédia que matou 39 pessoas em Teófilo Otoni, Minas Gerais, lança luz sobre uma questão alarmante: a urgente necessidade de implementação de avaliações psicológicas rigorosas para motoristas infratores, conforme previsto no Código de Trânsito Brasileiro (CTB). O laudo toxicológico feito no caminhoneiro que provocou o acidente em dezembro passado revelou que ele dirigia sob o efeito de uma combinação letal de cocaína, ecstasy, álcool e antidepressivos. Mais alarmante ainda é o fato de que ele era reincidente, com histórico de dirigir alcoolizado.
Adalgisa Lopes, psicóloga especializada em Psicologia do Trânsito e presidente da Associação de Clínicas de Trânsito do Estado de Minas Gerais (ACTRANS-MG), afirma que essa tragédia decorre de uma epidemia silenciosa.
“Enquanto negligenciarmos a saúde mental dos motoristas, estaremos fadados a enterrar um número cada vez maior de vítimas do trânsito. Não é exagero dizer que, ao não cuidarmos da saúde física e mental de motoristas, estamos colocando armas nas mãos de pessoas potencialmente instáveis”, afirma.
A presidente da Actrans explica que a lei possui mecanismos para tratar a saúde mental de motoristas infratores.
O artigo 268 do CTB prevê a realização de avaliação psicológica para condutores que tiverem a permissão para dirigir suspensa, como é o caso do motorista que provocou esse acidente. No entanto, esta regra ainda não foi colocada em prática. “Se estivesse em vigor, poderíamos ter evitado inúmeras tragédias. É inadmissível que continuemos ignorando este aspecto vital da segurança viária. Cada dia que passa sem a implementação desta avaliação é um dia em que colocamos vidas em risco desnecessariamente”, pontua.
Adalgisa lembra que cerca de 30% dos acidentes de trânsito são causados por motoristas infratores reincidentes. “Não fazemos o suficiente para reeducar esses motoristas. As políticas públicas ignoram a influência do comportamento e das emoções na causa dos acidentes. É uma negligência que está custando vidas.”
Atualmente, a saúde mental dos motoristas só é avaliada quando obtêm a Carteira Nacional de Habilitação (CNH).
“É um absurdo que tenhamos um ‘laudo vitalício’ em um país que lidera rankings mundiais de ansiedade. Como podemos garantir a segurança nas estradas se ignoramos este fato?”, questiona.
Saúde do motorista deve ser foco
A tragédia em Teófilo Otoni deve servir como um alerta urgente. A implementação imediata de avaliações psicológicas regulares para motoristas, especialmente os infratores, não é apenas uma questão de política de trânsito, mas uma necessidade de saúde pública.
Cada dia de atraso pode significar mais vidas perdidas em nossas estradas. “Não podemos mais tratar a segurança viária como um assunto secundário. É hora de agir. Implementar estas avaliações não é apenas uma questão legal, é um imperativo moral. Quantas mais tragédias precisaremos testemunhar antes de tomarmos medidas efetivas?”, completa a psicóloga.
O que se verifica na avaliação psicológica
Na avaliação psicológica são aferidos, por métodos e técnicas psicológicas, os seguintes processos psíquicos:
- tomada de informação;
- processamento de informação;
- comportamento;
- autoavaliação do comportamento;
- traços de personalidade.
Para a avaliação, utilizam-se as seguintes técnicas e instrumentos:
- entrevistas diretas e individuais;
- testes psicológicos, que deverão estar de acordo com resoluções vigentes do Conselho Federal de Psicologia (CFP), que definam e regulamentem o uso de testes psicológicos;
- dinâmicas de grupo; e
- escuta e intervenções verbais.
Fonte: Resolução 927 do Contran
Uso de cocaína e outras drogas por caminhoneiros
Recentemente, a pesquisa “Operação Jornada Legal 2023” realizada pela Coordenadoria Nacional de Defesa do Meio Ambiente do Trabalho (Codemat) e Coordenadoria Nacional de Promoção da Liberdade Sindical (Conalis), em parceria com a Fiscalização do Trabalho e a Polícia Rodoviária Federal (PRF) mostrou que 60% dos condutores que dormem menos de 4 horas usam drogas contra apenas 23% dos que descansam mais de 8 horas diárias. Entre os caminhoneiros usuários, 50% usam cocaína, seguido por anfetamina e anfetamina e metanfetamina.
Evidencia claramente a falha na fiscalização, já que se está abandonando o investimento na fiscalização humana e nas abordagens, pela fiscalização eletrônica, sendo que são complementares. A falta de fiscalização pessoal produz crimes dos mais variados, esse é um exemplo deplorável.