Motoristas otimizam tempo gasto no trânsito
Boa parte das horas diárias, hoje, é perdida com os engarrafamentos. Em média, cada pessoa passa 31,7 minutos no trânsito no caminho de casa para o trabalho. Em Fortaleza, a tendência, com o surgimento de mais e mais obras e desvios, é piorar o tempo gasto com o trânsito. A cidade figura em oitavo lugar na lista dos lugares brasileiros com os piores engarrafamentos. Mas a mudança no padrão de comportamento das pessoas durante as incansáveis horas é concreta. Passamos a otimizar os minutos. Ler, ouvir música ou um CD da lição de inglês ou ainda uma palestra ou noticiário, cantar, rezar, fazer exercícios faciais e até fotografar são atividades possíveis e proveitosas em pleno tráfego. A fotógrafa Wanessa Malta costuma flagrar cenas inusitadas enquanto espera o carro da frente andar. “Hoje, com a tecnologia dos iPhones e smartphones, não há necessidade de ajustar a câmera para fazer fotos de qualidade. Tenho sempre o celular na mão e percebo coisas da cidade. São casas antigas, lugares abandonados, uma Fortaleza diferente”, revela. Já a estudante Wyara Ximenes, que anda de carona com a mãe ou o namorado, conta que aproveita as horas gastas nos congestionamentos para se maquiar ou lixar as unhas. “Também escuto música e leio”. O taxista Alexandre Mello Diederichs, que enfrenta vários engarrafamentos por dia, diz que estuda as lições da faculdade de Psicologia entre uma paradinha e outra. Vale lembrar que não é aconselhável desenvolver outras atividades na direção do veículo, o que pode até ocasionar multas por infração de trânsito. Resiliência Quem mora em Fortaleza começa a se adaptar com os congestionamentos e encará-los como rotina, apesar do estresse. Contudo, a sensação é de perda de tempo, considera a psicóloga e professora da Universidade de Fortaleza (Unifor), Cristiane Vasconcelos. “Isso causa pane emocional e desgaste”, avisa a psicóloga. Uma saída é praticar atividade física que ajuda a aliviar a ansiedade e a irritabilidade. Apesar da resiliência com que as pessoas têm procurado enfrentar o trânsito, os prejuízos são muitos não só para os motoristas, mas para a cidade e para as empresas de transporte público. “À medida que o tempo de viagem aumenta, as linhas de ônibus não conseguem dar a mesma quantidade de viagens, então, precisamos colocar mais veículos, sem que o passageiro perceba”, esclarece Dimas Barreira, presidente do Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros do Estado do Ceará (Sindiônibus). A velocidade média dos ônibus na Capital passou de 20Km/h para 13Km/h. Algumas linhas deixaram de entrar no Centro por causa do tráfego. As soluções existem, como acreditam especialistas. Resolver um problema necessita planejamento, conforme o professor da Unifor e arquiteto André Lopes. Segundo ele, a saída para o caos no trânsito passa por mudanças de comportamento. O arquiteto argumenta que mudar o trânsito passa também pelo planejamento do uso do solo, construção coletiva de uma lei de ordenamento do solo urbano. A tendência é que cada vez mais pessoas e bens sejam transportados. Já a qualidade do transporte, a equidade de mobilidade e acessibilidade devem passar a ser prioridade. Poluição causa danos à saúde A poluição é diretamente proporcional aos congestionamentos. Trata-se de um dos piores prejuízos para a população na hora do trânsito intenso. Mas Fortaleza ainda não conta com um sistema de monitoramento da qualidade do ar que possa medir exatamente o tamanho do dano à saúde. A presidente da Sociedade Cearense de Pneumologia, Filadélfia Passos, alerta que a fumaça é tóxica e faz mal. “Para as pessoas que são alérgicas à poluição pode desencadear crises de asma, rinite, dor de garganta”. A médica lembra que o carro fechado com ar condicionado piora a situação. O ideal, nesses casos, é abrir os vidros, como orienta. A elaboração do plano de mobilidade para Fortaleza, programado pela Prefeitura Municipal, incidirá também na melhoria da qualidade do ar, de acordo com a secretária municipal de Urbanismo e Meio Ambiente, Águeda Muniz. A Secretaria Municipal de Urbanismo e Meio Ambiente (Seuma) atualmente fiscaliza níveis de poluição atmosférica quando esta pode ser constatada visualmente, tendo em vista que está em andamento o processo para a aquisição de equipamentos para este fim. Níveis A poluição ainda não atinge níveis inadequados, informa Águeda Muniz. “Leva tempo. A curto prazo, a poluição será corrigida com a aquisição de equipamentos e monitoramento de pontos estratégicos a serem definidos quando do funcionamento da célula de controle da poluição atmosférica, ora em criação com a reforma administrativa da Seuma”, ressalta. A médio prazo, com a adoção de regulamentação específica. A longo prazo, com a implantação da regulamentação e fiscalização. Por meio de ação conjunta entre o Transporte Urbano de Fortaleza (Transfor) e a Seuma, a Prefeitura de Fortaleza pretende criar o Projeto de Monitoramento da Poluição do Ar, com o objetivo de propor uma rede de monitoramento nas áreas diretamente afetadas pelo programa Transfor, controlando os níveis de poluição atmosférica. A licitação do projeto já foi iniciada. A Superintendência Estadual do Meio Ambiente (Semace) realiza o Programa Fumaça Negra de controle da emissão de poluição pelos veículos automotores do ciclo diesel que circulam no Estado do Ceará, através de blitze semanais nos principais corredores de tráfego. Já o Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros do Estado do Ceará (Sindiônibus) procura premiar empresas com maior desempenho em reduzir a emissão de gases. “Os ônibus estão enquadrados no Programa de Controle de Poluição do Ar por Veículos Automotores (Proconve 7). Hoje, o transporte público é 1/35 avos menos poluente do que na década de 1990, conforme Dimas Barreira, presidente do Sindiônibus. Outro problema do trânsito são as contraturas musculares que a postura incorreta pode provocar. “É preciso ficar em 90 graus no quadril e com o apoio da cabeça reto”, recomenda o ortopedista Hildemar Queiroz. OPINIÃO DO ESPECIALISTA Fortaleza vive uma frequente distopia urbana Gislene Macêdo Professora Doutora da UFC/Psicologia/Sobral Vejo o termo mobilidade urbana ser utilizado como sinônimo dos termos trânsito/transporte, fruto de um simples somatório que parece traduzir os cuidados com o ir e vir cotidiano. Equívoco que, além de demonstrar pouco entendimento sobre o assunto, expõe nossa (estamos todos) inoperância sócio-política de compreender, viver e cuidar da mobilidade (que nomeio) humana em nossos tempos e nos vindouros. O que vemos em Fortaleza é a evidência de descuido com a cidade, com os que aqui moram ou por aqui passam. A Lei do Estatuto da Cidade, sancionada há 11 anos, determina que municípios com mais de 500 mil habitantes apresentem seus planos diretores de mobilidade. Em 2012, passou a vigorar a Lei 12.587, que versa sobre as diretrizes políticas de mobilidade. Nela, é explícita a prioridade ao transporte público de qualidade e aos não motorizados. O que vimos acontecer no Brasil foi uma estimulação extrema à aquisição de automóveis e motocicletas. Em Fortaleza, não foi diferente. Acrescente-se o fato de sermos uma das cidades-sede da Copa de 2014. Nossa cidade-sede é também cidade-em-obras inconclusas, confusas, desorganizadas, sem participação dos munícipes, com planos de desapropriações para construção de túneis e mais vias, demonstrações frequentes de distopia urbana, um desconvite a ocupar as ruas e calçadas, um hiato entre viver e mecanizar a vida. Saídas? Envolvamo-nos inteiramente no querer uma Fortaleza acolhedora, ousada, coletiva, criativa e convidativa. Tim Creswell, estudioso da mobilidade, propõe “desenvolver uma abordagem da mobilidade humana que considere o movimento, os significados a este associados e as práticas experienciadas de movimento”. Fortaleço esse argumento e me junto ao artista catalão Antoni Muntadas: “atenção: percepção requer envolvimento”. Fonte: Diário do Nordeste