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Artigo: Dúvidas e esperanças em 2021


Por Artigo Publicado 01/12/2020 às 22h22 Atualizado 08/11/2022 às 21h38
 Tempo de leitura estimado: 00:00

No artigo desta semana, J. Pedro Correa fala da expectativa para o trânsito em 2021 na visão de autoridades e especialistas brasileiros. Nuvens densas sobre o Brasil ano que vem. Confira!

J. Pedro Correa*

Quando me propus a discutir as perspectivas para o trânsito brasileiro em 2021, minha intenção era de levar aos que me tem acompanhado nesta coluna algumas informações possivelmente privilegiadas por virem de pessoas bem informadas. Afinal, todos temos de nos planejar para o próximo ano, embora planejamento não seja algo que o brasileiro cultive com muito empenho.

Montei um questionário com 10 perguntas e as enviei a 19 pessoas de setores diferentes do trânsito para sentir suas expectativas sobre 2021. Recebi 12 respostas, que já me dão uma boa ideia do que se pode esperar para o ano que vem.

O título que escolhi para este artigo – dúvidas e esperanças – reflete bem o sentimento médio dos meus entrevistados. Apesar de divergirem entre si, nenhum deles foi enfático sobre a direção que o nosso trânsito pode tomar a partir do próximo ano. Há razões para se acreditar em alguns progressos como há, também, no sentido contrário.

Uma visão compartilhada: como a economia deve crescer um pouco, virá acompanhada de aumento de tráfego tanto nos centros urbanos como nas estradas. Este fato provocará aumento de acidentes viários.

É bom lembrar que a partir de abril entram em vigor as novas mudanças no CTB abrandando mecanismos de controle, o que, em princípio, deve levar a mais transgressões.

A eleição de novos prefeitos e vereadores que assumem em janeiro ainda é uma incógnita em relação a possíveis progressos no trânsito. Mais de 60% dos prefeitos que se candidataram foram reeleitos, o que poderia indicar um fortalecimento da política de trânsito, mas é preciso saber qual era a situação no município até então. Em geral, os municípios estão com o caixa muito baixo para não dizer zerado e, assim, limitadas chances de investimentos.

É correto esperar, contudo, que o trânsito de algumas cidades, principalmente capitais, venha a passar por sensíveis melhorias pois o tema parece inserido entre as grandes necessidades das maiores cidades.

Ademais, elas poderão contar com o suporte de organizações que possuem conexões internacionais como a Iniciativa Bloomberg, a WRI, a GRSP que já mostraram seu valor. Há, ainda, o Programa Vida no Trânsito, incentivado pelo Ministério da Saúde, que tem conseguido bons resultados em algumas capitais. Campo Grande, MS, por exemplo, divulgou vídeo mostrando como a cooperação entre atores locais pode proporcionar resultados muito bons. A WRI está ajudando inúmeras cidades brasileiras a trabalhar melhor a segurança viária, mobilidade, sustentabilidade, meio ambiente, etc.

O caso de Fortaleza, no Ceará, que abordei no meu artigo da semana passada, provocou ótimas reações e serve bem como modelo de programa municipal que pode ser adotado em outras cidades.

Uma lição dada por Fortaleza foi que, fora a consultoria internacional da Bloomberg, quase tudo feito por lá o foi com esforço local, sem depender de Brasília, confirmando a ideia de que se a cidade mostrar interesse e determinação em fazer as coisas acontecerem, elas acontecem.

Ainda no âmbito das cidades cabe mencionar a boa expectativa para o crescimento da mobilidade ativa, notadamente o uso de bicicletas, que mostrou bom desempenho durante a pandemia e promete continuar depois dela. Algumas cidades expandiram suas malhas cicloviárias, o que leva a supor que devem continuar pois tiveram apoio popular. Já a caminhabilidade, embora chegasse a entrar na agenda do debate público, não teve o mesmo resultado obtido pelas bikes. Contudo, discussões mais sérias têm ocorrido em grandes centros onde pedestres mostram maior grau de organização e ativismo e podem obter algumas conquistas. Se estas conquistas acontecerem nas grandes cidades, estas, por sua vez, podem induzir outras cidades da região a seguirem o mesmo caminho. São vários os subtemas, de soluções complexas, incluindo construção e recuperação de calçadas.

O item mais dissonante do trânsito têm sido o uso das motocicletas, notadamente nos centros urbanos.

Fatalidades não param de crescer e lideram o ranking nacional das principais causas de mortes no nosso trânsito. A pandemia deste ano trouxe novos atores para as motos – os desempregados, atingidos pela Covid 19 – que, como era de se esperar, chegaram sem habilidade e sem habilitação para dirigir. De todas as ações de enfrentamento que vi pelo país, o programa Motofretista Seguro, do Detran-São Paulo, parece ser a resposta mais efetiva para o tamanho do problema.

Ele é baseado em pontos vitais como regularização da CNH, capacitação e formação, facilidade na compra de itens de segurança (e da própria moto) e acesso a linhas especiais de crédito junto ao Banco do Povo Paulista (BPP). De longe, a melhor resposta já vista ao grave problema.

A grande indagação dos meus entrevistados com relação a 2021 diz respeito ao Pnatrans, o Plano Nacional de Redução de Mortes e Lesões no Trânsito, criado pelo Denatran em 2018 e que até agora ainda não decolou de vez.

O Denatran jura que “agora vai” e há, efetivamente, uma grande torcida para que isto ocorra, mas o histórico de planos nacionais lançados e que não saíram do lugar, recomenda cautela.

Na verdade, o Pnatrans pode vir a ser o grande diferencial deste governo. Se executado com êxito, ele pode dar ao Denatran a condição de agência-líder do nosso trânsito, pode assumir a efetiva coordenação das ações preconizadas pela ONU/OMS para a 2ª Década Mundial de Trânsito e, enfim, mobilizar os municípios brasileiros na contenção da inaceitável carnificina dos acidentes que assistimos todos os anos no país. Sinto a equipe do Denatran bem motivada, mas é preciso bem mais que isto – sem recursos adequados, não há como realizar bons programas.

Veja outros artigos do autor:

Artigo: Fortaleza na ponta 

Artigo: O que esperar de 2021 

O Denatran, nesta nova gestão, tem conseguido estabelecer um diálogo mais próximo com os Detrans e Cetrans e isto pode levar a uma cooperação mais estreita nos estados e, consequentemente chegar a um trabalho conjunto para baixar a altíssima taxa de acidentalidade no país. Neste sentido, o Governo Federal pode dar uma contribuição extraordinária se usar adequadamente o convênio de cooperação que assinou com a embaixada da Suécia em Brasília para aplicar por aqui conceitos do programa Visão Zero, utilizado no país escandinavo desde os anos 90 e já copiado por dezenas de outros países. Como primeiro serviço, os especialistas suecos poderiam desenvolver um modelo de treinamento gerencial para técnicos brasileiros na área de gestão de programas de trânsito. Este é um dos principais problemas nacionais.

Importante deixar claro que não se trata de pretender implantar ano que vem no Brasil uma experiência como o Visão Zero mas sim de tropicalizá-la, isto é utilizar aqui conceitos lá desenvolvidos, mas respeitando características e valores nossos.

Se hoje o programa sueco é implementado em uma dúzia de grandes metrópoles dos Estados Unidos foi justamente graças à sua adequação às condições locais. Não tenho dúvidas de que seria um começo auspicioso.

Uma outra conquista de grande importância possível para 2021 será a continuação do BrazilRAP – Programa Brasileiro de Avaliação Viária, comandado pelo DNIT e desenvolvido pelo IRAP, Programa Internacional de Avaliação de Rodovias, cujo objetivo é de avaliar e recuperar toda a malha rodoviária federal brasileira. O DNIT informa que uma avaliação dos 65.000 km de toda a sua rede pavimentada de classificação por estrelas começará em breve.

O Labtrans – Laboratório de Transportes e Logísticas da Universidade Federal de Santa Catarina – atua como Centro de Excelência do iRAP no Brasil, desde 2015. O iRAP é uma ONG com atuação em mais de 100 países. A recuperação e classificação por estrelas da malha viária do Governo Federal é fato do maior significado para a segurança no trânsito brasileiro.

Por tudo isto dá para entender porque meus entrevistados mostram dúvidas e esperanças em relação ao trânsito brasileiro em 2021.

São como nuvens densas cobrindo o país nesta área: podem anunciar as chuvas que faltaram este ano em várias regiões, mas que podem ao mesmo tempo aumentar os problemas que já tínhamos.  O tempo dirá.

Semana que vem continuo a comentar os resultados da enquete. Enquanto isto, convido você a expressar sua opinião sobre o que esperar de 2021 no nosso trânsito. Você com a palavra.

*J. Pedro Correa é Consultor em Programas de Trânsito

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