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23 de outubro de 2024

Artigo- Novos Detrans?


Por Artigo Publicado 16/03/2021 às 21h00 Atualizado 08/11/2022 às 21h32
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J. Pedro Corrêa aborda a eleição do novo presidente da AND, Ernesto Mascellani Neto, do Detran/SP e as perspectivas de mudança nos Detrans brasileiros.

*J. Pedro Corrêa

Neto MascellaniNeto Mascellani é diretor-presidente do Detran.SP. Foto: Divulgação Detran/SP.

Desde o último dia 10, a AND, Associação Nacional dos Detrans, tem um novo presidente, na pessoa de Ernesto Mascellani Neto, atual presidente do Detran de São Paulo. O fato de a notícia não ter sido muito veiculada na mídia, serve como indicação da (pouca) importância dada pela sociedade ao principal órgão de trânsito dos estados.

Para mim, que atuo na área há décadas, vejo neste fato uma rara oportunidade de os Detrans, enfim, buscarem um espaço de maior relevância no contexto brasileiro.

Os Detrans têm um papel importante no cotidiano nacional na medida em que cuidam de habilitação de condutores, veículos, fiscalização de trânsito, estatísticas e educação para o trânsito. Apesar de apoiar os municípios na supervisão e implantação da sinalização luminosa e gráfica de vias, os Detrans não têm competência pela operação de trânsito municipal pois o CTB de 1997 delegou esta missão às prefeituras. Neste ponto reside um dos grandes problemas do nosso trânsito.

Explico:

A atribuição do atual Código de municipalizar o trânsito foi saudada pela grande maioria da comunidade do setor porque, afinal, o trânsito acontece nos municípios e, consequentemente é neles que precisa ser gerenciado. Quando foi aprovado, um dos pontos que mais despertou interesse dos prefeitos era que o dinheiro arrecadado com multas ficaria com as prefeituras, o que permitiria um desafogo considerável na gestão financeira dos municípios. O que os autores que elaboraram o Código não esperavam era que a maior parte dos municípios teria dificuldades de gerir o seu próprio trânsito.

Cerca de 85% deles têm população muito pequena (menos de 30.000 habitantes) e não contam com estrutura suficiente para uma gestão razoável do trânsito local. Muitos passaram a fazer parte do Sistema Nacional de Trânsito, mas inúmeros deles, pouco tempo depois, desistiram por várias razões. Atualmente, dos 5.570 municípios existentes no país, apenas 1.713 fazem parte do SNT, o que não significa ainda que apliquem a municipalização do trânsito ao pé da letra.

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Prefeitos destes municípios pequenos – alguns deles têm menos de 1.000 habitantes – não têm condições de montar uma estrutura administrativa para cuidar do trânsito em suas cidades, não conseguem atrair a atenção do Detran do seu estado e, assim, se sentem abandonados. Contudo, nestes 85% de pequenos municípios ocorrem certa de 30% das mortes no trânsito do país, explicadas pelos sinistros que ocorrem em boa parte das rodovias nacionais e estaduais que passam por seus territórios e, que, consequentemente, a eles são debitados.

Este tema foi o foco de um capítulo do meu primeiro livro “20 anos de lições de trânsito no Brasil – avanços e desafios do trânsito brasileiro de 1987 a 2007”, de 2009, que se encontra disponível no site do Programa Volvo de Segurança no Trânsito.

Para equacionar o problema, minha sugestão mais lógica seria utilizar melhor os Detrans. Eles são dos raros órgãos da administração pública que têm dinheiro (multas e serviços burocráticos), possuem boa estrutura de pessoal e conhecem bem o trânsito de seus estados (estatísticas). Tão importante quanto tudo isto, os Detrans são as instituições mais altas na hierarquia administrativa dos estados.

Assim, caberia aos governadores dos estados atribuir a eles a função de apoiar a gestão operacional do trânsito dos municípios necessitados observando os limites de competência legal das prefeituras.

Um órgão estadual, realmente apoiando a administração do trânsito sobretudo nos municípios menores, poderia mudar radicalmente o panorama da acidentalidade regional, contribuindo grandemente para melhorar os indicadores nacionais.

Num momento em que o Brasil se pergunta o que pode fazer para atingir a redução de 50% de fatalidades na segunda década mundial de ações de trânsito, da ONU/OMS, esta seria uma ação de peso.

Quando discuti este tema com o secretário de planejamento de um importante estado da Federação e perguntei a ele quais poderiam ser as dificuldades de elevar o Detran à condição de autarquia ou mesmo de uma secretaria estadual, ele simplesmente me respondeu: “nenhuma, basta querer”! Para que possa bem cumprir seu papel de execução do sistema de trânsito no seu estado, quanto mais alto for seu nível na administração pública, melhor. Como o trânsito afeta todos os setores de atividades de um município, de um estado e do país, um Detran, ou um outro órgão que possa gerir o trânsito regional, deveria ter o mesmo status que possuem as secretarias estaduais.

Creio que, agora, você entendeu com clareza porque vejo na eleição do novo comando da AND uma ótima oportunidade de recolocar os Detrans numa posição de relevo no contexto brasileiro e ao mesmo tempo dar um importante passo para corrigir um dos grandes problemas que continuamos a ver no trânsito nacional.

Aqui, como já mencionamos em outros comentários, vontade política é fundamental.

Ponto importante que vejo neste tema são as características do novo presidente da AND que podem levar a entidade nacional a novos rumos. Como os Detrans em geral, a AND também necessita se redesenhar para fazer face aos desafios dos novos tempos e à altura dos grandes temas brasileiros.

Aliás, um estudo feito pelo Observatório Nacional de Segurança Viária ano passado sobre os Detrans brasileiros mostrou o quanto eles precisam melhorar para poder ser melhor avaliados pela população.

É bom lembrar que nas últimas décadas a gestão do trânsito passou a ser entendida como um problema de saúde pública e como tal deve ser gerenciado, o que não se observa em grande número de estados brasileiros. Assim, um novo líder nacional no setor de trânsito, que tenha formação em competências públicas gerenciais, diplomado em relações internacionais e que está fazendo uma revolução na informatização no Detran/SP, merece ser saudado com fundadas esperanças na AND. Oxalá possamos saudar em breve o surgimento dos novos Detrans.

Não tenho a ingenuidade de esperar que a mudança que proponho neste artigo seja algo para imediatamente mas espero que sirva de inspiração para plantar a semente e que ela possa germinar com o passar dos tempos. O país precisa melhorar em muitas áreas.

No trânsito, diante dos indicadores que temos e dos desafios enfrentados diuturnamente, é imperioso que sejam implantadas mudanças imediatas. Mudar não será uma questão de dinheiro ou de falta de gente qualificada, mas basicamente de vontade política e de amor à nação e à sociedade.

*J. Pedro Corrêa é Consultor em Programas de Segurança no Trânsito

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