Artigo – Amanhã em risco
O tema do artigo de J. Pedro Corrêa desta semana é a falta de liderança jovem no trânsito. Para ele, um grande motivo de preocupação.
*J. Pedro Corrêa
A cobertura da Cop26, a conferência do clima na Escócia, deu amplo espaço aos protestos em Glasgow, comandados pela ativista sueca Greta Thunberg, agora já chegando aos 18 anos de idade. Quando apareceu aos olhos do mundo com seu discurso ambientalista, tinha 14.
Ao mesmo tempo em que é um fenômeno, o surgimento de Greta me fez ressoar um incômodo que tenho há muitos anos: porque não temos lideranças jovens no trânsito brasileiro?
É um tema que temos de entender melhor, precisamos alimentar o debate para, se possível, criar oportunidades para eles.
Me parece estranho que o nosso jovem não veja muita graça no trânsito, apesar de vivê-lo intensamente pois nele circula cotidianamente, nele se arrisca, nele se acidenta e, enfim, morre numa quantidade absurda e, pior, desnecessária. O IBGE informa que os jovens entre 15 e 29 anos de idade são 47 milhões no Brasil. Já o Ministério da Saúde, pelo banco de dados do Datasus, diz que em 2019 morreram quase 9 mil pessoas nesta faixa de idade.
É um número inaceitável, notadamente se tivermos clareza de que a maioria absoluta destas mortes poderia ter sido evitada.
Todos sabemos que, com seu ímpeto indomável, suas certezas de que é imbatível e, quem sabe, imortal, o jovem no trânsito é um problema no mundo todo, não apenas no Brasil. Contudo, por aqui, o número de vítimas jovens é alto demais e deveria levar a sociedade não à uma reflexão, mas à uma ação firme, estudada, coordenada, de longo prazo, capaz de tentar recolocar a questão no seus devidos lugares.
Assim como citei a Greta Thunberg, poderia mencionar a paquistanesa Malala e os muitos jovens que se destacam nos novos terrenos da tecnologia, assombrando o mundo com a rapidez com que ganham dinheiro e assumem posições incríveis para a idade que tem. No trânsito, não percebo sinais claros que o surgimento de jovens lideranças tenha começado. Se não vejo no exterior, vejo menos ainda no Brasil.
Bem próximo ao trânsito, contudo, temos um bom exemplo, que poderia servir de referência: é a
COMJOVEM – Comissão Nacional de Jovens Empresários e Executivos do TRC, criada há 12 anos dentro da Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística – NTC&Logística. Vários jovens que se destacaram na Comjovem, hoje são dirigentes de empresas de transporte. Tayguara Helou, o atual presidente do Setcesp, poderoso Sindicato das Empresas de Transportes de Carga de São Paulo, é egresso da Comjovem.
É claro que a questão central do problema do trânsito não está apenas nos jovens. Mas possivelmente em todos nós, da sociedade, que, penso, temos uma parcela de participação neste quadro desanimador.
Quando falo de todos nós, incluo as famílias em geral, toda a estrutura governamental, não esquecendo as lideranças da sociedade, em todos os níveis e nas diversas áreas. A hora de reagir já passou.
Me lembro que, por ocasião da terceira Conferência da ONU sobre Segurança no Trânsito em Estocolmo, na Suécia, no início deste ano, houve um grande evento da YOURS – Youth for Road Safety (Juventude pela segurança no trânsito) – uma ONG internacional, com apoio expressivo de entidades mundiais, por sinal, com representação de jovens brasileiros na sua diretoria.
Esperava-se que a partir daquele encontro as coisas poderiam se desenvolver num ritmo mais acelerado. Bem como, que os jovens teriam participação muito mais ativa no trânsito mas, até onde tenho visto, não foi o que aconteceu. Achava mesmo que o movimento de jovens no trânsito iria crescer no Brasil, saindo do Rio Grande do sul, onde funciona a ONG Vida Urgente, para chegar a outros estados do País. Vida Urgente, por sinal, representou o Brasil na conferência da YOURS, como aliás, já havia feito num evento anterior.
Obviamente deve haver uma questão financeira para explicar esta ausência. Acreditei que haveria algum tipo de financiamento internacional para que a YOURS pudesse desembarcar de vez no Brasil. E, aí sim, os jovens teriam vez e voz, chegando onde possivelmente haja interessados em formar num movimento como este. Não ocorreu, mas não podemos ser ingênuos de acreditar em movimentos voluntários sem recursos.
Independentemente da YOURS, de financiamento estrangeiro, ainda assim me indago porque não vemos jovens despontando em movimentos em favor da nossa segurança no trânsito. Seria falta de espaço, de interesse deles ou de oportunidades para os jovens por parte daqueles que comandam nossas instituições voltadas ao trânsito?
Seja o que for, é uma pena esta ausência que precisa ser resgatada. Como não temos ONGs bem
estruturadas pelo Brasil afora para abrigar grupos de jovens, possivelmente os Detrans pudessem assumir este papel. Além disso, incentivar movimentos jovens em favor do trânsito seguro nos seus estados. A AND, Associação Nacional dos Detrans, bem poderia, institucionalmente, apoiar esta ação, justamente pensando nas futuras gerações.
Temos de entender que esta geração atual está perdendo o jogo da segurança no trânsito. OK, pode-se até dizer que a turma atual teve o mérito de despertar a sociedade para o assunto mas atualmente o país se encontra numa situação em que não consegue achar o caminho para levar a bom termo. Num momento como este a chegada de novos atores, justamente os mais jovens, poderia ser um reforço oportuno para colocar o trânsito na mão certa.