Artigo – Depois da tempestade…
J. Pedro Corrêa comenta sobre o futuro da segurança no trânsito e dos desafios que estão á sua frente, lembrando que depois da tempestade nem sempre vem a bonança.
Estarei em São Leopoldo, RS, dia 1º de dezembro, no seminário promovido pela Associação dos Engenheiros e Arquitetos do Vale dos Sinos, para falar sobre “Os grandes desafios da segurança no trânsito brasileiro pós-pandemia”. Passadas as agruras do Covid-19 que assolou a humanidade nos últimos anos, sem dúvida será uma boa oportunidade de debater os rumos futuros da segurança no trânsito. Tudo bem que a pandemia não esteja completamente debelada, mas vamos torcer para que o pior já tenha efetivamente passado e que as pessoas, agora, tenham juízo e tomem cuidado para ela não retornar com a fúria que nos apavorou. A calmaria que deveria vir depois da pandemia, não é uma certeza.
O título desta crônica serve apenas de alerta de que a continuação da bonança, que normalmente sucede à tempestade, não é uma máxima na qual se deve acreditar de olhos fechados. Depois de uma tempestade pode, muito bem, vir uma outra e se não estivermos preparados adequadamente poderemos ter surpresas desagradáveis. Quero dizer com isto que precisamos estar sempre com os deveres de casa em dia, coisa que – vamos confessar – não gostamos muito de fazer!
A pandemia nos impôs uma série de lições que precisamos ter clareza de que as aprendemos e,
principalmente se as aplicamos. Tal como vejo o quadro atual do trânsito brasileiro, os ensinamentos deixados pela Covid, na sua essência, parecem não terem sido bem absorvidos. Afinal, os problemas do trânsito retornam aos níveis pré-pandemia! Assim, precisaríamos de coragem para fazer uma profunda reflexão sobre isto e ainda mais coragem para aplicar as lições deixadas.
Quem deve fazer esta lição de casa?
Em princípio todo mundo, começando pelos governos (em todos os níveis), depois pelo setor privado, que perde boas oportunidades e pela sociedade, afinal a maior beneficiária de tudo aquilo que poderia ter absorvido.
“Quem não conhece sua história está condenado a repeti-la”, dizia o filósofo e poeta espanhol Jorge
Santayana, morto nos anos 1950, numa séria advertência à sociedade do futuro. A prova de que pouco aprendemos com a história é que vivemos repetindo seus erros e, pior, pagando caro por eles.
Como podemos nos reabilitar perante erros cometidos ao longo do tempo e retomar o caminho em busca do benefício maior da sociedade? A primeira ação, indispensável, é reconhecer os erros e a segunda, corrigi-los. É aí que entra em campo a figura indispensável da liderança para encaminhar o processo. Todos sabemos, contudo, que carecemos de líderes carismáticos e isto ocorre em quase todos os setores da vida nacional. Não estamos em busca de um salvador da pátria, mas de alguém com capacidade de entender os desvios por onde nos metemos e reencontrar o caminho correto.
Embora esta reflexão possa servir para praticamente todos os grandes temas de interesse nacional, aqui estou falando basicamente de segurança no trânsito. Me atenho apenas aos caminhos que escolhemos (?) e à necessidade de redesenhá-los. Não é tarefa impossível, mas nada fácil, tampouco. “É muito difícil criar lideranças num país com tantas desigualdades como o nosso”, me explica um experiente político já em fim de carreira. Há pouco incentivo para novas lideranças e, muitas vezes, observa-se claro desencorajamento e até mesmo manobras para desconstruí-las.
Para afastar os danos de novas tempestades (no trânsito) precisamos trabalhar firme na construção de sólidas estruturas de proteção.
É assim que podemos evitar o mal maior, conforme ensinam bons programas de gerenciamento de riscos. Para disseminá-los necessitamos de produção de conhecimentos, divulgados nos manuais de treinamento de lideranças médias para, enfim, chegar à base da sociedade.
É essencial que a população tenha noção dos riscos que corre no trânsito para se afastar deles. Me refiro, essencialmente, aos mais de 30 mil mortos/ano no país e a urgente necessidade de reverter estes números.
Atualmente nossa taboa de salvação – no ambiente do trânsito brasileiro – está no desenvolvimento do PNATRANS, o Plano Nacional de Redução de Mortes e Lesões no Trânsito, da Senatran. Esta semana, inclusive foi realizado um seminário internacional onde falou-se muito dele. Me chamou a atenção a informação prestada pela coordenadora de planejamento do Pnatrans, Marcela Tetzner Laiz, afirmando que estão em desenvolvimento mais de 100 projetos e o dobro deles de ações ligadas ao programa, o que é uma evidência do andamento dos trabalhos. Faltou detalhar estes projetos para que a sociedade tenha ciência do que está sendo feito e o que pode esperar deles. De qualquer forma, um alívio saber deles.
Quanto mais a população tiver de informação sobre transtornos do trânsito, melhor poderá se precaver. E, assim, evitar o risco de se envolver em sinistros e perdas humanas ou materiais. A tempestade representada pela pandemia, de verdade, ainda não passou completamente. E os ventos dos problemas de trânsito não param de soprar exigindo um estado permanente de vigilância da sociedade e, principalmente daqueles que a comandam. Não podemos repetir erros históricos no trânsito (inação) sob pena de turvar ainda mais o futuro do desenvolvimento brasileiro e da sua sociedade.
* J. Pedro Corrêa é consultor em programas de segurança no trânsito.