Artigo – Saúde Pública
J. Pedro Corrêa aborda um tema pouco comentado pela sociedade: o trânsito tratado como saúde pública no Brasil. Para ele, está na hora de avançarmos nesta discussão.
Há décadas sabemos que trânsito é assunto de saúde pública e isto vale para todo o mundo. Seguidamente vemos, ouvimos e discutimos segurança no trânsito e algumas vezes destacamos sua importância dentro das políticas de saúde pública. Este é um assunto que me chama a atenção há muito tempo e que, julgo, vale a pena debater dentro da comunidade de trânsito.
No começo destes “novos tempos” do trânsito brasileiro – a partir de 1985 – falávamos de educação para o trânsito como a solução para nossos males. Havia um esforço para entender bem o que ela significava e como aplicá-la adequadamente no nosso cotidiano. Ainda que não tenhamos até hoje um modelo claro e funcional da prática de educação para o trânsito no País, na última década a sociedade foi levada a debater e entender sobre cultura de segurança no trânsito, uma abordagem mais ampla e fundamental para compreender o contexto do trânsito e adotar comportamento mais seguro.
Ainda estamos longe do nível de cultura necessária, mas já demos passos promissores.
Só para não esquecer, é possível definir segurança como ausência de risco ou perigo. Logo, cultura de segurança significa ativar nossa atenção para ações que possam provocar perdas físicas ou materiais. Embora seja um conceito simples, é imprescindível que a sociedade não apenas se conscientize dele, mas permaneça sempre alerta.
De uns tempos para cá tem subido no debate a questão do trânsito como saúde pública, um tema que, parece, ainda não ganhou o devido destaque no cotidiano nacional. Tenho a sensação de que saúde pública no Brasil, parece ser algo distante para a base da sociedade que a vê como algo abstrato, sem se dar conta de que ela própria, a sociedade, é sua razão de ser.
No Brasil de hoje, saúde pública é o nome dado às práticas e às medidas de responsabilidade do Estado para garantir que todo cidadão tenha acesso à saúde física, mental e social.
Aqui se entende por que a OMS tem enfatizado tanto cuidar do trânsito como assunto de saúde pública. No Brasil, trânsito, transporte e mobilidade são campos de ação que afetam fortemente a qualidade de vida da população. Nos meus tempos de Europa aprendi que a qualidade do transporte de massa está diretamente ligada à qualidade de vida da população. Se usarmos apenas este exemplo, entenderemos o tamanho do desafio da saúde pública brasileira. Gostaria de continuar discutindo este tema colocando este espaço à disposição de gente mais competente e habilitada para agregar mais conhecimento nesta matéria.
Creio que entre os bons exemplos de ações de saúde pública no Brasil está o Programa Vida no Trânsito, iniciado no Brasil no início da 1ª Década Mundial de Trânsito com suporte da Fundação Bloomberg através da Organização Panamericana de Saúde. Começou com ações em 5 capitais brasileiras, Belo Horizonte, Campo Grande, Curitiba, Palmas e Teresina. Com o sucesso do programa, o Ministério da Saúde o ampliou para todas demais capitais brasileiras e mais tarde para outros municípios. Um dos pontos fortes do PVT é a forma multidisciplinar como é desenvolvido, com a participação ativa de várias instituições públicas e mesmo privadas, trabalhando com o objetivo único de preservação de vidas no trânsito.
Seus bons resultados na redução de sinistros e de vítimas levaram inúmeros municípios brasileiros de diversos a adotá-lo.
É bom e desejável que o PVT continue a ocupar mais espaços nas administrações municipais afetando de forma positiva a política de saúde pública nacional. Incentivando ações como o PVT, as cidades vão incrementando também suas políticas de educação para o trânsito, melhorando sua cultura de segurança e criando cada vez mais espaços para o avanço da saúde pública.
Sinto que o país precisa acelerar o debate sobre saúde pública para que a sociedade tenha noção clara de que se trata de um direito tão forte que é garantido pela Constituição Federal. Assim, quanto maior difusão dermos à saúde pública, melhor será reação da população e, por certo, mais seguro será o seu comportamento no trânsito. Este é um diálogo que vai longe, possivelmente vai atravessar décadas, mas não há dúvidas sobre seu alcance e os benefícios que provocará. Temos de incrementá-lo.
Não percamos de vista de que o objetivo da segurança no trânsito no Brasil é zerar as fatalidades baixando ao máximo o número de sinistros o trânsito. Sei que muitos acham, por ora, que chegar a zero mortes é pura utopia, mas, afinal, o que é utopia? Uma boa definição dela foi a do ótimo escritor uruguaio Eduardo Galeano:
“A utopia está no horizonte. Ando dois passos, ela se distancia dois passos e o horizonte avança dez passos mais longe. Então, para que serve a utopia? Serve para isto, serve para avançar.”
* J. Pedro Corrêa é consultor em programas de segurança no trânsito.