Artigo – Velocidade fatal
No artigo de hoje, J. Pedro Corrêa comenta o abuso dos excessos de velocidade no Brasil e no mundo e até quando a sociedade continuará tolerando estes crimes.
A The Lancet, uma das mais prestigiadas revistas científicas sobre medicina, publicada no Reino Unido, publicou na sua edição de 29 de junho um interessante artigo sobre os principais fatores de riscos que levam o mundo ao absurdo número de mais de 1.3 milhão de mortos em sinistros de trânsito por ano. Depois de detalhada análise dos riscos de sinistros pelo mundo afora, os estudiosos da Lancet constataram o que todos já sabiam. Os maiores riscos são: álcool ao volante, não uso de capacete, velocidade e não uso do cinto de segurança.
A velocidade, associada com outras causas, é o perigo fatal.
O que o mundo ignorava e foi um dos pontos altos deste trabalho da Lancet, é uma revelação espantosa. Se estes fatores de riscos recebessem o devido ataque, o mundo poderia salvar mais de 500.000 mil vidas em apenas um ano. Além disso, se controlasse apenas a velocidade, o número de vidas poupadas seria de 347.258.
Inacreditável que sejamos tão inconsequentes (ou irresponsáveis?)!
No Brasil o problema do excesso de velocidade nos faz arrepiar. Conforme dados da Polícia Rodoviária Federal, durante a 1ª Década Mundial de Trânsito, só nas rodovias sob sua jurisdição, mais de 24 milhões de infrações foram cometidas pelos motoristas brasileiros. Para quem imaginava que a 2ª Década seria melhor, a PRF registrou em 2021 um total de 2.626.535 infrações. Isso significa que não começamos bem esta década.
O que nos faz tão inconsequentes, irresponsáveis ou insensíveis nas nossas estradas?
Não há descoberta alguma em apontar algumas razões, a começar pela falta de cultura de segurança e de educação para o trânsito. Em seguida, está a (quase) certeza da impunidade, a esperança de que não seremos pegos pela polícia excedendo a velocidade. E finalmente, a constatação de que temos uma fiscalização pobre e que não tem dado conta do recado neste quesito. Por isto, os abusos.
Tudo bem que este não é um problema exclusivo dos brasileiros. O mundo inteiro enfrenta o mesmo problema. A reportagem da Lancet expõe isto com clareza. O que chama a atenção é a inexistência de um programa nacional para controle da velocidade, comandado em nível nacional, aplicado nos estados pelos órgãos de trânsito e seguido pelos municípios pelos mecanismos disponíveis.
Vai aumentar a gritaria contra a indústria da multa?
Ao inferno aqueles que protestam. Se não conseguem se sensibilizar com a morte de mais de 30 mil pessoas só no Brasil, por exemplo, não têm o direito de gritar contra o absurdo do desrespeito às normas de trânsito! Se só nas rodovias federais, sob monitoramento da PRF, foram mais de 24 milhões de infrações registradas, imaginem quantas ocorrências escaparam dos registros? E quantas mais os condutores cometeram nas outras rodovias do país!
Quando se pergunta até onde a sociedade vai suportar estes abusos, a resposta correta parece ser a de que “até ela, sociedade, se sentir asfixiada, iniciar um amplo movimento bem como dar um basta a estas contravenções”.
Quando a opinião pública se sente desafiada e resolve enfrentar o desafio para valer, por exemplo, o jogo muda de lado. Políticos e lideranças passam a alterar suas opiniões e posicionamento e os abusos começam a diminuir.
Obviamente que um movimento desta dimensão precisará ter provocação proveniente de uma liderança, além disso, apoiado por um bem concebido programa de comunicação. Dessa forma, envolvendo toda a sociedade com campanhas de propaganda, eventos diversos, debates nas escolas, universidades, empresas, entidades e tudo o mais que puder englobar segmentos da sociedade.
Se políticos bem como autoridades que gerem o nosso trânsito não foram capazes de perceber esta necessidade de dar um basta a este estado de coisas, que enfrentem, mais tarde o repúdio da sociedade pela falta de sensibilidade há tanto tempo.
Tivesse o nosso povo mais rigor na hora de votar, exigindo a coisa certa desde o sempre, certamente teríamos uma administração do trânsito muito diferente do que vemos hoje. Assim como, muito mais próxima do que precisaremos amanhã.
É vital que a sociedade desperte para o uso correto dos seus direitos. Além disso, passe a exigir ajustes indispensáveis no cumprimento das regras do trânsito e que não perdoe aqueles que as infringem, bem como aqueles que fingem que não percebem e são coniventes com estas criminosas omissões. Nesse sentido, o Brasil precisa acertar o passo no caminho do grande destino.
* J. Pedro Corrêa é consultor em programas de segurança no trânsito.