Perpétua para infratores
No comentário desta semana J. Pedro Corrêa aborda uma nova lei de trânsito no Reino Unido. Ela permitirá a prisão perpétua ao motorista considerado culpado pela morte da vítima num sinistro e como isto seria visto no Brasil.
Notícia que ecoou com alguma intensidade durante a semana foi sobre a decisão da justiça do Reino Unido em punir com prisão perpétua para infratores de trânsito cujo sinistro resultar em morte da vítima. Juízes poderão condenar ao encarceramento vitalício os motoristas que praticarem direção perigosa que resulte em óbito. Assim como, aqueles que matem sob a influência de bebida ou drogas. Atualmente, por lá, a pena máxima é de 14 anos de prisão.
A reportagem foi reproduzida aqui em alguns sites e por grupos de discussão na Internet. Em outros, a menção veio acompanhada de comentários do tipo “por que não aplicamos a mesma pena por aqui?”, na convicção de que isto daria um basta ao absurdo número de sinistros fatais que registramos no Brasil.
Vale a pena tecer alguns comentários sobre prisão perpétua para infratores. Seja como for, isso sempre ajuda a levantar o debate sobre o sério problema da impunidade no nosso trânsito e no nosso país.
É bom lembrar que não somos o Reino Unido, para tentar implantar uma pena de prisão perpétua por aqui. Para implantar uma punição deste tipo, precisamos não apenas de uma justiça de trânsito, mas de um sistema de justiça, muito mais robusto, mais completo e que cubra todo o cotidiano nacional. Na verdade, precisamos de uma enorme sacudida neste país. Dessa forma, que o coloque de ponta cabeça, onde possamos ter o devido respeito pelas leis, pelos valores morais, pelas instituições, por normas, condutas, enfim, por um comportamento que, na minha visão, seria bem diferente daquele que vimos atualmente no cotidiano nacional. Justiça é e sempre será importante, mas não será tudo se não cultivarmos valores que realmente possam fazer a diferença na vida da sociedade.
Como pensar em aplicar por aqui uma pena de prisão perpétua – ou mesmo condenar alguém a 10, 15, 20 anos de cadeia – e olhar para o lado e constatar que as “outras justiças” não só não prendem como muitas vezes até estimulam o delito, o malfeito e a própria impunidade como temos visto no cotidiano brasileiro?
A nova lei inglesa entra em vigor na próxima semana. Estou curioso por ver a reação dos motoristas britânicos diante da ameaça que está feita. Terei todo o interesse em acompanhar como reagirá a sociedade inglesa após a primeira condenação à prisão perpétua de um motorista culpado pela morte de alguém no trânsito. Haverá esta condenação? Interessa muito ver como reagirão outros países europeus e até que ponto estarão dispostos a acompanhar o rigor britânico.
Na verdade, nesta mesma semana passada, havia rumores de que a França estava discutindo a possibilidade de enfraquecer os limites de velocidade no país. Isso viria na contramão da decisão inglesa.
Se na Europa, a coisa pode estar neste nível, imaginem neste “País do jeitinho”, como seria aceita uma lei como a inglesa. Com tantos parlamentares coniventes com a violação das leis e tantos bons advogados interessados em “novos nichos de mercado”, não é difícil vislumbrar o Deus nos acuda que iríamos viver.
Isto obviamente não significa que não devemos aproveitar a oportunidade e explorar mais a necessidade de endurecimento da nossa legislação de trânsito. Assim como do respeito absoluto às suas leis e a necessidade de punição às infrações do nosso Código. A turma que grita contra a Indústria da Multa, que nos desculpe, mas a vida tem preferência! Isto é o mínimo que o enorme contingente de familiares de vítimas fatais e graves do trânsito espera da parte daqueles que lidam atualmente com a segurança no trânsito brasileiro.
Temos um compromisso com o futuro desta nação, com o modo como viverão nossos filhos e netos. E, também, que tipo de legado estamos deixando para eles. Nosso passado nada elogiável de centenas de milhares de mortos e feridos, por exemplo, nos obriga a uma tomada intransigente de posição com relação ao futuro do nosso trânsito.
As lideranças atuais do trânsito brasileiro, tanto em nível nacional bem como estaduais e municipais têm o dever cívico de responderem a estes anseios. Além disso, abrirem um debate sério, profundo e responsável sobre o modelo de segurança no trânsito que precisamos como forma de preservar a dignidade da sociedade brasileira.
Não é pedir muito, mas já será o bastante, por enquanto!
* J. Pedro Corrêa é consultor em programas de segurança no trânsito