Fim do curso teórico: entidades se unem para evitar retrocesso na formação de condutores
Para especialistas ouvidos pelo Portal do Trânsito, tornar o curso teórico facultativo no processo de habilitação é jogar fora todos os esforços dos últimos anos.
Conforme noticiado na semana passada, a Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran) colocou em consulta pública as minutas de duas novas resoluções do Conselho Nacional de Trânsito (Contran), que substituirão a 789/20, que regulamenta o processo de formação de condutores. Uma delas dispõe sobre o novo processo de formação de condutores e a outra aprova o “Manual de Formação de condutor”. Dentre algumas mudanças, o Contran sugere tornar o curso teórico facultativo na formação de condutores, ou seja, o fim do curso teórico. Por esse motivo, o Portal do Trânsito prepara uma série de reportagens para analisar as consequências dessa mudança.
As propostas de resolução passarão por consulta pública até dia 08/09/22. Opine aqui:
Para a Associação Brasileira das Autoescolas (ABRAUTO), essa possibilidade representa um enorme retrocesso na formação de condutores.
“Tornar o curso teórico facultativo é retroceder 24 anos e todos os esforços feitos desde a obrigatoriedade trazida pelo Código de Trânsito Brasileiro”, explicam, em nota, Cecilane Débora Rosa, presidente em exercício da Associação e Olga Catarina Zanoni, assessora jurídica.
A Abrauto e a Federação Nacional das Autoescolas (FENEAUTO) se uniram para evitar esse atraso em relação a educação de trânsito no Brasil.
“A Abrauto e a Feneauto estão trabalhando juntas em relação a conscientização dos envolvidos e têm a mesma visão ideológica em relação às alterações que se fazem necessárias nas referidas minutas para que não tenhamos um grande retrocesso na formação de condutores, propiciando aumento nos acidentes de trânsito”, contam as representantes da Abrauto.
Nesse sentido, a Abrauto está orientando os CFCs e profissionais vinculados sobre os principais problemas que envolvem as minutas. E, também, como isso poderá prejudicar sobremaneira toda a classe envolvida. “O documento contém um passo a passo para que os profissionais possam manifestar sua opinião. Embora pareça simples, entrar e fazer as contribuições requer certa expertise, inclusive para quem está acostumado a lidar com tecnologia. Para muitos profissionais, especialmente os instrutores práticos, em razão de estarem o dia todo dentro de um veículo, onde é (e deve ser) proibido o uso do celular, as dificuldades são ainda maiores”, afirmam.
O documento também contém indicação e comentários de cada item que irá prejudicar de uma forma ou de outra a formação de condutores no Brasil. “Isso porque, estamos deveras preocupados com o que está inserido no texto das minutas e precisa ser rebatido. Nosso papel é orientar todos os profissionais para que possam participar e colocar seu ponto de vista”, diz a nota.
Quais as consequências do fim do curso teórico?
Conforme a Associação, para que um candidato possa pleitear uma habilitação, ele precisa de conhecimento teórico. Este vai desde o conhecimento do veículo, regras de circulação, sinalização de trânsito e comportamento adequado em relação aos demais usuários da via. Assim como, saber como agir em caso de acidentes de trânsito. “Estas informações ou comportamentos deveriam ser internalizados nos indivíduos desde a tenra idade. Porém, embora a educação e segurança no trânsito sejam um direito de todos os cidadãos, contemplado na Constituição Federal e normatizado no CTB, nada foi feito em relação a isso”, analisa a Abrauto.
Ainda de acordo com a Abrauto, o único momento que um cidadão recebe estas informações, é no Centro de Formação de Condutores, aos 18 anos. Isso se ele pleitear uma habilitação. “O candidato chega ao CFC sem qualquer informação ou educação para o trânsito e o instrutor precisa ensinar, conscientizar e educar. Desta forma, os CFCs deveriam ser vistos como os heróis da educação para o trânsito e não os vilões, como sempre se ouve nas mídias. O Governo Federal deve implementar políticas para educar os cidadãos. Além disso, aperfeiçoar a formação de condutores e não retirá-la como é a proposta destas minutas”, destaca a nota.
Para finalizar a entidade faz um alerta sobre o fim do curso teórico.
“Tirar as aulas teóricas obrigatórias para a primeira habilitação sem que haja políticas públicas que contemplem educação para o trânsito a todos os cidadãos, além de representar um grande retrocesso irá colocar a vida em risco não só do condutor que não teve acesso ao mínimo de informações, mas de todos os cidadãos, pois, seja como condutor, passageiro ou pedestre, somos todos usuários do trânsito”, conclui a Abrauto.
Brasil na contramão
Conforme Eliane Pietsak, pedagoga especialista em trânsito e gerente de projetos da Tecnodata, a mudança pode, a curto prazo, colaborar para o aumento significativo no número de acidentes.
“Estamos sempre na contramão da história. Temos um índice altíssimo, um dos maiores do mundo em número de mortos e feridos resultantes de acidentes de trânsito. Ou seja, ao invés de analisar seriamente o processo de habilitação, melhorar a qualidade da formação, tanto de instrutores como dos candidatos à primeira habilitação, o poder público, coincidentemente em ano eleitoral, abre consulta pública para retirada da obrigatoriedade das aulas teóricas nos CFCs”, sinaliza a especialista.
A Tecnodata, inclusive, preparou um tutorial em vídeo para quem está com dificuldades em criar o cadastro do site Gov.br. Veja!
Veja como melhorar a segurança da conta Gov.br:
Como acessar a conta Gov.br:
Após ter sua conta no Gov.BR, clique nos links das duas minutas que estão sob análise. Atenção: ao clicar no link, você precisará fazer novo login:
Câmara Temática não foi consultada sobre o tema
Para a maioria dos especialistas, uma das questões mais graves em relação a essa minuta é que o tema não foi discutido pela Câmara Temática de Educação para o Trânsito (CTEDUC), do Contran. Ele simplesmente apareceu na minuta. De acordo com participantes da Câmara, de onde partem as sugestões e o embasamento técnico sobre assuntos específicos para decisões do Conselho, tornar o curso teórico facultativo na formação de condutores não foi um tema debatido nas reuniões.
Isso quer dizer que não passou pelo crivo técnico dos especialistas representantes de órgãos e entidades executivos da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios. E nem de especialistas representantes dos diversos segmentos da sociedade relacionados com o trânsito.
Magnelson Carlos de Souza, presidente da Feneauto, que faz parte da Câmara Temática, relatou recentemente ao Portal do Trânsito que em nenhum momento foi discutida a possibilidade de acabar com a obrigatoriedade do curso teórico na formação de condutores. “Nós discutimos a forma de aplicar esse curso, a modalidade de ensino, presencial, remota assim como o EAD. Inclusive a nota técnica assinada pela relatora da Câmara não aponta em nada para essa não obrigatoriedade do curso remoto”, esclareceu.