07 de dezembro de 2025

Gentileza no trânsito: será que ainda existe?


Por Rodrigo Vargas de Souza Publicado 14/11/2019 às 03h00 Atualizado 02/11/2022 às 20h07
Ouvir: 00:00
Gentileza no trânsitoFoto: Pexels

Independentemente de onde eu esteja, seja numa escola, universidade, empresa, ONG ou seja num CFC, durante minhas palestras, como forma de quebrar o gelo, interagir com o público ou mesmo afinar os discursos, costumo perguntar à plateia “se pudessem definir em uma só palavra o trânsito, como o fariam?“. À medida que as respostas vão surgindo, procuro classificá-las e dividi-las, apontando na mão direita as palavras de cunho negativo, pejorativo; e na esquerda, os conceitos positivos que eventualmente venham a aparecer. Invariavelmente, faltam dedos àquela mão.

Parte da apresentação segue com a reflexão do porque o trânsito, geralmente, nos remete a sentimentos tão pesados e negativos. Reflexão que, constantemente, nos leva a perceber a infindável falta de empatia que há no trânsito (assunto que eu já tratei recentemente nesse outro artigo). Tema sobre o qual o DetranRS lançou nas redes sociais recentemente uma campanha chamada Movimento Empatia no Trânsito – Você no lugar do outro, que tem como principal objetivo fazer com que as pessoas possam desenvolver a capacidade de colocar-se de verdade na posição do seu semelhante, conforme o vídeo abaixo:

O fato é que eu, particularmente, embora trabalhe com educação para a mobilidade, ainda sou um pouco pessimista quanto a mudança do comportamento humano. Não quer dizer que eu não acredite em tal mudança. Muito pelo contrário! Seria até contraditório da parte de um psicólogo fazer tal afirmação… No entanto, essa mudança é lenta, gradual. Eu diria até geracional. Aqueles que acompanham o meu trabalho já puderam perceber o quanto eu sou fascinado por tecnologia, a mesma que, no meu ponto de vista, muito mais rápido que qualquer mudança de comportamento, vai nos livrar da incumbência de conduzir veículos automotores.

A pesar do meu pessimismo (e das atrocidades que presencio quase que diariamente no trânsito), volta e meia me deparo com notícias que fazem aumentar um pouco mais as minhas esperanças na humanidade. A última, referente a uma moça filipina que tomou uma atitude pra lá de empática! Assim que embarcou no táxi que chamara para voltar pra casa, Cristina Tan começou a conversar com o motorista, um senhor de 67 anos de idade, chamado Rolando Sarusad. Durante o percurso, ele falou sobre sua família e sobre os motivos que o fizeram tornar-se motorista. Como estava aparentemente exausto após um dia cheio de trabalho, Sarusad sugeriu que, para segurança de ambos, Cristina descesse e tomasse outro táxi para casa, pois, em função do cansaço, ele não sentia segurança para continuar aquela viagem.

Porém, Cristina teve uma ideia impressionantemente generosa: Insistiu para continuar a viagem naquele carro. Entretanto, ofereceu-se para assumir a direção enquanto o motorista sentava-se confortavelmente no banco de trás para descansar durante o restante do percurso. Ao final da viagem, como forma de retribuir a gentileza, o motorista sugeriu que a menina pagasse apenas a metade do valor da corrida, valor suficiente para pagar somente o combustível gasto. Cristina não só recusou a proposta, como ainda presenteou-lhe com uma gorjeta que possibilitou que ele tirasse o resto do dia de folga.

Espero sinceramente que, um dia, notícias como essa não tenham mais que ser divulgadas, pois passem a ser algo tão natural no nosso dia a dia que não faça sentido algum publicá-las.
Rodrigo Vargas de Souza

Sou formado em Psicologia pela Unisinos, atuo desde 2009 como Agente de Fiscalização de Trânsito e Transporte na EPTC, órgão Gestor do trânsito na cidade de Porto Alegre. Desde 2015, lotado na Coordenação de Educação para Mobilidade do mesmo órgão.Procuro nos meus textos colocar em discussão alguns dos processos envolvidos na relação do sujeito com o automóvel, percebendo a importância que o trânsito, espaço-tempo desse encontro, vem se tornando um problema de saúde pública. Tendo como objetivos, além de uma crítica às atuais contribuições (ou falta delas) da Psicologia para com a área do trânsito, a problematização da relação entre homem e máquina, os processos de subjetivação derivados dessa relação e suas consequências para o trânsito.Sendo assim, me parece urgente a pesquisa na área, de forma a se chegar a uma anuência metodológica e ética. Bem como a necessidade de a Psicologia do Trânsito posicionar-se de forma a abrir passagem para novas formas heterogêneas de atuação, que considerem as singularidades ao invés de servirem como mais um mecanismo de serialização das experiências humanas.

Comentar

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *