07 de dezembro de 2025

Necrópsia veicular


Por Rodrigo Vargas de Souza Publicado 11/10/2018 às 03h00 Atualizado 02/11/2022 às 20h14
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Avanços tecnológicos no trânsitoFoto: Pixabay.com

Enxerguei pela janela do ônibus dia desses, em frente ao que provavelmente deveria ser uma oficina, aquilo que um dia deve ter sido (um dia) um caminhão. Ou o que restou dele. Junto ao meio fio da via repousava tranquilamente os “restos mortais” do veículo, um enferrujado chassi, que certamente deveria estar há alguns anos ali, pelo menos. E, em uma das extremidades, jazia um velho motor que, à primeira vista, mais parecia um inútil amontoado de ferro. Difícil imaginar que um dia aquele “esqueleto” tenha sustentado um veículo, que aquele velho motor tenha animado e dado forças para movimentar aquelas rodas.

Embora aparentasse ser tão somente um ferro-velho, nada impede que aquele velho motor, com alguma manutenção e ajustes necessários, volte a funcionar. E, assim como o sopro da vida que habita nossas almas, uma simples faísca, gerada pelo girar de uma chave junto à ignição, seria suficiente para dar vida novamente àquele montoeira de metal, assim como um desfibrilador traz de volta à vida o coração que dá suas últimas batidas.

Mas o que é a vida, senão uma breve faísca que insiste em animar uma série de peças de um sistema, interligadas a uma central que gerencia todo esse sistema? Não é o cérebro um mega processador formado de circuitos elétricos que decodifica, interpreta e processa informações para um correto funcionamento desse sistema? Não seria, então, o cérebro um grande computador? E se tirarmos esse computador da tomada, apagando assim a faísca que insistem em animar uma série de peças de um sistema, interligadas a uma central que gerencia todo esse sistema, central essa formada por um mega processador formado de circuitos elétricos que decodifica, interpreta e processa informações para um correto funcionamento desse sistema, não estaríamos matando esse computador?

O famoso filme de ficção científica, O Exterminador do Futuro – A Salvação, termina com a seguinte frase emblemática:

“O que nos torna humanos não é algo que se coloca num chip, ou que se programe… é a força do coração humano… é o que nos diferencia das máquinas.”

No entanto, contraditoriamente no mesmo filme, o protagonista John Connor, vivido por Christian Bale, após ser ferido mortalmente no coração, é salvo justamente pelo transplante do órgão recebido de um ser híbrido, metade humano metade máquina. Em se tratando dos atuais avanços tecnológicos da medicina, onde já são comuns os marca-passos, transplantes de órgãos artificiais e um sem número de outras tecnologias criadas para prolongar a vida humana, esse tipo de cena que não nos causa mais estranhamento. Mas até onde irá o limiar que separa o humano da máquina?

 

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Rodrigo Vargas de Souza

Sou formado em Psicologia pela Unisinos, atuo desde 2009 como Agente de Fiscalização de Trânsito e Transporte na EPTC, órgão Gestor do trânsito na cidade de Porto Alegre. Desde 2015, lotado na Coordenação de Educação para Mobilidade do mesmo órgão.Procuro nos meus textos colocar em discussão alguns dos processos envolvidos na relação do sujeito com o automóvel, percebendo a importância que o trânsito, espaço-tempo desse encontro, vem se tornando um problema de saúde pública. Tendo como objetivos, além de uma crítica às atuais contribuições (ou falta delas) da Psicologia para com a área do trânsito, a problematização da relação entre homem e máquina, os processos de subjetivação derivados dessa relação e suas consequências para o trânsito.Sendo assim, me parece urgente a pesquisa na área, de forma a se chegar a uma anuência metodológica e ética. Bem como a necessidade de a Psicologia do Trânsito posicionar-se de forma a abrir passagem para novas formas heterogêneas de atuação, que considerem as singularidades ao invés de servirem como mais um mecanismo de serialização das experiências humanas.

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